O núcleo ou organização marxista que não está voltado para as organizações de luta e resistência atualmente existentes do movimento dos trabalhadores está condenado a se tornar uma seita, mesmo que essa não seja a intenção dos seus membros. Por mais frágeis e degeneradas que possam ser as organizações da classe trabalhadora, ignorar a sua existência é o mesmo que aceitar “começar do zero”. Os marxistas devem realizar as suas próprias atividades propagandísticas e sua própria agitação, encontros, manifestações, panfletagens. Mas um elemento chave da sua atividade deve ser intervir nas organizações existentes do proletariado.
Especialmente para uma organização jovem, construir-se no movimento dos trabalhadores é a tarefa de mais suma importância, para evitar, desde o seu nascedouro, que ela se torne uma seita ou fique restrita a círculos intelectuais e pequeno-burgueses. Isso não significa que os intelectuais não possam prestar um papel importante na construção das organizações, mas sim que seus olhos e seus esforços devem estar voltados para o movimento proletário.
A forma mais comum de organização do movimento dos trabalhadores em tempos de calmaria é o movimento sindical. Além disso, outras formas de organização existem, e também devem receber atenção dos marxistas, como as organizações de luta por bairro ou por moradia. Nesses casos, essas organizações não são necessariamente compostas apenas pelo proletariado e os marxistas devem enfatizar os interesses de classe do proletariado na sua intervenção.
A atuação dos marxistas no movimento não deve ser pautada nem pelo liquidacionismo nem pelo aparatismo. Os marxistas não entram no movimento para “dançar conforme a música”, mas sim ao contrário, para nadar contra a corrente. É um fato que devemos apoiar as lutas dos trabalhadores por melhorias em suas condições materiais, por menores e mais parciais que sejam. Mas em cada uma delas, é crucial apontar sempre a superação do sistema capitalista como o objetivo central da classe trabalhadora em nossa época.
Uma das melhores formas de fazer isso é o uso das demandas transitórias. São demandas que em si contém o germe dos elementos de transição ao socialismo. Não são o mesmo que defender simplesmente a revolução ou o socialismo. Significam ligar as necessidades atuais sentidas dos trabalhadores em cada conjuntura e em cada contexto com a solução que uma sociedade de transição ao socialismo, regida pela ditadura do proletariado, poderia realizar. Algumas demandas transitórias podem, temporariamente e de forma limitada, ser aceitas por governos burgueses. Mas eles buscarão revertê-las na primeira oportunidade.
Se as demandas transicionais não são, portanto, de caráter puramente propagandista, elas certamente tem como principal objetivo o educativo. Dentre algumas demandas transitórias estão: a distribuição das horas de trabalho entre todos os trabalhadores aptos, sem reduções salariais, para acabar com o desemprego; a elevação dos salários no mesmo ritmo da inflação (gatilho salarial), para impedir a erosão das condições de vida pela crise capitalista; a expropriação sem indenização de certos ramos capitalistas estratégicos, como os bancos, a terra e a grande indústria, sob o controle dos trabalhadores; a construção de comitês de gestão nas empresas, que busquem rivalizar com os patrões no controle delas; terra para quem nela vive e trabalha: expropriação do agronegócio e do latifúndio capitalista; e igual salário para igual trabalho, com objetivo de eliminar as reduções salariais dos setores oprimidos e que favorecem aos patrões.
Essas são apenas algumas, mas não esgotam as demandas de transição possíveis. Obviamente, isso não significa que os marxistas deixam de lado demandas mínimas ou demandas democráticas que sejam importantes no movimento, mas o programa de transição é o seu eixo de agitação mais importante, ainda que não possa ser alcançado em qualquer luta pequena ou parcial. O programa de transição emerge das necessidades reais do proletariado, não do seu atual nível de consciência. Portanto, é esperado que ele seja recebido com ceticismo pelos trabalhadores em certos momentos, mas a sua necessidade é imposta objetivamente tão logo a luta assume traços mais sérios.
É sintomático que muitos grupos da esquerda socialista que passaram à perspectiva de uma administração mais humana ou racional do Estado burguês e do sistema capitalista rejeitem o programa transitório e tenham adotado como suas bandeiras principais as da “taxação dos ricos” e a adoção de uma “renda básica universal” para a população, oriunda de uma parcela dos lucros. Como dito, os marxistas não recusam as reformas, e essas medidas poderiam ser arrancadas dos capitalistas. Mas ao contrário da perspectiva harmoniosa dos oportunistas, que concilia tais demandas isoladamente com a continuidade do capitalismo e da classe dominante no poder, nós afirmamos que elas só poderiam ser obtidas temporariamente, numa conjuntura de avanço das lutas, e que os capitalistas buscariam revertê-las tão logo fosse possível. É por isso que o programa transitório, ao contrário, não deve ser visto como um conjunto de reformas a serem alcançadas nos marcos do sistema, ou como um fim em si próprio. Ele tem o objetivo de cimentar o caminho para a compreensão da necessidade da ditadura do proletariado.
Aparatismo significa priorizar o controle sobre os cargos e posições de poder nas organizações dos trabalhadores acima da tarefa de agitar uma perspectiva revolucionária, e por vezes acima da influência real dos marxistas na base. Muitas correntes socialistas pequenas tentam participar de eleições sindicais ou de outros aparatos sem que tenham força, muitas vezes, para geri-los de forma efetiva caso ganhem. A luta pelo aparato também é o caminho mais fácil para um núcleo marxista deixar de lado o seu programa e os seus objetivos, pois passa a priorizar a manutenção dessas posições, realizando blocos espúrios com outras forças e acomodando seu discurso e seus objetivos. O objetivo principal de um pequeno núcleo marxista é alargar as suas bases de apoio, reconhecimento, autoridade e a consciência de classe no movimento dos trabalhadores.
Uma tática importante em muitos casos é a frente única ou frente unida. Trata-se de um acordo entre organizações do movimento para realizar uma campanha de luta e enfrentamentos contra a classe dominante ou contra um patrão ou inimigo particular sempre num interesse comum dos trabalhadores. É uma tática útil para o movimento, por exemplo, desbaratar grupos fascistas, ou derrotar uma imposição de uma medida contra a classe trabalhadora. Os marxistas aproveitam as frentes únicas para “jogar a base contra a direção” nas organizações burocráticas, reformistas ou oportunistas em geral. Nesses contextos, devemos ser os que levam mais a sério e nos dedicar ativamente aos esforços da luta, para mostrar a superioridade do programa marxista na teoria e na prática. Em frentes unidas, os marxistas não fazem propaganda comum de perspectivas políticas gerais com outras correntes, e se reservam o direito de criticar (e também o de serem criticados por) todos os participantes. O debate político franco não deve impedir a ação comum, a não ser para as seitas (sejam elas politicamente radicais ou moderadas). A explicação mais sucinta da frente única é “bater juntos por um objetivo comum, mas marchar separados”.
A frente unida não é, ao contrário do que alguns pensam, um acordo ou bloco de organizações para fazer propaganda conjunta, com a intenção de aparentar ser uma força maior ou mais influente, e que muitas vezes assume a forma de frente eleitoral. Tal prática é tanto desonesta, porque inevitavelmente envolve calar para os de fora sobre as diferenças políticas que separam as organizações, quanto liquidacionista. Em vez disso, caso haja proximidade real suficiente entre organizações no contexto de uma frente unida, os marxistas buscariam encaminhar a discussão para uma fusão ou reagrupamento, sem que isso impeça a continuidade da luta conjunta na frente com outros grupos.