Por uma federação socialista da América Latina!
Venezuela: Estado e revolução
[Originalmente publicado pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional (IBT), em 1917, n. 28, de dezembro de 2005. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em junho de 2017, a partir da versão disponível em http://www.bolshevik.org/1917/no28/no28Venezuela-PermRev.html]
A América Latina tem a maior diferença de renda do mundo, com mais de cem milhões de pessoas forçadas a ganhar a vida com menos de dois dólares por dia, de acordo com os Indicadores de Desenvolvimento do Mundo de 2005, do Banco Mundial. Os programas de austeridade e privatização ditados pelo FMI têm devastado a região há décadas. “Nenhuma outra região em desenvolvimento se moveu mais rapidamente para vender empresas estatais”, escreveu o Newsweek (5 de julho de 2005), observando que: “No final da década de 1990, a América Latina respondeu por 55% das receitas totais de privatização nos países em desenvolvimento. mundo…”.
A campanha dos financistas imperialistas para reduzir o “setor estatal” e privatizar os serviços de água, eletricidade e gás é racionalizada com afirmações cínicas de que a pobreza desesperada da região requer maior penetração de capital estrangeiro. De fato, as prescrições de austeridade do FMI, criadas para criar lucrativas oportunidades de investimento para as corporações imperialistas, reduziram os padrões de vida onde quer que tenham sido impostas.
O “neoliberalismo” provocou uma enorme resistência popular em toda a América do Sul. Em junho de 2005, a Bolívia estava à beira da guerra civil, enquanto protestos em massa exigiam a reversão da privatização dos depósitos de petróleo e gás do país, feita em 1996. Mas o oponente de maior destaque do “Consenso de Washington” é o presidente carismático da Venezuela, Hugo Chávez, cuja administração tem procurado mobilizar milhões de trabalhadores e camponeses pobres sob a bandeira de uma “Revolução Bolivariana”. Os bolivarianos, nomeados assim em homenagem a Simón Bolívar, o líder da revolta do século XIX contra o colonialismo espanhol, são alvo de uma campanha de intimidação e subversão sustentada pela classe dominante venezuelana em colaboração com as diversas agências de sua Senhorio americano, mas até agora espetacularmente mal sucedida.
Muitos na esquerda estão entusiasmados com a fala do líder venezuelano de “transcender o capitalismo” e construir o “socialismo do século XXI”. Eles esperam fervorosamente que Chávez possa usar sua posição no auge do Estado venezuelano para dar um golpe esmagador às forças de reação e impulsionar a Venezuela em uma nova direção revolucionária. Mas esta é uma ilusão perigosa, pois, como Karl Marx observou após a derrota da Comuna de Paris, em 1871, “a classe operária não pode simplesmente se apoderar da máquina de Estado [capitalista] pronta e usá-la para seus próprios propósitos”.
Alguns “marxistas” ativos no movimento operário venezuelano abandonaram esse axioma fundamental. Os seguidores de Ted Grant e Alan Woods no Comitê por uma Internacional Marxista (CMI [hoje Tendência Marxista Internacional / IMT; no Brasil, sua seção é a Esquerda Marxista]) denunciam os “sectários” e “formalistas” que “constantemente se referem a definições e citações feitas dos clássicos marxistas (‘devemos esmagar o velho Estado, etc.’), que em suas mãos se transformam de declarações científicas em clichês vazios ou encantamentos religiosos” (Marxist.com, 4 de maio de 2004). O CMI certamente não pode ser acusado de aderir – religiosamente ou de outra forma – aos princípios fundamentais do marxismo. Mas isso não muda o fato de que a revolução socialista na Venezuela, como em qualquer outro lugar, exige quebrar o Estado burguês e substituí-lo por instituições comprometidas com a defesa do poder operário.
Classe e Estado na Venezuela
A sociedade venezuelana foi decisivamente moldada por sua relação com o colosso imperialista ao norte. A descoberta de grandes reservas de petróleo durante a Primeira Guerra Mundial, no início da era do automóvel, aumentou enormemente a importância estratégica da Venezuela e hoje o país é o quinto maior exportador de petróleo do mundo. O petróleo representa aproximadamente um terço do produto interno bruto (PIB) do país e mais de 80% do total de suas receitas de exportação. Como resultado do boom do petróleo da década de 1970, a Venezuela hoje é uma sociedade altamente urbanizada, com 87% de sua população vivendo em cidades. Metade da força de trabalho é empregada na economia “não oficial” concentrada nas favelas, enquanto a agricultura contribui com apenas seis por cento do PIB. Dois terços dos alimentos do país têm de ser importados.
Em 1º de janeiro de 1976, o governo de Carlos Andrés Pérez nacionalizou a indústria petrolífera venezuelana e criou a estatal Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima (PDVSA). Isso aumentou a participação do governo nas receitas do petróleo, mas a gestão dessas instalações petrolíferas recentemente nacionalizadas não mudou e, como resultado, as principais multinacionais petrolíferas internacionais continuaram a obter o petróleo venezuelano com um desconto substancial. Na década de 1980, a PDVSA começou a adquirir ativos de refino, distribuição e comercialização no exterior, incluindo a cadeia de postos de gasolina Citgo nos EUA. Nos anos 90, a indústria de petróleo da Venezuela foi reaberta a investidores externos. Hoje, cerca de um quarto da produção é controlada por empresas estrangeiras (Venezuelan Politics in the Chávez Era, Steve Ellner e Daniel Hellinger, eds., 2003).
Outra alavanca do controle imperialista é a dívida externa do país, que, de acordo com o “Relatório do Desenvolvimento Mundial” de 2005 do Banco Mundial, estava acima de $32.5 bilhões em 2002 (cerca de um terço do produto interno bruto). A maior parte foi acumulada nos anos 1970:
“A dívida externa cresceu de US $ 1,2 bilhão em 1973 para US $ 11 bilhões em 1978. As somas astronômicas foram engolidas por projetos faraônicos. Milhões de dólares foram feitos em violação da lei e da constituição. Muito dinheiro foi usado para alimentar redes de clientelismo e beneficiou essencialmente o capital financeiro, cujos representantes eminentes ocuparam posições importantes dentro do aparato estatal.”
—Frédéric Lévêque, Réseau d’information et de solidarité avec l’Amérique latine (RISAL), 17 de maio de 2004
Os “oligarcas” venezuelanos, cujo poder social e político tem suas raízes na propriedade da indústria, do transporte, da banca e da mídia, estão ligados por mil fios aos centros do capital financeiro imperial. Seus primos rurais, os grandes proprietários de terras, dominam o campo. Seth DeLong, pesquisador sênior do Conselho de Assuntos Hemisféricos de Washington, estima que, apesar de uma reforma agrária de 1960, hoje “cerca de 75 a 80% da terra privada do país é de propriedade de 5% de todos os proprietários de terras” (Venezuelanalysis.com, 25 de fevereiro de 2005). O parasitismo da minúscula classe dominante da Venezuela foi racionalizado pelo racismo – a suposta superioridade dos “europeus” sobre as massas negras, indígenas e mestizas – e santificado pelos obscurantistas reacionários da Igreja Católica.
Do “caracazo” à “Revolução Bolivariana”
Uma combinação da queda dos preços do petróleo e do aumento da dívida produziu uma séria crise fiscal nos anos 80, o que levou o governo de Carlos Andrés Pérez a responder com a austeridade ditada pelo FMI e com “ajustes estruturais”. O primeiro passo foi a desregulamentação dos preços dos combustíveis. Na manhã de 27 de fevereiro de 1989, quando as pessoas a caminho do trabalho descobriram que as tarifas de ônibus haviam dobrado durante a noite, explodiram com raiva:
“Os ônibus foram derrubados e queimados, mas essa foi apenas a fase inicial da revolta. A rebelião tornou-se mais generalizada, com saques generalizados e a destruição de lojas e supermercados. Gangues de jovens dos subúrbios, pobres e zangados, invadiram o centro comercial de Caracas e passaram para as áreas residenciais privilegiadas dos ricos sob as encostas do Monte Ávila, próximo ao coração da cidade, que continuou sem controle durante toda a noite e no dia seguinte, transformando-se em uma prolongada e poderosa rebelião – o caracazo como era chamado – mas logo seria seguido por dias de brutal repressão militar.”
—In the Shadow of the Liberator, Richard Gott, 2000
O exército matou até 3.000 pessoas, mas foi incapaz de conter a agitação. A partir desse momento, os mecanismos tradicionais de controle social começaram a quebrar. De repente, as formações esquerdista-nacionalistas, como o Movimento al Socialismo (MAS) e La Causa Radical (ambos rachas do Partido Comunista Venezuelano) começaram a crescer rapidamente. A dissidência popular encontrou expressão no corpo de oficiais da Venezuela quando, em fevereiro de 1992, um grupo de oficiais liderados pelo Coronel Hugo Rafael Chávez Frías fez uma tentativa mal sucedida de derrubar Pérez e sua agenda “neoliberal”. Nove meses mais tarde eles tentaram, e falharam, novamente. Em 1994, quando Rafael Caldera Rodríguez, que anteriormente ocupava o poder de 1969 a 1974, foi reeleito presidente, ele imediatamente reverteu algumas das medidas menos populares de Pérez, nacionalizou alguns bancos insolventes e anistiou Chávez. As credenciais populistas de Caldera foram reforçadas quando um representante do MAS recebeu um cargo no gabinete. No entanto, o novo governo não conseguiu virar a economia, e em abril de 1996, Caldera concordou com outro programa de ajuste estrutural do FMI. Entre 1993 e 1999, os salários reais caíram, a taxa de sindicalização caiu para metade (para apenas 13,5 por cento), o desemprego dobrou (de 6,3 para 14,9 por cento) e a economia “informal” expandiu-se. De acordo com o Banco Mundial:
“a porcentagem de venezuelanos que vivem na pobreza (renda familiar de menos de US $ 2 por dia) aumentou de 32,2% em 1991 para 48,5% em 2000. Da mesma forma, a proporção de pessoas que vivem em extrema pobreza – abaixo de US $ 1 por dia – subiu de 11,8% para 23,5%.”
—Venezuela Country Brief, Banco Mundial, Agosto de 2004
Enquanto os pobres ficavam mais pobres, os ricos ficavam cada vez mais ricos: “A riqueza dos 40% mais pobres da população caiu de 19,1 por cento em 1981 para 14,7 por cento em 1997, enquanto que os pobres cresceram cada vez mais. Do decil mais rico aumentou de 21,8 para 32,8%” (Venezuelan Politics in the Chávez Era, Steve Ellner and Daniel Hellinger, eds., 2003).
Em março de 1994, assim que saiu da prisão, Chávez começou a organizar uma aliança “cívico-militar”, o Movimento Quinta República (MVR), que participou do “Polo Patriótico”, um bloco de partidos que se comprometeram a libertar a Venezuela da corrupção e da servidão neocolonial. Chávez recebeu 56% dos votos como candidato presidencial do Polo Patriótico nas eleições de dezembro de 1998:
“Chávez foi eleito no final de 1998 com base em três promessas básicas: primeiro, quebrar o velho sistema político venezuelano, conhecido como ‘puntofijismo’, nomeado assim pelo local em que os Democratas-Cristãos (Copei) e os social-democratas (Acción Democrática) assinaram um acordo para limitar o sistema político venezuelano a uma competição entre esses dois partidos, Punto Fijo. Segundo, Chávez prometeu acabar com a corrupção. E terceiro, Cháves prometeu aliviar a pobreza na Venezuela”
— G. Wilpert, Venezuelanalysis.com, 11 de Novembro de 2003
Poucos meses depois de ser eleito, a proposta de Chávez de convocar uma assembleia constituinte ganhou um mandato esmagador. Seus partidários levaram de lavada as eleições de julho de 1999 para a assembleia, e procederam a elaborar uma nova constituição declarando a Venezuela como um “estado democrático e social de direito e justiça”. Quando este documento foi ratificado por 70% dos eleitores em um referendo de dezembro de 1999, nasceu a nova “República Bolivariana da Venezuela”. Sete meses depois, em julho de 2000, Chávez foi eleito seu primeiro presidente.
As relações eram tensas entre os puntofijistas e os bolivarianos dentro do aparato estatal. Aqueles que haviam servido ao antigo regime não confiavam em Chávez, que parecia muito desinteressado em usar sua posição para proveito pessoal (uma característica que muitos em seu círculo não compartilham). Muitos antigos preocupavam-se que as denúncias bolivarianas de pobreza e “globalização” pudessem estimular as massas empobrecidas. Eles ficaram alarmados quando Chávez atribuiu quadros militares leais para monitorar o serviço civil:
“‘Os militares estão em toda parte’, um alto conselheiro econômico me explicou. ‘Às vezes parece que há um projeto secreto do qual você não sabe muito bem. Há realmente um partido militar, em alguns dos ministérios é um caso de poder dual.”
— Gott, op. cit.
Washington também ficou igualmente desconfiada das intenções bolivarianas. Para tranquilizar os imperialistas, o governo prometeu não tocar em nenhum investimento estrangeiro, embora, de acordo com Gott, Chávez tenha procurado evitar a responsabilidade pessoal por essa medida, arranjando estar fora do país quando ela foi anunciada.
Apesar das veementes denúncias contra o “neo-liberalismo”, o governo bolivariano propôs a privatização de empresas estatais de energia elétrica e alumínio, mantendo o controle da PDVSA. Em seu discurso inaugural, Chávez explicou o plano econômico de seu governo:
“Nosso projeto não é estatista nem neoliberal, estamos explorando o meio termo, onde a mão invisível do mercado se une à mão visível do Estado: tanto Estado quanto for necessário, tanto mercado quanto for possível.”
— Ibid.
Enquanto proclamava seu compromisso com a justiça social, o governo venezuelano continuou a fazer pagamentos programados da sua dívida externa e, em uma tentativa óbvia de tranquilizar os reacionários, Chávez voltou a nomear Maritza Izaguirre como ministro das Finanças, apesar de que, sob o governo Caldera, ela havia introduzido muitas das medidas impopulares denunciadas pelos bolivarianos.
Mas, apesar das políticas econômicas conservadoras do governo, sua base popular foi encorajada pela crença de que o presidente estava do seu lado. Em novembro de 2001, a tensão entre os bolivarianos e os puntofijistas veio à tona quando Chávez, em uma tentativa de reforçar sua popularidade escorregadia, empurrou 49 decretos cumprindo algumas de suas promessas anteriores. Um desses limitou o controle estrangeiro da indústria de petróleo e dobrou os royalties devido ao governo. A oposição de direita respondeu acelerando seus planos de derrubar o regime. Enquanto alguns capitalistas venezuelanos procuravam chegar a um modus vivendi com Chávez, a maioria da burguesia e grande parte da pequena burguesia eram virulentemente hostis. A burocracia sindical venal da Confederación de Trabajadores de Venezuela (CTV), explorando demagogicamente algumas queixas legítimas de sua base, se aliou aos patrões contra Chávez. Alguns dos elementos mais corruptos e cínicos da esquerda, notadamente os estalinistas degenerados do grupo Bandera Roja (Bandeira Vermelha), também deram o seu apoio à oposição “democrática” pró-imperialista. Em 10 de dezembro de 2001, a CTV, apoiada pela Fedecámaras (associação patronal) e gestores da PDVSA, realizou uma greve de um dia para protestar contra os decretos emitidos por Chávez no mês anterior. Chávez respondeu em fevereiro de 2002 demitindo os principais gerentes da PDVSA, um ato que desencadeou um golpe apoiado pelos Estados Unidos dois meses depois.
O National Endowment for Democracy (NED) dos EUA, que canalizou os fundos da CIA para os contras nicaraguenses nos anos 80, estava há muito financiando a burocracia da CTV por meio do perversamente intitulado “Centro Americano para a Solidariedade Internacional do Trabalho” (ACILS, aka “Solidarity Center”), a encarnação contemporânea do infame American Institute for Free Labor Development. Entre 1997 e 2002, o NED forneceu oficialmente ACILS com US $ 70 0,000 para subversão na Venezuela (Monthly Review, maio de 2005). Não foi por acaso que o orçamento da NED na Venezuela quadruplicou no período imediatamente anterior ao golpe de abril de 2002. Entre outras coisas, patrocinou uma conferência de março de 2002 de burocratas da CTV, funcionários da Fedecámaras e membros da hierarquia católica para discutir perspectivas e prioridades para o futuro do país.
O golpe de abril de 2002: made in USA
Em 11 de abril de 2002, elementos do exército venezuelano prenderam Chávez, e o chefe da Fedecámaras, Pedro Carmona, proclamou-se chefe de Estado. Carmona imediatamente rescindiu a constituição, dissolveu a legislatura, suspendeu a Suprema Corte, revogou todos os decretos de Chávez e começou a reunir líderes bolivarianos. Com um cinismo consumado, ele anunciou: “Todos sentirão que há muita liberdade, pluralismo e respeito pelo estado de direito” (Associated Press, 12 de abril de 2002). Carmona foi apoiado pela mídia corporativa, grande parte da intelligentsia e do corpo de oficiais, a Igreja Católica e, naturalmente, os grandes capitalistas e latifundiários. Seu regime foi imediatamente reconhecido por Washington, Madri e pelo FMI, embora nenhum governo latino-americano estivesse ansioso para endossar a derrubada orquestrada pelos EUA de um governo eleito na região. Nunca houve dúvida sobre o envolvimento americano:
“visitas de venezuelanos que planejavam o golpe, incluindo o próprio Carmona, começaram, dizem fontes, ‘há vários meses’, e continuaram até semanas antes da tomada do poder na semana passada. Os visitantes eram recebidos na Casa Branca pelo homem que o presidente George W. Bush chamou para ser seu estrategista-chave para a América Latina, Otto Reich.
“Reich é um cubano-americano de direita que, sob Reagan, dirigia o Escritório de Diplomacia Pública. Esse respondia em teoria ao Departamento de Estado, mas investigações do Congresso mostraram que Reich se reportava diretamente ao Ajudante de Segurança Nacional de Reagan, o coronel Oliver North, na Casa Branca.
—Observer (Londres), 21 abril 2002
O ex-oficial da inteligência da marinha dos EUA, Wayne Madsen, relatou que:
“‘Primeiro ouvi falar do tenente-coronel James Rogers (o adjunto militar agora baseado na embaixada dos EUA em Caracas) indo lá em junho passado para estabelecer o terreno’, disse ontem o analista de inteligência Sr. Madsen. ‘Alguns de nossos agentes anti-narcóticos também estavam envolvidos’.
“Ele disse que a Marinha estava na área para operações não ligadas ao golpe, mas que ele entendeu ter ajudado com sinais de inteligência como o golpe se desenrolava. Disse que a Marinha ajudou com as comunicações de apoio aos militares venezuelanos, concentrando-se nas comunicações para e das missões diplomáticas em Caracas, pertencentes a Cuba, Líbia, Irã e Iraque – os quatro países que haviam manifestado apoio a Chávez”.
—Guardian (Londres), 29 de abril de 2002
Apesar de Carmona ter mantido o poder por menos de 48 horas, encontrou tempo para se reunir com os embaixadores espanhóis e norte-americanos. O golpe desabou quando centenas de milhares de partidários plebeus se reuniram fora do palácio presidencial de Miraflores para exigir a restauração de Chávez, enquanto várias centenas de soldados leais, que haviam se escondido no porão depois de serem avisados sobre o golpe, surgiram para prender Carmona.
Reportou-se que alguns oficiais sêniores, que haviam inicialmente seguido os golpistas, ficaram tão apavorados com as ações ditatoriais do chefe da Fedecámaras durante seu primeiro dia de governo, que retiraram seu apoio. Isso pode explicar por que, logo que voltou, Chávez imediatamente procurou abrir um “diálogo” com seus inimigos de direita, retrocedeu em algumas reformas propostas e anunciou que os gestores da PDVSA permaneceria no lugar. Em vez de ficarem aliviados, os direitistas viram essas aberturas como um sinal de fraqueza e lançaram uma greve / locaute para derrubar o governo Chávez em dezembro de 2002. O locaute foi apoiado por todos os grandes capitalistas e uma minoria de trabalhadores. Ele infligiu sérios danos econômicos, mas desmoronou depois de alguns meses. Desta vez, Chávez foi menos conciliador e imediatamente demitiu 18 mil dos participantes (incluindo os patrões da PDVSA).
A maioria da classe trabalhadora e vários sindicatos importantes se opuseram ativamente ao locaute patronal:
“… no processo de recuperar a PDVSA, houve muitas experiências de controle dos trabalhadores, notadamente nas refinarias de El Ilenadero de Yagüa, Puerto La Cruz e El Palito, nas quais dezenas de trabalhadores trabalhavam dia e noite para combater a sabotagem econômica e também a pressão dos trabalhadores. Também foi a pressão dos trabalhadores que forçou […] Ferrari a abrir e distribuir gasolina.
“Experimentos semelhantes ocorreram em outros ramos da indústria. No meio do locaute, os trabalhadores tomaram empresas exigindo a sua reabertura e controle dos trabalhadores sobre a produção. Este foi o caso da Texdala, uma fábrica de têxteis em Maracay, e da Central Carora, uma fábrica de açúcar no estado de Lara.”
— Frédéric Lévêque, RISAL, 5 de Junho de 2003
Após o fracasso do locaute, a oposição de direita, que, conforme o National Catholic Reporter (2 de abril de 2004), recebia um milhão de dólares por ano dos Estados Unidos para lutar contra Chávez, começou a reunir assinaturas para um referendo revocatório presidencial. A votação, que acabou por ser realizada em 15 de agosto de 2004, deu um golpe devastador à oposição. Uma destacada mercenária imperialista, Maria Corina Machado (líder do Súmate, o grupo que liderou a campanha de recall) enfrenta acusações criminais por usar ilegalmente fundos estrangeiros para tentar influenciar o resultado. Em um sinal para Caracas, Machado foi convidado para a Casa Branca em maio de 2005 por George W. Bush.
A vitória decisiva de Chávez no referendo enfraqueceu dramaticamente a oposição. A vitória posterior dos candidatos pró-Chávez nas eleições regionais de 2004 levou à nomeação de uma maioria chavista no Supremo Tribunal. Com a direita em retirada, Chávez balançou para a esquerda, pelo menos retoricamente, e em janeiro de 2005, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, declarou que doravante seu governo estaria perseguindo uma agenda “socialista”.
Muitos esquerdistas apoiaram Chávez no referendo revogatório, sob o argumento de que seus oponentes eram reacionários. Mas votar “não” às novas eleições presidenciais equivaleria a dar apoio político ao atual governo burguês, algo que os marxistas jamais poderão fazer. Nessas circunstâncias, sem a possibilidade de expressar uma alternativa clara e proletária, o melhor que os trabalhadores venezuelanos com consciência de classe podiam fazer era anular seus votos, deixando clara sua disposição para defender Chávez, com as armas na mão, contra qualquer ataque extra-legal feito pela direita ou seus padrinhos imperialistas. [Para mais detalhes, ver Acerca do plebiscito venezuelano de 2004, de dezembro de 2005: https://rr4i.milharal.org/2005/03/12/acerca-do-plebiscito-venezuelano-de-2004/]
Reforma social e “o movimento”
O governo Chávez iniciou uma série de novos programas sociais significativos (conhecidos como “missões”) que estão fornecendo assistência importante a milhões de pobres da Venezuela. A Missão Mercal estabeleceu uma cadeia de supermercados para vender bens a preços subsidiados. A Missão Robinson, um programa de alfabetização em massa, já ensinou mais de um milhão de pessoas pobres a ler e a escrever. A Missão Ribas ajuda aqueles que nunca se formaram no ensino médio a retomar seus estudos, enquanto a Missão Sucre oferece bolsas para estudantes empobrecidos para frequentar a faculdade. A Missão Vuelvan Caras é um programa de treinamento através do qual graduados pela Missão Ribas e outros podem aprender as habilidades necessárias para empregos decentes e produtivos.
O objetivo da Missão Barrio Adentro é criar um sistema de saúde gratuito e universal. 20.000 profissionais médicos cubanos já criaram clínicas para fornecer saúde e atendimento odontológico gratuito para os pobres urbanos e rurais. Em troca, a Venezuela está vendendo petróleo para Cuba a preços bem inferiores aos do mercado internacional. A Missão Barrio Adentro II, lançada em junho de 2005, está construindo hospitais, além de instalações de diagnóstico e reabilitação. Chávez anunciou planos para a Missão Barrio Adentro III, para organizar a aquisição de equipamentos médicos modernos. As missões bolivarianas, que são extremamente populares, ajudaram a atrair milhões de venezuelanos pobres para a atividade política por meio de sua ênfase na participação das “bases”. Grande parte disso ocorreu através dos “círculos bolivarianos” – grupos locais de sete a dez indivíduos que ajudam a matricular pessoas nas “missões” e depois apoiá-las e monitorar seu progresso. Os círculos bolivarianos, que têm uma relação quase independente com o Estado e em seu auge reivindicavam uma adesão ativa de dois milhões, estão diminuindo e sendo substituídos por outras redes organizativas.
Em fevereiro 2002 o governo anunciou que emitiria títulos para a terra em favelas aos habitantes organizados em comitês de terra de entre 100 e 200 famílias. Esses comitês de terras urbanas tornaram-se desde então um pilar central da “Revolução Bolivariana”:
“A reforma agrária urbana está funcionando como um catalisador para a mobilização dos barrios venezuelanos, após o fiasco dos Círculos Bolivarianos … A mobilização de mais de 5.000 comitês de terras, representando uma população total de mais de 5 milhões de venezuelanos, ou 20% da população, o que faz com que os comitês de terras urbanas constituam o maior movimento social organizado da Venezuela
—Gregory Wilpert, Venezuelanalysis.com
O governo também criou pequenas instituições financeiras (por exemplo, o Banco da Mulher e o Banco Popular) para fornecer crédito barato para pequenas empresas e cooperativas. O Sindicato Nacional das Donas de Casa, lançado em 2003, é outro participante fundamental nos planos de “desenvolvimento endógeno”:
“Também temos pessoas que ensinam às mulheres como transformar cooperativas em pequenas empresas e trabalho comunitário” [Lizarde Prada, líder do Sindicato das Donas de Casa] explicou. ‘Por exemplo, se você vive em um determinado bairro e tem as matérias-primas, como bananas, como usá-las para uma loja de doces e usar o transporte local para o seu negócio. Tudo isso gerará mais trabalho local. Há diferentes cooperativas afiliadas ao Sindicato das Donas de Casa, algumas envolvem cozinhar e distribuir alimentos, outras têm a ver com têxteis e costura.”
—Benjamin Dangl, ZNet, 27 de abril de 2005
Apesar de melhorar a vida de muitos dos mais empobrecidos, esse tipo de iniciativa não abordam as raízes da desigualdade social na ordem mundial imperialista. Chávez recentemente começou a falar de “socialismo do século XXI”, mas as medidas propostas até agora não parecem ir muito além do “Programa Econômico de Transição” de 1999-2000, que projeta o desenvolvimento de uma “economia humanista, autogerenciada e competitiva” para a qual:
“O pano de fundo é a organização social da produção em que o mercado, como mecanismo fundamental de atribuição de recursos e fatores, incorpora formas organizacionais complementares de propriedade privada Que, como as cooperativas e as associações estratégicas de consumidores e produtores, promovem uma diversificação dinâmica da produção e agregam valor.”
Há uma contradição fundamental entre os interesses de quem possui e controla as alavancas econômicas essenciais – a burguesia venezuelana e seus patronos imperialistas – e a massa da população. Em algumas circunstâncias, os capitalistas podem ser obrigados a fazer concessões, mas, enquanto o Estado burguês permanecer intacto, os ganhos para os trabalhadores podem ser facilmente revertidos quando a relação de forças mudar.
Limites da política agrária bolivariana
A suposta “guerra contra os latifúndios” ilustra os limites da experiência bolivariana. Entre os 49 decretos promulgados por Chávez em novembro de 2001, um que particularmente enfureceu os oligarcas foi a criação do Instituto Nacional de Tierras (INTI), que foi encarregado de implementar uma modesta reforma agrária. A lei impôs um imposto suplementar sobre as terras onde mais de 80% não é trabalhada e permitiu a expropriação – com compensação total – de “terras ociosas de alta qualidade de mais de 100 hectares ou terras de qualidade inferior de mais de 5.000 hectares” (New Left Review, Maio-Junho 2003). As terras expropriadas deveriam ser entregues às cooperativas de agricultores. A reforma tinha como objetivo combater a fome de terra dos camponeses pobres, modernizar o campo e estimular a produção agrícola, aumentando assim a “soberania alimentar” da Venezuela. Ricaurte Leonete, chefe do INTI, destacou que não se tratava de uma medida anticapitalista: “Nossos terratenientes [latifundiários] nem são capitalistas, os capitalistas usam suas terras … Na Europa o capitalismo se livrou desse tipo de comportamento parasitário há muito tempo” (citado no Le Monde Diplomatique, outubro de 2003).
Entretanto, apesar dos ataques retóricos ocasionais contra parasitas, o regime não tocou em nenhuma propriedade privada por mais de três anos. Entretanto, mais de 100 líderes camponeses foram mortos por gangues armadas que trabalham em nome dos grandes proprietários de terras. Em alguns casos, as autoridades bolivarianas locais se alinharam com as elites rurais:
“É uma coisa quando o inimigo é um governador da oposição – como nos estados de Yaracuy, Apure e Carabobo – ou um político do ancien régime. Mas em janeiro de 2002, em El Robal (estado de Cojedes), foi Jhonny Yanez Rangel quem soltou os cães. Ele havia sido eleito como membro do Movimento pela Quinta República (MVR, o partido do presidente). ‘Ele expulsou os camponeses e destruiu seus ranchos e seus equipamentos, tudo estava perdido’, diz Vásquez [um camponês sem terra], ainda furioso com o que aconteceu. Como poderia um governador revolucionário agir contra a revolução?”
—Le Monde Diplomatique, outubro de 2003
Em meados de janeiro de 2005, com o governo menos ansioso para conciliar os reacionários, Rangel enviou 200 soldados da Guarda Nacional para a propriedade El Charcote, de 32 mil hectares (propriedade do milionário britânico Lord Vestey), onde várias centenas de camponeses sem terra ocupavam há anos. O Washington Post (14 de janeiro de 2005) imediatamente se aproveitou disto como um “assalto à propriedade privada”, que provou que Chávez “está minando os alicerces da democracia e da livre iniciativa”. A mídia europeia tratou de forma menos histérica. A BBC descreveu o anúncio de Chávez de que a reforma agrária seria acelerada como “mais modesta do que muitos esperavam”, e a Radio Netherlands observou:
“Embora o presidente Hugo Chávez tenha falado uma vez de uma ‘guerra contra as terras’, o governo agora evita cuidadosamente usar a palavra ‘confisco’. Ele está simplesmente ‘retomando’ terras que, embora sempre tenham sido ‘propriedade pública’, foram duvidosamente ‘ocupadas’ por proprietários e empresas privadas.
—Radio Netherlands, 15 de março de 2005
A discrepância entre a dura conversa de “guerra contra o latifúndio” e as tímidas medidas efetivamente empreendidas são destacadas pelas tentativas recentes do regime de “coordenação” com os proprietários de terras para chegar a acordos negociados e por sua contínua relutância em apoiar as ocupações camponesas. Apesar de toda a retórica radical, Chávez está bem ciente de que uma verdadeira revolução agrária que desarraigasse os grandes proprietários de terras ameaçaria inevitavelmente a propriedade capitalista nas cidades também. Nos últimos anos, a fim de aplacar os pobres rurais sem ofender os ricos proprietários de terras, o regime tem parcelado as terras estatais, transferindo mais de dois milhões de hectares para 130 mil famílias e cooperativas agrícolas. Ao fazê-lo, o governo agiu para expandir a influência do mercado capitalista e manter a influência dos grandes proprietários.
Chávez e o movimento operário
O governo Chávez aumentou o salário mínimo várias vezes – incluindo um aumento de 26 por cento em maio de 2005 (aproximadamente igual à taxa anual de inflação), tornando ainda mais difícil para os empregadores despedir trabalhadores. Essas medidas, que só se aplicam à metade da força de trabalho empregada na economia “formal”, tornaram mais fácil a sindicalização dos trabalhadores.
Quando Chávez chegou ao poder, a principal federação sindical era a altamente burocratizada CVT, tradicionalmente integrada de forma estreita à autodeclarada “social-democrata” Acción Democrática, que ajudou a erguer o regime puntofijista. Em março de 2000, Chávez declarou ilegal a greve dos trabalhadores da PDVSA por melhores salários e condições de trabalho e exigiu que uma nova liderança sindical fosse eleita antes das negociações poderem continuar. Ao invés de cumprir a demanda, o alto escalão do sindicato prontamente cancelou a ação. Mas sete meses depois, em outubro, 30 mil trabalhadores do petróleo voltaram a entrar em greve e, após quatro dias, arrebataram um aumento salarial de 60% da administração da PDVSA. Desta vez, o governo não procurou intervir, já que os sindicatos que representavam mais de um milhão de funcionários do setor público declararam sua intenção de entrar em greve em solidariedade. (BBC News Online, 15 de outubro de 2000).
Em 2001, numa tentativa de romper o controle da burocracia da CTV, o governo decretou que todos os sindicatos deviam imediatamente realizar eleições. Embora a intervenção de Chávez no movimento sindical fosse popular entre muitos trabalhadores frustrados pelos enganadores da CTV, os marxistas, por uma questão de princípio, se opõem a qualquer intromissão do governo capitalista nos sindicatos. Aqueles que dependem do Estado burguês para combater a corrupção sindical apenas enfraquecem o movimento operário. Quando os burocratas da CTV conseguiram ganhar a votação, os partidários de Chávez se separaram e fundaram a União Nacional de Trabajadores (UNT), em abril de 2003. Desde então, a UNT cresceu rapidamente e agora representa a grande maioria dos trabalhadores do setor público e metade daqueles do setor privado.
Aqueles na esquerda que querem ver Chávez como um socialista revolucionário foram encorajados pela nacionalização recente de várias empresas. Alan Woods, líder do Comitê para uma Internacional Marxista, declarou que:
“O fato de que o presidente Chávez veio a público a favor do socialismo é uma indicação mais clara de para aonde a Revolução Bolivariana está se movendo. A nacionalização da Venepal e agora também da CNV corrobora essa direção, e as pessoas que nos criticaram por apontar que a Revolução Bolivariana teria que tomar o caminho socialista ou falharia, mostraram-se completamente erradas”.
—Marxist.com, 10 de Junho de 2005
A nacionalização em Janeiro de 2005 da fábrica de papel Venepal (que tinha ido à falência em consequência da participação do seu proprietário na “greve geral” dos patrões de 2002-2003) só ocorreu depois de várias centenas de trabalhadores, respondendo ao seu encerramento em setembro de 2004, ocuparem a fábrica e retomarem a produção. Chávez não pretendia que isso representasse um passo em direção ao socialismo: “A expropriação de Venepal é uma exceção, não uma medida política, nem uma medida governamental. Não tomaremos a terra; se é sua, é sua. Mas empresa que fecha e é abandonada, nós vamos atrás delas. De todas elas.” (Venezuelanalysis.com, 20 de janeiro de 2005). Somente em dezembro de 2004, depois que a empresa declarou oficialmente falência, o governo a nacionalizou – e só depois de pagar aos proprietários seu valor de mercado total. Em abril de 2005, o governo também assumiu a Construtora Nacional de Válvulas (CNV), que também havia sido fechada por seu proprietário (ex-presidente da PDVSA, Andrés Sosa Pietri). Neste caso também, as autoridades bolivarianas agiram somente depois que cerca de 60 ex-funcionários da CNV ocuparam a fábrica.
O governo anunciou planos para a conversão de outras empresas falidas, bem como algumas empresas privadas “co-geridas” por funcionários, em Empresas de Produção Social (EPSs):
“Exemplos de empresas que deveriam ser transformadas em EPS são a Cadafe (empresa elétrica), a Hidroven (companhia de água), o Metro, a Conviasa (empresa área estatal). A empresa petrolífera PDVSA é uma empresa que já passou pela transição da empresa capitalista para a empresa de produção social, disse Chávez …
“As expropriações para avançar este programa seriam, no entanto, apenas um último recurso. Seriam tentados acordos com os atuais proprietários, de modo que as empresas pudessem reabrir como empresas de produção social com apoio governamental. Acordos poderiam ser alcançados, ‘sempre que os proprietários estiverem dispostos a melhorar a empresa, promoverem a participação dos trabalhadores e envolvê-los na distribuição dos produtos, bem como torná-los participantes nos benefícios [da empresa]’, disse Chávez.”
—Venezuelanalysis.com, 18 de Julho de 2005
Apesar do desejo alguns na esquerda, a realidade dos trabalhadores “co-gerenciando” com os patrões não tem nada a ver com o socialismo:
“Os trabalhadores na Cadafe, a empresa estatal que fornece 60 por cento da eletricidade na Venezuela, começaram a pressionar pela co-gestão logo depois Chávez ter sido eleito, em 1998. Em 2002, pouco depois do golpe de abril, a Cadafe começou oficialmente a transição para a co-gestão. Mas três anos depois, o papel dos trabalhadores no processo de tomada de decisão ainda é limitado a duas posições em um comitê de coordenação de cinco membros – um grupo que pode fazer recomendações ao presidente da empresa, mas ele não tem obrigação de prestar atenção. Depois de dar à administração estatal a oportunidade de implementar uma co-gestão real, os trabalhadores da Cadafe, liderados pela federação sindical Fetraelec, organizaram uma série de protestos articulando sua impaciência. É uma estratégia complicada, porque a maioria desses trabalhadores são fervorosos partidários do presidente Chávez, mas seus protestos são necessariamente dirigidos contra o Ministério da Energia – a entidade estatal encarregada de Cadafe”.
—Monthly Review, junho de 2005
A maior co-gestão de “sucesso” é a da Alcasa, uma empresa estatal de alumínio, localizada na cidade industrial de Puerto Ordaz, onde os conselhos de empresa departamentais têm permissão para discutir o “orçamento participativo” da empresa. Em abril de 2005, os 2.700 empregados da fábrica conseguiram eleger dois dos cinco diretores. O presidente da Alcasa, Carlos Lanz, ex-líder guerrilheiro, sugeriu: “Trata-se de trabalhadores que controlam a fábrica e por isso é um passo em direção ao socialismo do século XXI” (BBC News Online, 17 de Agosto de 2005). Na realidade, trata-se simplesmente de uma forma de aumentar a produtividade através da aceleração, algo que os gestores sempre favoreceram:
“‘Os gestores e os trabalhadores estão a gerir este negócio em conjunto,’ disse ‘[o trabalhador da Alcasa Pedro] Gomez, acima do estrondo de empilhadeiras e de ventiladores industriais zumbindo, com suor escorrendo pelo rosto do calor da casa de fundição.
—New York Times, 3 de agosto de 2005
A liderança sindical bolivariana redefine com prazer o “socialismo” para corresponder à política de co-gestão do regime. Os dois principais slogans da UNT para o primeiro de maio de 2005 foram: “Co-gestão é revolução” e “Os trabalhadores venezuelanos estão construindo o socialismo bolivariano” (Green Left Weekly, 11 de maio de 2005). Uma visão do “socialismo” como uma economia de mercado descentralizada, na qual os trabalhadores consultam a administração sobre as decisões e em que o Estado oferece programas sociais extensos pode ser inspirador para muitos venezuelanos, mas a ideia de criar capitalismo socialmente consciente, humano e geridos por trabalhadores é uma fantasia irrealizável e pequeno-burguesa.
O caminho para o pseudossocialismo bolivariano começa com um resgate publicamente financiado para os capitalistas que levaram as suas empresas à falência, e prossegue, se tudo correr bem, convertendo os funcionários em pequenos proprietários-gestores:
“Alexix Ornevo, ex-membro do executivo do agora extinto sindicato da Venepal e atual membro da diretoria do Invepal [o novo nome da Venepal nacionalizada], observou que, já que não tinham mais patrões, já não precisavam de um sindicato, já que os trabalhadores estavam agora agrupados em uma cooperativa (Covimpa) para gerir a empresa. E como uma cooperativa, Ornevo foi rápido em apontar, eles têm vários benefícios, incluindo alívio constitucional de pagar impostos. Além disso, graças à Constituição Bolivariana de 1999, a Covimpa, que agora possui 49% do capital da Invepal, tem o direito legal de aumentar essa participação até 95%.”
—Monthly Review, junho 2005
Cooperativas que sobreviverem e florescerem acabarão ganhando quota de mercado suficiente para empurrar seus concorrentes para fora do negócio. Nesse ponto, elas vão querer a chance de expandir suas operações para absorver e reorganizar as cooperativas menos rentáveis e, sem dúvida, esperarão receberem uma parte de qualquer lucro futuro como uma recompensa por sua experiência. Os membros das cooperativas mais bem sucedidas podem muito bem achar que a gestão de seus vários negócios deixa pouco tempo para o trabalho. Com o passar do tempo, uma parte maior e maior de sua renda será provavelmente derivada de dividendos (participação nos lucros). Isso, é claro, não é socialismo, mas capitalismo, mesmo que disfarçado por um tempo pela ilusão de que é um capitalismo exclusivamente venezuelano, harmonioso e compassivo. O socialismo genuíno começa pela expropriação da classe capitalista como um todo, a destruição de seu aparelho de Estado repressivo e a criação de novas instituições econômicas baseadas no princípio do planejamento e da cooperação, e não de uma competição voltada para os lucros.
Bonaparte bolivariano
Enquanto Chávez derrotou decisivamente a oposição em todo confronto político até a data (e atualmente se beneficia do apoio de uma clara maioria da população), os capitalistas retém a posse dos principais meios de produção, comunicação e transporte; seu aparelho de Estado permanece essencialmente intacto e sabem que em qualquer grande confronto podem contar com o apoio de outros regimes burgueses da região apoiados pela superpotência imperialista no norte. A ambivalência mostrada até agora pelos militares venezuelanos é pelo menos parcialmente atribuível ao fato de que grande parte do corpo de oficiais é recrutado em camadas sociais mais plebeias do que na maioria do resto da América Latina.
Mesmo os partidários de Chávez são céticos quanto à sua confusa falação nacionalista de esquerda sobre “menos capitalismo e mais socialismo” (ZNet, 10 de abril de 2005) como se fossem dois pontos em um continum, determinados pela porcentagem da economia que é de propriedade pública. Na realidade, são duas ordens sociais mutuamente antagónicas separadas por uma revolução ou contrarrevolução, isto é, a guerra civil. Em uma pesquisa de opinião realizada em 2005 por uma empresa considerada não simpática a Chávez, mais de 70% dos venezuelanos expressaram ampla aprovação do presidente e 35% disseram que queriam que o governo estabelecesse o socialismo, enquanto outros 10% estavam indecisos. No entanto, menos de 20% dos partidários de Chávez acreditavam que ele seria capaz de construir uma sociedade socialista (Venezuelanalysis.com, 3 de maio de 2005).
Chávez saiu de seu caminho para louvar “Jesus Cristo, um dos maiores revolucionários … O verdadeiro Cristo, Redentor dos Pobres” (ZNet, 10 de abril de 2005). Em julho de 2005, o líder bolivariano afirmou: “Na história da Venezuela nunca houve um governo que estivesse mais próximo dos princípios do cristianismo do que este” (Vheadline.com, 14 de julho de 2005). De fato, o principal “princípio” do governo de Chávez é o bonapartismo – um termo que designa um governo “forte” que parece flutuar acima dos conflitos de classes sociais concorrentes, mas de fato equilibra precariamente entre eles.
Para manter seu espaço de manobra, Chávez, por vezes, achou oportuno dispensar a “democracia participativa”, que supostamente caracteriza a revolução bolivariana:
“Em resposta à crescente mobilização exigindo primárias para os candidatos regionais [na coalizão chavista], a posição de Chávez surpreendeu a muitos. Ele declarou no mês passado: ‘Já anunciamos os candidatos, e estes são os candidatos, os que não querem a unidade podem juntar-se aos escualidos (a oposição)’. No entanto, uma vez que estes candidatos foram nomeados por um comitê nacional dominado pelo partido do governo, o Movimento Quinta República (MVR), o resultado tem sido a oposição feroz em muitas comunidades, que estão exigindo que o governo atue de acordo com sua retórica participativa.”.
—Venezuelanalysis.com, 17 de outubro de 2004
Os candidatos da coligação pró-Chávez “Grupo para a Mudança”, para as eleições da Assembleia Nacional, de dezembro de 2005, também foram escolhidos pelo “Comando Tático Nacional”, e não pelas bases. O comportamento bonapartista de Chávez parece derivar de um desejo em melhorar as condições dos pobres e oprimidos sem violar a propriedade capitalista. Contudo, os interesses fundamentais do proletariado e da burguesia são irreconciliavelmente contrapostos e, apesar de toda a sua retórica socialista, Chávez está bem ciente de que o seu poder provém da sua posição de chefe do Estado capitalista. Ele pode desejar que não tenha que se comportar tão autocraticamente, mas ele não pode confiar nas bases bolivarianas para tomar decisões significativas, porque elas são susceptíveis de perturbarem o equilíbrio delicado que ele está tentando forjar.
Os imperialistas europeus, que tendem a ser mais sofisticados sobre coisas como a “Revolução Bolivariana” do que aqueles dentro e ao redor da Casa Branca, não estão particularmente alarmados com os acontecimentos em Caracas. Durante uma visita à Europa, em outubro de 2005, Chávez se reuniu com o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, que mais tarde disse ao jornal italiano La Reppublica que o líder bolivariano é um “cara pragmático”, com quem é possível fazer negócios. “É verdade que há distâncias ideológicas [com os EUA], mas no final, as relações comerciais são boas, eu já conheço [Chávez] e também tenho boas relações com ele”, comentou Berlusconi (Venezuelanalysis.com, 18 de Outubro de 2005). O atual chefe da Fedecámaras, José Luis Betancourt, também optou por dar a outra face, pelo menos em público, declarando: “o investimento conjunto público e privado é a única maneira de desenvolver este país de forma harmoniosa” (Venezuelanalysis.com, 26 Outubro de 2005). O representante dos patrões “aparentemente respondeu bem à declaração de Chávez de que os direitos de propriedade seriam respeitados durante o desenvolvimento da Venezuela” (Ibid.)
A esmagadora maioria da classe dominante venezuelana ainda odeia Chávez com paixão. Eles estão acostumados a desfrutar de estreitos laços pessoais e financeiros com os governantes políticos do país, e estão desconfortáveis em ter um bonapartista de esquerda como responsável pelo seu Estado. No entanto, a relativa independência de Chávez em relação à burguesia lhe permite servir melhor os interesses da capital venezuelano, um paradoxo que ele explicou a uma “Mesa Redonda de Macro Business” em Caracas em julho passado, que reuniu funcionários do governo com empresários venezuelanos e norte-americanos:
“A Venezuela, e eu disse isso antes de me tornar presidente, é uma espécie de – nós diriam em ‘95, ‘97 – a Venezuela é uma espécie de bomba (tic tac! tic tac!). Nós vamos começar a desativar o mecanismo dessa bomba. E hoje, não é que esteja totalmente desativada, mas tenho certeza de que é muito menos provável que esta bomba exploda hoje do que era em face do que tínhamos desde 1985, ‘88, ‘89 – lá, ela já havia explodido. Os anos ‘90 até ‘98, pobreza, desigualdade.”
—President Chavez’s Speech to Venezuelan and U.S. Business Representatives, Venezuelanalysis.com, 6 de julho de 2005
Apesar de contrastar agudamente com a retórica socialista sobre o capitalismo ser “selvagem”, a fala de Chávez sobre “desativar” as contradições sociais está no centro de todo o projeto bolivariano. Com suas promessas irrealizáveis de promover simultaneamente os interesses dos pobres e dos tubarões financeiros imperialistas através de uma forma mais inclusiva e socialmente responsável de desenvolvimento “endógeno”, Chávez, sem dúvida, involuntariamente, está ajudando a lançar as bases para uma direita ressurgente lançar uma sangrenta vingança no futuro.
“Anti-imperialismo” bolivariano
A implacável hostilidade de Washington contra o governo bolivariano é uma refutação viva das pretensões do governo Bush de defender a “democracia” e a “liberdade” para os povos ignorantes da Terra. Apesar de descreverem de má vontade os triunfos eleitorais repetidos dos chavistas como “tecnicamente legais”, os funcionários norte-americanos alertam que Chávez representa “uma nova geração de autoritarismo” e queixam-se de que ele não governa “democraticamente”, isso é, recusa-se a receber ordens de Washington.
Chávez condenou as invasões dos EUA ao Afeganistão e ao Iraque; criticou o FMI e a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e fez amizade com Fidel Castro. O Banco Central venezuelano recentemente começou a converter a maior parte de suas reservas em moeda estrangeira de dólares em euros (Venezuelanalysis.com, 5 de outubro), e Chávez deu a entender que ele pode um dia decidir começar a fixar o preço das exportações de petróleo em euros também. Tudo isso fez dele o bête noire atual da máquina de propaganda imperialista americana e, portanto, o receptor natural de uma fatwa de assassinato do teocrata fanático e apoiador de Bush, Pat Robertson. Quando os protestos de massa na Bolívia atingiram dimensões pré-revolucionárias em junho de 2005, o Secretário de Estado Adjunto dos Estados Unidos para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Roger Noriega, sabia quem culpar: “O perfil de Chávez na Bolívia tem sido muito evidente desde o início” (Miami Herald, 8 de Junho de 2005). Fidel Castro, o bicho-papão latino-americano tradicional para fanáticos anti-comunistas delirantes, queixou-se de forma brincalhona a Chávez: “Estou percebendo que sua amizade está prejudicando a minha imagem” (Reuters, 30 de abril de 2005).
A aventura fracassada dos EUA no Iraque fez um ataque militar imediato à Venezuela menos provável, mas o planejamento está certamente em andamento. A ajuda massiva dos EUA triplicou o tamanho das forças armadas da Colômbia nos últimos anos, proporcionando assim a Washington um aliado confiável na região. Quando Chávez anunciou planos para expandir modestamente as milícias populares, comprando 100 mil rifles AK-47 e 40 helicópteros da Rússia, o governo Bush esperneou que ele ameaçava a paz da região. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, perguntou cinicamente: “O que no mundo [é a ameaça] que a Venezuela vê que os faz querer ter todas essas armas?” (BBC News Online, 1 de julho de 2005).
Apesar das tentativas de diversificar seus mercados, a Venezuela continua dependente das vendas para os EUA de aproximadamente dois terços de suas receitas de exportação de petróleo que, como os bolivarianos sugeriram, é razão suficiente para chegar a um acordo com os EUA. Depois do golpe de abril de 2002, um exasperado Chávez declarou: “Comigo no poder o fornecimento de petróleo para os EUA está assegurado. Se você apoiar os esforços para me empurrar para fora do poder haverá uma guerra civil e o petróleo será interrompido” (ZNet, 10 de Setembro de 2002). Na Mesa Redonda de julho de 2005, Chávez falou de ter “amigos em ambos os partidos” da classe dominante americana. A retórica anti-imperialista que tanto entusiasmou seus admiradores esquerdistas em Porto Alegre foi posta de lado em favor de seus “queridos amigos de negócios norte-americanos” por “paz”, “compreensão”, “transparência” e “verdadeira integração”. Longe de apelar à “superar o capitalismo” através do socialismo bolivariano, o lider maximo venezuelano tece fantasias de auto-reforma pacífica do imperialismo através de uma espécie de imposto Tobin, que poderia “criar um fundo que permitiria aos governos e à sociedade forjar uma aliança histórica para a sobrevivência da espécie humana (Venezuelanalysis.com, 6 de julho de 2005).
A expansão dos programas sociais da “Revolução Bolivariana” foi paga pelo aumento astronômico dos preços internacionais do petróleo. Quando Chávez assumiu o cargo em 1998, o petróleo estava vendendo por cerca de US $ 12 o barril – em 2005 ele estava indo para US $ 60. Sob o governo de Chávez, os royalties pagos por companhias estrangeiras de petróleo aumentaram de 1% para 16,6% (New York Times, 5 de julho de 2005). Contudo, enquanto as receitas do governo aumentaram, a dívida pública da Venezuela também aumentou, em grande parte como resultado de uma política deliberada de subsidiar generosamente os bancos venezuelanos:
“‘Mas o que torna isso realmente louco’, diz García [Mendoza, presidente do Banco Venezuelano de Crédito], ‘é que o governo está depositando todas as suas receitas de petróleo nos mesmos bancos por cerca de 5 por cento e, em seguida, pegando emprestando de volta a 14 por cento. É uma maneira muito fácil para os banqueiros de ganharem dinheiro. É por isso que eu digo que este é um governo para os ricos”
—Christian Parenti, “Hugo Chávez and Petro Populism,” The Nation, 11 de abril de 2005
Os chavistas aparentemente imaginam que a subordinação latino-americana aos EUA será reduzida se o comércio regional e a cooperação econômica forem expandidos. Até o momento, Cuba é o único país que demonstrou entusiasmo pela proposta de Chávez de “Alternativa Bolivariana para as Américas” (ALBA) para competir com a ALCA, dominada pelos EUA. Mas a lógica de tentar alistar outros regimes capitalistas em um projeto de solidariedade bolivariana foi claramente exibida em agosto de 2005, quando Chávez ofereceu apoio ao governo do Equador contra trabalhadores que, exigindo maior investimento e mais empregos, pararam as exportações de petróleo desse país. Prejudicando o poder de barganha dos trabalhadores, o governo Chávez anunciou: “A Venezuela vai cobrir os compromissos [de exportação de petróleo] que o governo equatoriano não conseguiu cumprir nestes dias, não terão que pagar um centavo” (Reuters, 21 de agosto de 2005).
Marxismo e Estado na Venezuela
Essa vergonhosa furação de greve ocorreu sem que houvesse comentários por parte de muitos dos admiradores internacionais de Chávez, incluindo os do Comitê por uma Internacional Marxista, que defendem a independência política da classe trabalhadora da burguesia e, pelo menos em teoria, defendem a criação de um partido de vanguarda leninista para executar o programa de Trotsky da revolução permanente. Mas, para o CMI, de Alan Woods [atual Tendência Marxista Internacional / IMT, cuja seção no Brasil é a Esquerda Marxista] nada disso parece se aplicar na Venezuela.
Os marxistas não desprezam as medidas implementadas pelo governo de Chávez, que melhoram a vida dos pobres e despossuídos – mas tampouco concluímos que os princípios fundamentais do socialismo já não se aplicam. Os capitalistas e os trabalhadores têm contraposto os interesses materiais na Venezuela, como fazem em qualquer outro lugar. Nenhuma alquimia bolivariana pode transformar um instrumento construído para defender e promover a exploração capitalista – o Estado burguês – em uma agência de libertação social.
A CMI afirma que Chávez “realizou uma expurga parcial do Estado” (Marxist.com, 20 de maio de 2004). Alan Woods chegou a afirmar que as tentativas bonapartistas de Chávez de mediar entre trabalhadores e chefes significam que “o Estado na Venezuela já não é controlado pela burguesia” (Marxist.com, 4 de maio de 2004). Apesar de reconhecer que Chávez encabeça um Estado burguês, e mesmo advertindo que o Estado representa uma ameaça à “revolução” ainda não consolidada, a solução de Woods é propor que é “necessário remover todos os conservadores” ainda escondidos no aparelho (Marxist.com, 20 de maio de 2004). Em um “relato de testemunhas oculares do coração da revolução”, um partidário do CMI descreveu sem fôlego a luta revolucionária titânica que supostamente estava em andamento dentro da máquina estatal capitalista da Venezuela:
“Embora as estruturas do Estado venezuelano continuem capitalistas, isso não significa que nele não há uma luta feroz entre revolucionários e setores que pensam que a revolução foi longe demais. Há uma enorme divisão entre os reformistas e os revolucionários dentro do palácio de Miraflores, os ministérios e todos os tipos de cargos públicos. Em alguns ministérios, a esquerda é forte como, por exemplo, no Ministério do Trabalho. Cristina Iglesias está realmente trabalhando lado a lado com a UNT, a fim de combater as práticas anti-operárias dos patrões, tentando aumentar a participação dos trabalhadores nos sindicatos e tentar levar mais longe as medidas de co-gestão.”
—Marxist.com, 7 de setembro de 2005
Aqui temos em toda a sua nudez a debilitante prescrição reformista de Eduard Bernstein para que os trabalhadores assumam pacificamente o Estado capitalista e gradualmente o transformem de um aparato de opressão em uma ferramenta de libertação. Segundo o CMI, “Chávez, em geral, fez uma mudança para a esquerda, que os marxistas revolucionários devem apoiar e ajudar a avançar” (Marxist.com, 19 de maio de 2004). Os que criticam Chávez, ou seus fãs no CMI, são desmerecidos como “sectários”, que não conseguem entender “a relação dialética entre Chávez e as massas”:
“Nossa atitude com Chávez sempre foi um apoio crítico. Isso é, apoiamos Chávez na medida em que ele ataca o imperialismo e a oligarquia, mas vamos criticá-lo quando ele vacila ou faz concessões ao imperialismo e à oligarquia.”
— Alan Woods, Marxist.com, 23 de julho de 2004
É precisamente a fórmula empregada por Stalin, Kamenev e pelo resto dos bolcheviques de direita em relação ao Governo Provisório burguês da Rússia, após a derrubada do Czar em fevereiro de 1917. Em suas históricas “Teses de Abril”, Lenin rejeitou enfaticamente essa abordagem e insistiu em uma política de dura oposição a qualquer governo capitalista, por mais “progressista” que fosse. Esta posição, que foi a base política da revolução operária vitoriosa de outubro de 1917, foi considerada como uma loucura sectária por representantes de cada sombra de oportunismo dentro do movimento socialista russo, todas as quais tinham uma estratégia, como a do CMI de hoje, de pressionar o governo capitalista “de esquerda” e esperar pela “dinâmica revolucionária” se desdobrar.
O CMI vê Chávez como um iniciador da mudança revolucionária, cujas ações ousadas lançaram a classe trabalhadora em movimento. De acordo com Woods, assim que “a classe trabalhadora entra na arena da luta, ela adquire uma dinâmica e um movimento próprio” (Marxist.com, 21 de janeiro de 2005). Ao confiar suas esperanças em Chávez como encarnação de um processo histórico inevitável, a CMI renuncia a qualquer responsabilidade pela luta contra as ilusões pequeno-burguesas difundidas pelos chavistas dentro da classe operária:
“Chávez e seus partidários apoiam-se no suporte das massas para lançarem ataques contra a oligarquia e o imperialismo. Eles não tinham originalmente uma perspectiva socialista, mas apenas a ideia de esvaziar a corrupção e modernizar a Venezuela. Eles queriam uma sociedade mais justa e igualitária, mas imaginavam que isso era possível sem quebrar os limites do capitalismo. Mas isso imediatamente os colocou em conflito com a burguesia e o imperialismo: as massas saíram às ruas e transmitiram uma dinâmica totalmente diferente ao processo. O movimento de massas trouxe um estímulo a Chávez e, por sua vez, encorajou o movimento em uma direção revolucionária”
— Alan Woods, Marxist.com, 20 de maio de 2004
O presidente venezuelano notou seus tietes da CMI, e até convidou alguns para aparecerem no “Aló Presidente”, seu programa de televisão semanal. O CMI orgulhosamente relatou que Woods e outro camarada da CMI “foram colocados na primeira fila, em uma posição proeminente imediatamente oposta ao presidente” e que “no curso do programa, Hugo Chávez mencionou Alan pelo menos três vezes” (Marxist.com, 19 de Abril de 2004).
É claro que é bom ter tempo na TV, mas V. I. Lenin teve uma visão sombria dos pseudo-sofisticados da Segunda Internacional, que passavam o tempo conversando com ministros de gabinete e outros nobres burgueses, enquanto ensinavam os trabalhadores a esperar pacientemente o funcionamento inexorável de um processo histórico quase automático para atingir o socialismo. As garantias de Woods a seus seguidores, de que “mais cedo ou mais tarde as massas se tornarão conscientes do verdadeiro significado de suas ações” (Marxist.com, 21 de janeiro de 2005), não valem muito. A que serve uma organização socialista se não para tornar as massas politicamente conscientes? O trabalho dos revolucionários é ajudar os trabalhadores a compreenderem a realidade social e a agir em seu próprio interesse – como uma “classe para si” – em vez de permanecerem uma “classe em si” confundida pela ideologia burguesa.
Revolução ou contrarrevolução?
Os trabalhadores da Venezuela têm demonstrado repetidamente a sua vontade de fazer o que for necessário para sair da pobreza e do desespero a que o capitalismo os submeteu. A tarefa dos marxistas é conquistar os elementos mais politicamente avançados para a compreensão da necessidade de expropriar os capitalistas como uma classe e iniciar a reconstrução da sociedade numa base socialista. Um primeiro passo necessário neste caminho é o repúdio de qualquer noção de reconciliação ou compromisso estratégico com os exploradores.
As coisas não vão ficar estáveis na Venezuela. Não haverá uma deriva lenta e constante para o socialismo. O colosso imperialista queimou os dedos no Iraque e detesta empreender novas aventuras militares em larga escala na América Latina. Os seus representantes colombianos parecem, no momento, ter as mãos ocupadas. E a direita venezuelana, tendo perdido três rodadas consecutivas para os bolivarianos, está reagrupando e lambendo suas feridas. Mas a burguesia mantém o controle de todas as alavancas essenciais da economia, bem como dos meios de comunicação, e é apenas uma questão de tempo antes que ela volte a entrar na ofensiva.
Para combater a ameaça de um golpe direitista de estilo Pinochet ou Franco, os trabalhadores venezuelanos precisam se organizar através de uma rede de representantes eleitos de todas as fábricas, refinarias, minas e outros locais de trabalho. Um sistema coordenado nacionalmente de conselhos de trabalhadores proporcionaria um mecanismo para exercer controle sobre a produção e distribuição das necessidades da vida, para mobilizar as camadas mais oprimidas da sociedade e para combater efetivamente qualquer tentativa dos capitalistas e seus bandidos de reafirmar suas prerrogativas através de uma repressão brutal.
O que é necessário na Venezuela hoje é uma liderança política dentro do movimento operário comprometida com a luta pelo poder – um partido de vanguarda leninista enraizado no proletariado, capaz de polarizar o movimento bolivariano em suas componentes de classe e assim preparar a classe operária para o confronto inevitável com a burguesia. Alguns na esquerda esperam que o governo Chávez siga o caminho do Movimento 26 de julho de Fidel Castro, que começou como uma formação liberal radical, mas que, depois de liderar uma luta que destruiu o Estado capitalista existente, acabou expropriando a burguesia e criando uma economia centralizada. A criação de um Estado operário deformado a 90 milhas da costa da Flórida foi um produto da inflexível hostilidade, tanto dos capitalistas cubanos, quanto de seu patrão imperial, mas só foi possível devido à existência do Estado operários degenerados soviético como um contrapeso global ao imperialismo.
A situação em Caracas em 2006 é inteiramente diferente daquela em Havana em 1960 – a União Soviética não existe mais, e o Estado venezuelano permanece intacto. Chávez expurgou alguns elementos que são particularmente hostis a seu regime, mas ele não tem, e não vai, tocar o núcleo essencial do Estado burguês. A experiência “bolivariana” só pode ser um interlúdio temporário. Existem hoje apenas duas vias na Venezuela: ou a classe trabalhadora vai para a frente para expropriar a burguesia (liquidando-a assim como uma classe) ou os capitalistas vão esmagar o proletariado. Não há nenhuma opção do meio, nenhuma “terceira maneira.” Não haverá alívio para a dor e o sofrimento das massas da América Latina, enquanto os meios de produção permanecerem nas mãos de uma minúscula minoria, como observou Leon Trotsky, o grande revolucionário russo, há mais de 70 anos:
“A América do Sul e Central só poderão romper com o atraso e a escravidão unindo a todos seus estados numa poderosa federação. Mas não será a atrasada burguesia sul-americana, agente totalmente venal do imperialismo estrangeiro, quem cumprirá este objetivo, mas o jovem proletariado sul-americano, destinado a dirigir as massas oprimidas. A consigna que presidirá a luta contra a violência e as intrigas do imperialismo mundial e contra a sangrenta exploração das camarilhas compradoras nativas será, portanto: Pelos estados unidos soviéticos da América do Sul e Central”.
— War and the Fourth International, 10 de junho de 1934