A eleição de Barack Obama e a questão racial nos EUA

A eleição de Barack Obama e a questão racial nos EUA

Escrito pelo antigo Coletivo Comunista Internacionalista (CCI), organização predecessora do extinto Coletivo LeninPublicado no Jornal Hora de Lutar nº07, de dezembro de 2008.

Muito já foi escrito sobre a eleição de Obama na esquerda internacional. A maioria das correntes (no Brasil, principalmente o PCdoB e o PT) têm dito que ele representa uma promessa de mudança, que pode ser um novo Roosevelt, etc.

Ou seja, “se esquecem” que o Partido Democrata, do qual ele faz parte, é um partido imperialista, que fez os maiores cortes de postos de trabalho dos últimos 20 anos sob o Governo Clinton. Que apoiou as guerras de rapina contra o Afeganistão e o Iraque. Que tem controlado a central sindical estadunidense, a AFL-CIO, em colaboração com a CIA, para impedir qualquer expressão independente da classe trabalhadora. Nesse sentido, Obama não será diferente, por exemplo, do que foi Bill Clinton em seu governo.

Obama e a questão racial nos EUA

Ao mesmo tempo, alguns setores, que tradicionalmente ignoram a opressão específica sofrida pelos negros, simplesmente não conseguem entender o significado, para este setor e para a classe trabalhadora norte-americana em geral, deste fenômeno político. Aqui, isso é bem claro no caso da LBI.

Logicamente, é muito positivo que tenha diminuído o nível da hostilidade entre os trabalhadores brancos, negros e latinos nos EUA. Na verdade, estas divisões raciais e nacionais são o maior obstáculo para o avanço do movimento operário no centro do capitalismo. E explicam porque nunca houve um partido operário de massas nos EUA.

O racismo, assim como o machismo, a homofobia e a xenofobia se alimentam uns aos outros, forjando uma consciência reacionária. Por isso, são usados por demagogos ou burgueses, para nos dividir e esmagar o movimento.

A nação americana foi fundada em bases escravistas. A economia de plantagem (latifúndio monocultor para exportação) de algodão, no Sul do país, foi o motor da economia do país no começo do século XIX. Após a industrialização no Norte, isso levou a uma série de conflitos, que levaram à segunda Revolução Americana, a Guerra Civil de 1861-1865.

O motivo desta guerra não foi o “humanismo” de Abraham Lincoln e dos Republicanos. Na verdade, o capitalismo em crescimento era incompatível com o trabalho escravo, porque uma população que não recebesse salários não poderia ser um mercado consumidor. Por isso, o Norte, e em particular, os seus dirigentes, cumpriram objetivamente um papel revolucionário. A  Internacional os apoiou, enviando uma saudação a Lincoln, dizendo que “o trabalhador não pode ser livre na pele branca se continuar escravo na pele negra”.

Mas o capitalismo se aproveita de qualquer elemento opressivo pré-capitalista para aumentar a super-exploração e a divisão na nossa classe. Não é por acaso que o fim do racismo, exige, então, uma intervenção em todos os ramos de produção, o que não pode ser feito sem uma economia planificada. Por isso, ao mesmo tempo em que os escravos foram libertos, se criou uma série de leis racistas, conhecidas como “Leis Jim Crow”, segregando legalmente os negros no trabalho, na moradia, no transporte, proibindo o direito ao voto, etc.

Foi contra este estado de coisas que o Movimento Pelos Direitos Civis lutou, nos anos 1960. Seus dirigentes, como a NAACP, o SNCC, a CORE, a SCLC (de Martin Luther King) eram reformistas. Para eles, o problema se reduzia a acabar com a discriminação legal e integrar os negros na sociedade capitalista. Por isso, eram chamados de integracionistas.

Na ala mais radical do movimento, que se fortaleceu em 1968, a partir do assassinato de Martin Luther King, o objetivo era criar um Estado onde os negros pudessem se auto-determinar. Esta era a política dos Panteras Negras, dos Muçulmanos Negros e de Malcolm X.

A dinâmica do movimento

Assim, os setores principais eram:

  • o principal, geralmente ligado à Igreja Batista, que reivindicava apenas o fim da legislação racista;
  • os Muçulmanos Negros, que defendiam um Estado Negro, mas eram machistas e viam os brancos como inimigos e até mesmo não-humanos, sendo então um grupo muito reacionário. Malcolm X começou sua trajetória neste grupo, depois tendo se tornando marxista em 1965. Os Muçulmanos Negros deram origem ao grupo de Farrakhan, Nação do Islã, que existe até hoje;
  • um nacionalismo culturalista, que considerava que o caminho era uma volta às “raízes africanas”, o Escravos Unidos. Eles são os precursores do culturalismo de hoje no movimento negro.
  • a ala mais identificada com o marxismo, que eram os Panteras Negras. Os Panteras Negras eram muito influenciados pelos movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo. Por isso, tinham uma política foquista de guerrilha urbana, e entendiam que os negros americanos eram parte do Terceiro Mundo. Por isso, formaram um partido só de negros, não baseado na classe operária e sim na juventude das periferias e defendiam a independência dos negros, através de um plebiscito supervisionado pela ONU.

Para nós, portanto, os Panteras Negras eram um agrupamento que se aproximava do marxismo revolucionário, mas retendo muitos elementos do reformismo dos movimentos de libertação nacional (que não eram anticapitalistas). Ou seja, eram centristas.

Com o aumento do ascenso das massas, a política da burguesia foi “ceder os anéis pra não perder os dedos”. Por isso, foram criadas as “ações afirmativas”, ou seja, cotas para negros no mercado de trabalho, nas universidades, inclusão de programas para negros na saúde e educação.

As ações afirmativas cooptaram a maioria do movimento com uma promessa de “integração” no sistema. Na verdade, só serviram para uma minoria, enquanto a grande massa dos negros teve que continuar aturando a opressão cotidiana. É uma ironia que o movimento negro brasileiro (num país onde os negros são maioria), em vez de lutar por uma sociedade socialista, que resolva a questão negra através de um governo direto dos trabalhadores (como existia nos quilombos) exigem as mesmas migalhas oferecidas num país com 10% de negros.

Em outro artigo, vamos discutir com mais calma o papel da opressão do negro na formação social do Brasil, sua história e seu papel na Revolução Brasileira.

Logicamente, isso não nos impede de defender as ações afirmativas, quando estiverem sob ameaças de racistas, como a Rede Globo e a Revista Veja, porque estes setores não têm autoridade nenhuma para definir qual é a melhor política para os negros! Mas é engraçado que a política “revolucionária” de cotas nas federais, defendida pelo PT, o PCdoB, o PSTU e a LER tenha sido adotada na maior tranquilidade pelo governo Lula semana passada (20/11)!

Qual era a melhor política?

Na Terceira Internacional, o marxismo tentou formular um programa revolucionário para a questão negra, adaptado à época das revoluções socialistas. Este programa foi a defesa da auto-determinação dos negros no sul dos EUA, onde tinham um peso econômico decisivo, formulada em seu Congresso de 1923. Ou seja, a criação de um Estado negro, o mesmo programa de Malcolm X e dos Panteras Negras, nos anos 1960.

O próprio Trotsky defendeu este programa, principalmente em seu texto “Nacionalismo Negro”, contra um setor do SWP (a seção norte-americana da IV Internacional, encabeçado por figuras como James P. Cannon e C. L. R. James).

Isso era baseado na ideia de que os negros eram um outro povo e que, por isso, deveria se tornar independente. Na verdade, isso se baseia numa compreensão errada do conceito de nação no marxismo, ou seja: uma unidade de cultura, território, economia e língua. Esta formulação foi feita pelo jovem Stalin, em sua obra O Marxismo e a Questão Nacional.

Como os negros americanos não têm essas características em comum (apenas a cultura), eles não chegam a formar uma nação. Um movimento dos negros americanos para formar um país independente jogaria trabalhadores contra trabalhadores, e não poderia criar um Estado viável, porque ele não teria território específico nem independência econômica.

Assim, a forma mais correta de descrever a situação deste setor é com o conceito de “casta racial”, o mesmo que se aplica aos judeus no capitalismo. A diferença é que, geralmente, os judeus pertencem às camadas médias, e os negros, à classe trabalhadora.

Este conceito de casta racial da classe operária foi criado pelos marxistas americanos Richard e Clara Fraser, em 1954. Eles eram militantes do SWP americano quando esse ainda era um partido revolucionário. Tanto que, já nos anos 1960, quando o SWP passou defender posições pelegas, eles expulsaram o casal e passaram a defender o Estado negro.

A corrente da qual viemos, o espartaquismo, surgiu em 1962, lutando contra o abandono de uma série de posições revolucionárias pelo SWP, entre elas na questão negra. Então, ela passou a militar no movimento pelos direitos civis, tendo criado o primeiro núcleo marxista revolucionário no Sul dos EUA, e tendo vários militantes presos. Mais tarde, passou a organizar, nos sindicatos, autodefesas armadas contra os ataques da Ku Klux Klan e do Partido Nazista.

Esta tese do Estado negro, que aparentemente é muito radical, na verdade, acaba levando à adesão às posições da minúscula pequena burguesia negra. Ao contrário, o correto é integrar os setores brancos, negros e latinos da classe, na luta pelo socialismo. É impossível acabar com o racismo sem mudar o sistema. Por isso, defendemos um integracionismo, mas bem diferente do de Luther King. Defendemos o integracionismo revolucionário. Ou seja, negros e brancos só poderão estar integrados com igualdade numa sociedade socialista.

Conclusão

Enfim, nada disso poderá ser feito pela eleição de Obama. Aliás, ele mesmo fez questão de colocar a questão racial em segundo plano, e se afastar dos Democratas e outros militantes negros (como Jesse Jackson), mesmo tendo sido ameaçado de morte por neonazistas no final da campanha. Isso tudo para ganhar a classe média branca.

O seu papel, na verdade, é canalizar as aspirações dos trabalhadores, principalmente dos negros e latinos (que são uma casta racial com um papel semelhante ao dos negros nos EUA) para a via institucional, num momento de uma grave crise econômica. Com medo da “volta dos Republicanos”, muitos sindicatos e entidades de massas vão ficar ainda mais presos ao Partido Democrata.

Nos EUA, a questão negra está ligada à questão dos imigrantes, principalmente latinos. Eles passaram, desde os anos 1960, a ter um peso qualitativo na economia. O espanhol passou a ser a segunda língua dos EUA, sendo a mais falada em algumas cidades. Desde as greves de trabalhadores rurais chicanos, dirigidas por Cesar Sandino, e dos Boinas Marrons (inspirados nos Panteras Negras), esta luta se inscreve no centro das tarefas da terceira revolução americana.

Não é possível discutir nesse texto a relação entre a luta dos imigrantes e dos negros nos EUA. Embora haja diferenças (principalmente porque a burguesia tenta usar os latinos “ilegais” para furar e contestar alguns direitos dos negros, inclusive trabalhistas), ambas formam o grosso da tarefa de unir a classe operária do país na luta pelo poder. Por isso, a questão negra e a questão imigrante são igualmente estratégicas (sem esquecer a questão da mulher, estratégica em TODOS os países).

A grande tarefa dos comunistas nos EUA é a criação de um Partido dos Trabalhadores, para abolir o capitalismo e criar um governo operário. Este partido deve ser composto por uma maioria de negros, mulheres e latinos. E deve ter um programa transitório, ou seja, anticapitalista, para intervir nas lutas parciais e nos sindicatos.

Felizmente, existe uma corrente lutando para construir um partido assim nos EUA. A Tendência Bolchevique, grupo americano da TBI, que representa a continuidade do marxismo revolucionário no país, luta pelo integracionismo revolucionário e pela refundação da Quarta Internacional, o único partido capaz de dirigir esta tarefa.