3. O “Terceiro Período”
O consistente curso de Stalin à direita em 1926-27, o levou a capitular aos kulaks (camponeses ricos) internamente, aos burocratas sindicais durante a greve geral britânica, a Chiang Kai-shek na China. Ele sustentou essa política através de um bloco no Politburo com Bukharin, que tinha dito “enriquecei-vos” aos camponeses e projetado a construção do socialismo “a passo de tartaruga”. A Oposição de Esquerda liderada por Trotsky se opôs a essa linha, alertando que ela não apenas significava o massacre de milhares de comunistas estrangeiros, mas em última instância ameaçava as próprias fundações do Estado soviético em si. Stalin “respondeu” no Décimo Quinto congresso do partido (dezembro de 1927) sumariamente expulsando a Oposição e formalmente declarando que “aderência à Oposição ou propaganda das suas visões é incompatível com ser membro do partido”.
As previsões de Trotsky foram dramaticamente confirmadas pela rebelião kulak de 1927-28. Os depósitos de grãos do Estado estavam quase vazios e a fome ameaçava as cidades; a coleta de grãos produzia tumultos nos vilarejos, já que os camponeses (que podiam obter poucos recursos manufaturados de retorno em razão da moeda inflacionada) se recusaram a vender segundo os preços regulados pelo Estado. De repente, em janeiro de 1928, Stalin mudou para uma linha mais dura, ordenando expedições armadas para requisitar reservas de grãos. Mas mesmo isso não foi o suficiente. Em maio ele ainda estava declarando que “a expropriação dos kulaks seria tolice” (Problemas do Leninismo, pág. 221), mas no fim daquele ano ele argumentou que: “Podemos nós permitir a expropriação dos kulaks…? Que pergunta ridícula… Nós devemos quebrar a resistência dessa classe em um confronto aberto” (Problemas do Leninismo, pág. 325). Esse tipo de reviravolta dramática era constante para Stalin.
Desde 1924, Trotsky fazia um campanha pela industrialização e coletivização e era considerado por Stalin como um “inimigo do camponês” e “super-industrializador”. Mas diante da revolta antissoviética dos camponeses em 1928, Stalin entrou em completo pânico, mudando de um conservadorismo cego para um aventureirismo cego. Na Plataforma de 1927 da Oposição Unificada, Trotsky e Zinoviev chamaram a dobrar a taxa de crescimento previsto no primeiro plano quinquenal; Stalin agora a triplicava, e ao preço de um tremendo sofrimento para os trabalhadores. A Oposição chamava por uma coletivização voluntária das terras, ajudada por crédito do Estado para as cooperativas agrícolas e por uma luta contra a influência do kulak; Stalin realizava agora a coletivização forçada de metade das fazendas da União Soviética no período de quatro meses! Os camponeses responderam com sabotagem, sacrificando mais de 50 por cento dos cavalos do país, e com uma guerra civil que durante os vários anos seguintes custou mais de três milhões de vidas.
Trotsky se opôs à coletivização sob o cano da metralhadora, considerando-a uma monstruosidade. Marxistas sempre chamaram por ganhar a pequeno-burguesia gradualmente, por persuasão e por uma transição voluntária para o socialismo através da produção cooperativa. A industrialização, por outro lado, apesar da incrível desorganização e dificuldades desnecessárias causadas pelo planejamento burocrático, ele apoiou:
“O sucesso da União Soviética no desenvolvimento industrial está adquirindo um significado global histórico… Esse momento não é nem estável e nem seguro… mas ele provê uma prova prática das imensas possibilidades contidas nos métodos econômicos socialistas.”
― L. D. Trotsky, “Imprudência Econômica e seus Perigos”, 1930
Ambas a coletivização e a industrialização eram plenamente justificadas nas políticas da Oposição. Para que representassem um retorno ao leninismo, entretanto, elas requeriam complementarmente o restabelecimento da democracia no partido e nos sovietes. Stalin respondeu à bancarrota das suas políticas anteriores, agudamente reveladas pela crise, tomando o curso oposto, reforçando a sua ditadura burocrática e expulsando Trotsky da União Soviética.
Stalin descobre o “Terceiro Período”
As políticas de Stalin na Internacional Comunista (IC) eram uma duplicata dos seus ziguezagues domésticos. Depois do desastre da insurreição de Shangai de 1927, no qual ele ordenou aos comunistas chineses renderem as suas armas ao carniceiro Chiang Kai-shek, ele bruscamente refez o curso e ordenou a aventureira Comuna de Cantão, que terminou em um massacre similar para os trabalhadores. No verão de 1928, Stalin generalizou esse padrão de imprudência ultra-esquerdista com a doutrina do “terceiro período” do imperialismo.
De acordo com essa “teoria”, houve uma onde revolucionária no pós-guerra até 1923, um período de estabilização até 1928 e então um novo período de iminente e final colapso do capitalismo. Como os catastrofistas de hoje, Stalin explicava que a crise econômica iria automaticamente criar uma situação revolucionária. Na verdade, os estágios iniciais de uma crise são frequentemente acompanhados de uma grave desmoralização na classe trabalhadora. E é digno de nota que, em nenhum momento entre 1928-32, qualquer partido comunista no mundo realizou uma tentativa de tomar o poder! (Posteriormente, Stalin abandonou silenciosamente a sua bombástica teoria enquanto fazia um giro brusco à direita).
O início da depressão e as políticas de ultraesquerda da Comintern causaram estragos nos partidos comunistas. No país chave da Europa ocidental, a Alemanha, uma combinação de demissões em massa e da política de abandonar os sindicatos resultou na queda da porcentagem de trabalhadores fabris do partido, de 62% em 1928, para apenas 20% em 1931, efetivamente transformando os comunistas na vanguarda dos desempregados ao invés da dos trabalhadores. Resultados patéticos típicos do aventureirismo do “terceiro período”, foram as marchas do Primeiro de Maio de 1929, que haviam sido proibidas pelos governos capitalistas: em Paris, a polícia simplesmente prendeu todos os membros ativos do PC em 30 de abril (soltando-os três dias depois). Em Berlim o chefe de polícia socialdemocrata Zoergiebel atacou brutalmente os comunistas, cujo chamado por uma greve geral foi um fiasco.
Outro aspecto das políticas do “terceiro período” foi a prática de estabelecer pequenos “sindicatos revolucionários”, contrapostos as organizações de massa lideradas pelos reformistas. Os comunistas defendem a unidade sindical, mas não se opõem a todos os rachas. Pode ser necessário romper com restritivos sindicatos organizados por profissão para poder organizar em massa os trabalhadores da produção. Também, quando uma oposição pela esquerda é impedida de vencer somente pelos métodos burocráticos e criminosos, um rompimento com a velha organização pode ser a única alternativa à derrota. A questão é o apoio da esmagadora maioria dos trabalhadores, fazendo com que o sindicato possa sobreviver enquanto uma organização de massa.
O rompimento sindical do “terceiro período”, considerado uma questão de princípio, era bem diferente. Ele levou à formação de federações sindicais separadas (a Liga da Unidade Sindical [TUUL] nos Estados Unidos e a Oposição Sindical Revolucionária [RGO] na Alemanha), e a incontáveis pequenos “sindicatos vermelhos” com alguns poucos membros, que nunca tiveram nenhuma chance de sucesso. A política do “sindicato vermelho” é diretamente oposta à política leninista de lutar por uma liderança comunista para as existentes organizações de massa dos trabalhadores, e, com a exceção de algumas poucas situações isoladas, estava destinada ao fracasso.
“Social-fascismo”
Uma generalização dessa política foi a descoberta de Stalin de que os partidos reformistas socialdemocratas eram “social-fascistas”, ou seja, “socialistas em palavras, fascistas nos atos”. Desde que eles já não seriam mais parte do movimento operário (assim como os sindicatos dirigidos por socialdemocratas), a tática de frente única não era mais aplicável e os comunistas podiam no máximo oferecer uma “frente única pela base”, que é simplesmente chamar os trabalhadores e sindicalistas de base da socialdemocracia a romper com seus dirigentes.
Os líderes socialdemocratas prepararam o caminho para o fascismo – sobre isso não pode haver dúvida. Em janeiro de 1919, o socialdemocrata Noske pessoalmente organizou o massacre de centenas de trabalhadores revolucionários alemães ao reprimir o “levante espartaquista” em Berlim. Entre os mártires estavam Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, líderes do PC alemão. Em 1929 o socialdemocrata Zoergiebel afogou em sangue a marcha de Primeiro de Maio do PC. Em cada passo da escalada de Hitler ao poder, os reformistas capitularam ao invés de lutar. E, mesmo depois que Hitler já tinha tomado o poder, ao invés de organizar uma massiva resistência como haviam prometido, os líderes socialdemocratas ofereceram apoio à política externa do governo nazista, na vã esperança de que assim eles iriam salvar o seu partido da destruição! Eles não lutaram até que era tarde demais e, em última análise, eles preferiram Hitler à revolução.
Mas isso não é o mesmo que dizer, como fez Stalin, que a socialdemocracia era apenas a “ala esquerda do fascismo”. Essa declaração incoerente ignorava o fato de que as organizações da socialdemocracia e os próprios sindicatos seriam destruídos como resultado da vitória dos fascistas. Como Trotsky escreveu:
“O fascismo não é meramente um sistema de represálias, de força bruta e de terror policial. O fascismo é um sistema de governo particular baseado na destruição de todos os elementos da democracia proletária dentro da sociedade burguesa. A tarefa do fascismo está não em destruir a vanguarda comunista… também lhe é necessário esmagar todas as organizações voluntárias e independentes, demolir todos os baluartes defensivos do proletariado, e destruir tudo que se conseguiu por três quartos de século pelos sindicatos e pela socialdemocracia.”
― “E agora?”, janeiro de 1932
Aqui está uma situação que pede a política de frente única. Os líderes socialdemocratas não queriam lutar, mas recuar. A base, entretanto, não podia recuar – eles deviam lutar ou se ver aniquilados. Logo, devia-se chamar a liderança socialdemocrata a montar uma ofensiva unida contra os nazistas! Se eles aceitassem, a ameaça fascista podia ser destruída e a estrada aberta para a revolução. Se eles se recusassem, a sua traição ficaria claramente exposta diante dos trabalhadores e a mobilização revolucionária da classe operária se fortaleceria, por ser demonstrado na luta que os comunistas são a única liderança proletária consistente. Nas palavras de Trotsky:
“Trabalhadores comunistas, vocês são centenas de milhões; vocês não podem fugir para lugar algum; não há passaportes o suficiente para vocês. Se o fascismo chegar ao poder, ele vai passar por cima dos seus crânios e esqueletos como um tanque arrasador. A sua salvação está em uma luta implacável. E somente uma unidade de luta com os trabalhadores socialdemocratas pode trazer a vitória.”
― “Por uma Frente Única Proletária contra o Fascismo”, dezembro de 1931
“Depois de Hitler – nós!”
Às vésperas da chegada de Hitler ao poder, Stalin continuava a seguir a lógica derrotista-sectária do “terceiro período”, Depois das eleições de setembro de 1930, na qual o voto nos nazista pulou de 800 mil para mais de 6 milhões, o dirigente principal do PC alemão, Ernest Thaelmann, disse à executiva da Comintern que “… 14 de setembro foi em certo sentido o auge de Hitler, depois do qual não haverá dias melhores, mas apenas dias piores”. A IC endossou essa visão e chamou o PC a “concentrar o fogo nos social-fascistas”! Os stalinistas ridicularizaram a análise de Trotsky sobre o fascismo, e afirmaram que não havia diferença entre o regime de Brünning e os nazistas. Em outras palavras, eles foram inteiramente indiferentes quanto a se existiriam ou não organizações proletárias! Remmele, um líder do PC, declarou no Reichtag (o parlamento alemão): “Deixem Hitler assumir o governo – ele logo irá à bancarrota, e então será a nossa vez”. Consistente com essa política criminosa e completamente covarde, o PC se juntou aos nazistas em uma tentativa (sem sucesso) de retirar do cargo através de um plebiscito o governo estadual da Prússia, dirigido pelos socialdemocratas (o “Plebiscito Vermelho” de 1931)!
Em resposta ao amplo apoio recebido pelo chamado de Trotsky por uma frente única entre os trabalhadores alemães, Thaelmann respondeu em setembro de 1932:
“Em seu folheto sobre como o Nacional-socialismo deve ser derrotado, Trotsky dá apenas uma resposta, e é esta: o Partido Comunista Alemão deve juntar as mãos com o Partido Socialdemocrata… Ou, diz ele, o Partido Comunista faz causa comum com os socialdemocratas, ou então a classe trabalhadora alemã estará perdida por dez ou vinte anos. Essa é a teoria de um fascista completamente desmoralizado e contrarrevolucionário… A Alemanha obviamente não se tornará fascista – as nossas vitórias eleitorais são uma garantia disso. [!]”.
Nove meses depois, Thaelmann estava encarcerado nas prisões de Hitler. Ele foi depois executado pelos nazistas, assim como foram milhares de militantes comunistas e socialdemocratas, e os partidos proletários e sindicatos foram esmagados pelo punho de ferro do fascismo. As análises e políticas de Trotsky foram completamente confirmadas – e o proletariado alemão pagou o preço pela cegueira criminosa de Stalin.
Mas isso não pôs fim às traições de Stalin. Trotsky havia alertado anteriormente: É preciso dizer clara, energicamente, aos operários avançados: “Depois do ‘terceiro período’ de aventura e fanfarronada, começará o ‘quarto período’, o período do pânico e das capitulações”. (“Está na Alemanha a Chave da Situação Internacional”, novembro de 1931). A tragédia continuou a se desdobrar com uma precisão de relógio. Em seguida à chegada de Hitler ao poder, a Comintern, coberta de pânico, proibiu qualquer discussão dos eventos na Alemanha nos partidos comunistas e abandonou qualquer menção do social-fascismo. Ao invés disso, em um manifesto “Aos Trabalhadores de Todos os Países” (5 de março de 1933) a executiva chamou por uma frente única com os líderes socialdemocratas (o que eles haviam rejeitado nos cinco anos anteriores) e para que os PCs “abandonassem todos os ataques contra as organizações socialdemocratas durante a ação conjunta”!
A Frente Única
A série de Carl Davidson sobre “A Herança de Trotsky” em Guardian é um acobertamento consistente dos crimes de Stalin contra o movimento dos trabalhadores em uma tentativa de sustentar as políticas stalinistas de “socialismo em um só país”, “coexistência pacífica” e “revolução em etapas”, etc. Ao lidar com os eventos em torno da chegada de Hitler ao poder, Davidson afirma que “os trotskistas encobrem a força política que realmente pavimentou o caminho do poder para os fascistas – os socialdemocratas alemães” (Guardian, 9 de maio de 1973). O leitor pode julgar por si próprio do que foi dito acima, quais foram as forças políticas que abriram caminho ao fascismo! Davidson segue para afirmar que “Isso não quer dizer que o partido comunista alemão não tenha cometido erros ou que estes tenham sido insignificantes… Eles também cometeram uma série de erros ultra-‘esquerdistas’, incluindo uma ênfase unilateral na ‘frente única pela base’, ao invés de um esforço mais persistente de unidade também com os líderes socialdemocratas, mesmo se esta proposta fosse recusada”. Davidson é negligente em apontar que a cada passo a política do PC alemão foi ditada pelo próprio Stalin, e que foi repetidamente apoiada pelas reuniões da Comintern!
Os stalinistas constantemente tentam criar confusão sobre o conteúdo da política de frente única de Lenin (cuja principal palavra de ordem era “classe contra classe”), para tentar identifica-la com a “frente popular” de Stalin junto com a burguesia “democrática”. Eles buscam mostrar a frente única como uma tática de colaboração de classe e capitulação à liderança socialdemocrata. Isso levou alguns grupos, como o Partido Trabalhista Progressivo (PL), a rejeitar completamente a tática de frente única:
“Como nós repetidamente apontamos, nós rejeitamos o conceito de uma frente única com os patrões. Nós rejeitamos o conceito de uma frente única com os trotskistas e a horda de outras fraudes na esquerda…”
“Nós acreditamos em uma frente única pela base que tome a forma de uma coalizão de centro-esquerda”.
― “Estrada para a Revolução III”, PL, novembro de 1973
A frente única pela base, ou seja, chamar a base a se separar dos líderes reformistas, é sempre válido. Mas não se pode simplesmente ignorar esses falsos líderes sem condicionar a vanguarda a um isolamento estéril. Respondendo aos oponentes da frente única durante os primeiros anos da Internacional Comunista, Trotsky escreveu:
“A frente única se estende apenas às massas trabalhadoras ou ela também inclui os líderes oportunistas?”
“A própria formulação da questão é um produto de falta de compreensão.”
“Se nós fôssemos capazes de simplesmente unir as massas trabalhadoras ao redor da nossa própria bandeira ou ao redor das nossas palavras de ordem práticas imediatas, e passar por cima das organizações reformistas, fossem partidos ou sindicatos, isso sem dúvida seria a melhor coisa no mundo…”
“… para evitar perderem a sua influência sobre os trabalhadores, os reformistas são forçados, contra os mais profundos desejos dos seus líderes, a apoiar movimentos parciais dos explorados contra os exploradores…”
“… nós estamos, todas as outras considerações a parte, interessados em arrastar os reformistas das suas casas de repouso e coloca-los do nosso lado diante dos olhos das massas lutadoras.”
― “Sobre a Frente Única”, 1922
Essas teses foram aprovadas pelo Politburo do Partido Comunista da União Soviética e pelo Comitê Executivo da IC. Em sua polêmica contra os ultra-esquerdistas (Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo) Lenin chamou pelo uso de “qualquer oportunidade para ganhar um aliado de massas, não importa quão temporário, vacilante, pouco confiável ou acidental. Quem não foi capaz de colocar isso na cabeça não entendeu nada de marxismo e do socialismo científico contemporâneo em geral”.
Depois de se recusar por cinco anos a se unir na luta com os líderes socialdemocratas, Stalin, em março de 1933, deu um giro completo e concordou com uma “frente única” onde estaria proibida a possibilidade de crítica. Isso significava que os comunistas se comprometiam de antemão a permanecer em silêncio diante das inevitáveis traições dos reformistas, assim como Stalin havia se recusado a criticar e romper com os dirigentes sindicais britânicos quando eles traíram a greve geral de 1926. O quanto isso nada tem a ver com bolchevismo poder ser visualizado lendo a resolução original da Comintern sobre a frente única:
“Ao submeterem-se a uma disciplina da ação, os comunistas se reservaram absolutamente o direito e a possibilidade de expressar não somente antes e depois, mas sim também durante a ação, sua opinião sobre a política de todas as organizações operárias sem exceção. Em nenhum caso e sob nenhum pretexto, esta cláusula poderá ser contraposta.”
― “Teses Sobre a Frente única Proletária”, 1922
A União Soviética – um Estado proletário degenerado
A traição definitiva de Stalin na Alemanha, e a necessária conclusão de chamar por novos partidos comunistas e uma nova Internacional, levou ao questionamento a respeito de um novo partido na própria União Soviética. Isso, por sua vez, levantou de novo a questão do caráter de classe do Estado soviético e a natureza da burocracia stalinista que estava à sua frente. Trotsky se recusava a considerar a URSS “capitalista de Estado”, como faziam muitos antigos comunistas que haviam sido expulsos por Stalin. Fazê-lo implicaria dizer que poderia haver uma contrarrevolução pacífica, “rodando o filme do reformismo ao contrário”, por assim dizer. Fundamentalmente, o Estado é baseado em formas de propriedade, que representam os interesses de classes determinadas. As relações de propriedade socialistas na União Soviética permaneciam intactas, e essa conquista colossal da revolução de outubro não deveria se facilmente abandonada. Enquanto se opõem à burocrática liderança stalinista, os bolcheviques-leninistas devem defender incondicionalmente a URSS de um ataque imperialista.
Ao mesmo tempo, ela não era um Estado proletário saudável. O proletariado havia sido expropriado politicamente. Os sovietes eram simples corpos administrativos para carimbar as decisões do secretário geral. O partido bolchevique era uma criatura da burocracia, com toda a liderança de 1917 tendo sido expulsa ou subjugada, com a exceção de Stalin. Considerando os eventos dos anos recentes – as expulsões, as prisões e o banimento de todos os oposicionistas – era uma irresponsabilidade criminosa achar que essa burocracia parasita poderia ser eliminada sem uma revolução. Essa não seria uma revolução social, resultando em novas formas de propriedade, mas em uma revolução política. A URSS era um Estado proletário degenerado:
“… os privilégios da burocracia por si próprios não mudam as bases da sociedade soviética, porque a burocracia tira seus privilégios não de alguma relação de propriedade peculiar a si, como uma ‘classe’, mas daquelas relações de propriedade criadas pela revolução de outubro e que são fundamentalmente adequadas para a ditadura do proletariado.”
“Para colocar claramente: quando a burocracia rouba o povo (e isso é feito de várias formas por todas as burocracias), nós estamos lidando não com exploração de classe, no sentido científico do termo, mas com parasitismo social, ainda que em uma vasta escala…”
“Finalmente, nós acrescentamos para garantir a completa clareza: se na URSS hoje o partido marxista estivesse no poder, ele iria renovar todo o regime político; ele iria desarticular e expurgar a burocracia e coloca-la sob o controle das massas – ele iria transformar todas as práticas organizativas e inaugurar uma série de reformas fundamentais na administração da economia; mas de forma alguma ele teria que realizar uma derrubada das relações de propriedade, ou seja, uma nova revolução social.”
― “A Natureza de Classe do Estado Soviético”, outubro de 1933
Os stalinistas imediatamente gritaram “contrarrevolução”. Trotsky era um agente de Chamberlain, Hitler, do Mikado, etc. e tinha o objetivo de restabelecer o capitalismo, eles diziam. Mas os stalinistas nunca foram capazes de apontar uma única instância em que Trotsky tenha se recusado a apoiar a URSS contra o imperialismo, ou chamado pelo abandono das formas de propriedade socialistas. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, ele liderou uma luta amarga contra um grupo liderado por Max Shachtman no Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP) norte-americano, que se recusava a defender a Rússia contra Hitler. Trotsky repetidamente enfatizava que enquanto a União Soviética permanecesse um Estado proletário, ainda que gravemente degenerado, era uma questão de princípios defende-la. Na hora da necessidade, os bolcheviques-leninistas estariam prontos em seus postos de batalha.
No começo dos anos 1960, Mao Tse-tung anunciou que a liderança de Kruschev-Brezhnev na União Soviética era, desde 1956, “social-imperialista” e que a URSS não era mais um Estado proletário, mas um novo tipo de imperialismo presidido por uma “burguesia vermelha”. Em um recente ataque contra o trotskismo de um ponto de vista maoísta, o folheto intitulado “Do Trotskismo ao Social-Imperialismo”, de Michael Miller, da Liga pela Revolução Proletária, essa posição é contrastada com a de Trotsky:
“Em 1956, Kruschev apareceu em cena lançando um ataque contra a ditadura do proletariado e espalhando ideologia e cultura pequeno-burguesa por toda a parte…”
“O trotskismo nunca entendeu a teoria e nunca aprendeu com a prática o caráter de classe dos Estados soviético e chinês. Durante o período da história soviética em que a base econômica estava sendo transformada desde propriedade privada para propriedade social dos meios de produção, os trotskistas sempre prestaram atenção à estrutura política – a superestrutura… A base econômica nunca pode ser considerada à parte da estrutura política. Na União Soviética, o Partido Comunista, que é o coração da estrutura política, foi tomado por uma camada de políticos de tipo burguês e transformado em uma variante de um grande partido político burguês. Agora eles estão ocupados implementando políticas econômicas que revertem a base econômica socialista, que restauram a propriedade privada, a produção privada para o mercado, e que reproduzem em uma enorme escala todas as relações sociais capitalistas correspondentes.”
Essa passagem demonstra a rejeição pelos maoístas do mais elementar marxismo. Se, como eles dizem, uma contrarrevolução social pacífica aconteceu na Rússia, então logicamente uma revolução socialista pacífica contra o capitalismo também pode acontecer – a posição socialdemocrata clássica que Lenin refutou em O Estado e a Revolução. Além disso, sustentar que tal contrarrevolução foi realizada pelo aparecimento de um grupo dominante com “ideologia pequeno-burguesa” é idealismo, completamente contraposto à compreensão materialista marxista de que uma revolução (ou contrarrevolução) social só pode ser atingida pela derrubada das relações de propriedade.
São importantes as consequências práticas dessa política. Já que a URSS é um Estado “imperialista” de acordo com Mao, não é necessário defende-la contra outros Estados capitalistas. De fato, Mao foi tão longe a ponto de pressionar por uma aliança sino-japonesa contra a União Soviética e encorajar a continuidade da OTAN como um baluarte contra o “imperialismo soviético” na Europa! Essas são implicações contrarrevolucionárias da posição do “capitalismo de Estado” posta em prática. Elas levantam o fantasma de uma guerra imperialista na qual a URSS e a China estariam aliadas a potências capitalistas adversárias – uma eventualidade que colocaria as formas de propriedade dos Estados proletários deformados e degenerado em perigo imediato. Embora a camarilha de Brezhnev em Moscou não seja tão explícita em emblocar com Estados capitalistas contra a China, a sua vontade de abandonar a defesa dos Estados proletários na esperança de chegar a uma aliança com o imperialismo norte-americano foi claramente revelada no ano passado, quando Nixon foi convidado para assinar uma declaração de “coexistência pacífica” em Moscou, ao mesmo tempo em que aviões norte-americanos estavam carregando bombas de saturação sobre o Vietnã de Norte!
Os trotskistas, em contraste, chamam pela unidade sino-soviética contra o imperialismo, pela defesa incondicional dos Estados proletários deformados e degenerado. Ao mesmo tempo, nós criticamos impiedosamente as burocracias parasitas que estão sabotando essa defesa. Os trabalhadores avançados irão reconhecer a justeza dessa posição classista e principista, e saberão rejeitar aqueles como, os maoístas e stalinistas pró-Moscou, que criminosamente abandonam a defesa das conquistas dos trabalhadores.