Relato de um Participante
O Movimento Estudantil na UFRJ e a Confiança na Burocracia Acadêmica
Leandro Torres
Outubro de 2011
O artigo a seguir constitui o relato de um de nossos militantes sobre as recentes mobilizações e lutas ocorridas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Reagrupamento Revolucionário esteve presente durante todo o processo, buscando através das intervenções de seus militantes fazer avançar a consciência dos estudantes envolvidos, rumo a um movimento estudantil de caráter realmente combativo e classista. O presente relato é essencial para um entendimento da realidade política existente no movimento estudantil, ainda mais levando em conta que a UFRJ passa por um processo eleitoral para a entidade representativa dos estudantes.
Nas três primeiras semanas de setembro, a UFRJ passou por um processo de considerável mobilização que levou para a luta centenas de estudantes e penetrou nos mais diversos cursos. Esse processo começou no campus da Praia Vermelha, onde o fechamento de um restaurante privado fez com que os estudantes, através de seus Centros Acadêmicos e do Diretório Central de Estudantes (DCE), se movimentassem em torno da luta pela construção de um restaurante universitário no local. No ápice dessa mobilização, ocorreu um ato-almoço como forma de demonstrar a necessidade por alimentação barata e assistência estudantil. A palavra de ordem central do ato foi “Bandejão no Fundão, na PV porque não?”.
Com a repercussão do ato na Praia Vermelha, o DCE foi capaz de realizar um novo protesto na mesma semana, dessa vez no Conselho Universitário (CONSUNI). Compareceram cerca de 200 estudantes, que exigiram uma série de medidas que foram além da abertura de um bandejão na Praia Vermelha – bandejões nas demais unidades isoladas, creche para mães universitárias e reformas nas instalações físicas da universidade. Frente à mobilização dos estudantes, a Reitoria suspendeu a sessão de forma autoritária.
Com a repercussão do ato na Praia Vermelha, o DCE foi capaz de realizar um novo protesto na mesma semana, dessa vez no Conselho Universitário (CONSUNI). Compareceram cerca de 200 estudantes, que exigiram uma série de medidas que foram além da abertura de um bandejão na Praia Vermelha – bandejões nas demais unidades isoladas, creche para mães universitárias e reformas nas instalações físicas da universidade. Frente à mobilização dos estudantes, a Reitoria suspendeu a sessão de forma autoritária.
Esse tipo de autoritarismo é algo que os estudantes devem esperar sempre que suas demandas forem divergentes dos projetos da Reitoria, pois o CONSUNI é um órgão nada democrático, composto em sua imensa maioria por professores comprometidos com os projetos do governo Dilma para a educação e que tem estudantes e funcionários em número bem menor de representantes. Para piorar, os conselheiros não são eleitos por sufrágio universal entre todos os setores de universidade [1].
Porém, como veremos adiante, os principais grupos políticos que atuam no movimento estudantil da UFRJ e que compõem a atual gestão do DCE, por mais que reproduzam esse discurso de não-confiança no CONSUNI, acabam na prática por se adaptar aos limites que sua estrutura “aristocrática” impõe às lutas, impedindo a aprovação de demandas de caráter mais avançado.
Diferente de tais forças, nós defendemos uma alternativa real a este órgão que cumpre a função essencial de ser um braço do governo (e dos empresários) dentro da universidade: nenhuma confiança no CONSUNI, pelo controle da universidade através de órgãos dos estudantes e trabalhadores (funcionários efetivos e terceirizados e professores)! Esses setores são não só a maioria na universidade, mas também os mais interessados em um ensino de qualidade e acessível para os filhos da classe trabalhadora. Apenas quando a universidade for controlada por eles é que será realmente popular!
Um ascenso contra a precarização do ensino…
Após esta primeira investida, a Reitoria decidiu convocar uma sessão extraordinária do Conselho para a semana seguinte, voltada para discutir as demandas apresentadas pelos estudantes. Nessa segunda sessão, os estudantes compareceram em massa, em uma verdadeira demonstração de força que levou mais de 500 ao prédio da reitoria – quantidade que há muito não se via mobilizada dentro da UFRJ.
Passamos atualmente por um momento politicamente rico em várias partes do mundo, no qual setores da juventude e da classe trabalhadora têm saído às ruas contra ataques aos seus direitos e empregos, contra ditaduras que perduram há décadas e contra a sociedade extremamente desigual em que vivemos, onde alguns poucos patrões têm tudo e uma esmagadora maioria de trabalhadores e jovens precarizados não têm nada. E esse momento de intensa mobilização não se restringe à Europa ou a alguns países do “mundo árabe”. Também no Brasil temos visto importantes lutas sendo travadas, como a dos operários do PAC em Jirau, Pecém e Pernambuco. Em nossa própria cidade, a combativa greve dos educadores estaduais, e a recente ocupação estudantil da reitoria da UFF mostram que a luta é possível e necessária.
Constantemente bombardeados por notícias sobre mobilizações, muitos estudantes se dispuseram a deixar o campo do sonho e das reclamações vazias e adentrar a realidade, se organizando e lutando por uma educação de qualidade. Assim, vimos se espalhar pela UFRJ um intenso clima de mobilização e politização, que no segundo ato no CONSUNI demonstrou a disposição da juventude universitária em se movimentar, principalmente entre os calouros, que tiveram então uma primeira experiência com o movimento estudantil e que estavam presentes em peso.
Se tivesse sido levado até as últimas consequências, esse ascenso localizado poderia ter cumprido um importante papel de intensificar as mobilizações estudantis da cidade, que desde 2008 vêm sofrendo de uma paralisia que só fortalece os poderosos: quantos cortes, por exemplo, já não sofreu o passe estudantil dos secundaristas devido à incapacidade do movimento de se mobilizar?
E tal ascenso, como demonstra um documento de reivindicações formulado pela base dos estudantes, foi muito além da proposta inicial do DCE, de uma luta cujo centro era a construção de um bandejão na Praia Vermelha. Através de uma assembleia realizada com os estudantes presentes após a primeira sessão, além de outras reuniões ocorridas na semana que se seguiu, o DCE teve que preparar um extenso documento que condensava as principais reivindicações por assistência estudantil e ensino de qualidade. Entre elas constavam propostas bastante avançadas colocadas pelos diversos grupos que se encontram à esquerda da atual gestão do DCE – composta majoritariamente por simpatizantes e militantes do PSTU e do Enlace/PSOL, e que tem estado na direção desde 2007.
Destacamos as demandas de fim do vestibular e livre acesso à educação superior, efetivação imediata dos trabalhadores terceirizados da universidade e utilização apenas de mão de obra concursada, além da possibilidade de uso da creche e dos próprios bandejões por esses trabalhadores, extremamente precarizados e sem direitos. Também a construção de bandejões em todos os campi abertos em tempo integral e reajuste das bolsas de assistência estudantil para o valor de um salário mínimo. Propostas, portanto, capazes de dar um passo a frente na luta pela “educação pública, gratuita e de qualidade”, sem mão de obra precarizada e aberta aos filhos dos trabalhadores. Propostas que, obviamente, não seriam aprovadas de bom grado pela burocracia da universidade que controla o CONSUNI, menos ainda pelos lacaios do governo Dilma/PT que dominam a Reitoria.
A quantidade de propostas nesse documento de quase 15 páginas demonstra a precariedade do ensino público, que vem sofrendo constantes ataques por parte do governo do PT em aliança com os empresários. Com a força concentrada que tinha no momento do segundo ato, o movimento estudantil da UFRJ poderia ter arrancado muitas conquistas do CONSUNI e da Reitoria, porém não foi o que aconteceu.
… mas um ascenso que foi traído pela adaptação à burocracia acadêmica
Assim como fizeram na primeira sessão diante da força e da mobilização dos estudantes, os conselheiros, comprometidos com a Reitoria, suspenderam a segunda sessão e se retiraram do local. Muitos alegaram como desculpa para tal suspensão um forte sentimento de “insegurança”, já que a sala do Conselho estava completamente abarrotada de estudantes gritando palavras de ordem e exigindo que suas demandas fossem aprovadas imediatamente. Porém esses conselheiros não tinham nada a temer – o tempo inteiro os próprios representantes do DCE no CONSUNI pediram para que os estudantes se acalmassem, pois seria fundamental “garantir a sessão”, ou seja, garantir que ela não fosse suspensa, para assim poderem tentar colocar sob aprovação o documento com as demandas.
Com a suspensão da sessão, organizou-se uma grande assembleia entre todos os lutadores presentes, para decidir os rumos da mobilização. Nesse momento, os porta-vozes do Coletivo Levante e da direção majoritária da ANEL (ligados respectivamente ao Enlace/PSOL e ao PSTU) fizeram falas que defendiam a necessidade de se “retomar” a sessão, e isso depois dos conselheiros já terem até mesmo saído do prédio, fugindo da avalanche estudantil! Outras forças políticas, como o Movimento Correnteza, composto por militantes do PCR e independentes, foram pelo mesmo caminho, tentando apaziguar os ânimos e defender a necessidade de se retomar a sessão suspensa.
Graças à desorganização proposital imposta à assembleia pelas lideranças do DCE, os grupos de oposição à esquerda da atual gestão não conseguiram falar para defender que a tarefa colocada pelas circunstâncias era aprovar que se realizasse uma ocupação como forma de arrancar o máximo possível de conquistas das mãos da Reitoria. Apesar de não terem conseguido defender essa proposta, o coro de vozes que por vezes gritou “Ocupa, ocupa!” deixou clara a disposição dos estudantes e a única forma como eles viam ser possível garantir conquistas: ocupando!
Como sintoma da radicalização dos lutadores presentes, alguns representantes do bloco de apoio ao governo Dilma (PT/PCdoB) eram hostilizados após suas falas com vaias e protestos, pois defendiam abertamente que os estudantes deveriam tentar chegar aos seus objetivos “negociando” com o antidemocrático Conselho Universitário, dominado pela burocracia estatal-acadêmica que apoia tal governo.
Porém, em uma aparente contradição com sua identidade de “oposição de esquerda” a Dilma, as três forças citadas (Levante, ANEL e Correnteza) também preferiram apostar suas fichas em chamar de volta o CONSUNI, ao invés de aproveitar a justa raiva dos estudantes e realizar uma ação combativa e direta, que poderia ter combinado demandas de estudantes e trabalhadores em um forte movimento. Assim, a reação desses grupos de “oposição” a Dilma foi muito mais parecida com os defensores do governo do que eles gostariam de admitir: buscar conseguir conquistas através de um fórum da burocracia acadêmica ao invés de confiar inteiramente na mobilização dos estudantes e na aliança com os trabalhadores. Diferente desses grupos, para nós a oposição a governos e reitorias não se faz só com palavras, mas com atos. E naquele momento, o ato necessário de uma oposição consequente era ocupar a reitoria para arrancar conquistas.
A sequência de falas de militantes do Enlace, PCR e PSTU (para não falarmos dos defensores do governo e da Reitoria) cumpriu um nefasto papel de quebrar a disposição dos lutadores, espalhando ilusões no CONSUNI e na possibilidade de se obter vitórias profundas através desse fórum pertencente à burocracia universitária. Como resultado, após quase duas horas de uma infrutífera assembleia, cerca de um terço dos presentes já havia abandonado o local, descrentes de que aquilo chegaria a algum lugar.
Confiar nos estudantes ou na aristocracia da universidade?
Após mais algum tempo de assembleia, chegou um documento da Reitoria, entregue a uma comissão de negociação que não foi eleita por fórum algum, sendo formada pelos dirigentes das correntes que compõem a gestão do DCE. Tal documento não possuía praticamente nada de concreto, apenas uma série de propostas abstratas, sem prazo algum, sem orçamento, sem nada – apenas promessas vazias. Mas mesmo assim, os dirigentes do DCE resolveram colocar tal documento para aprovação da assembleia, alegando que bastava realizarmos “adendos” a ele. Ou seja, jogaram pela janela o documento aprovado pela base do movimento estudantil em uma série de fóruns democráticos e aceitaram negociar as propostas rebaixadas da Reitoria. Mais uma vez, graças principalmente aos grupos de oposição à esquerda do DCE, incluindo o Reagrupamento Revolucionário, a proposta aprovada na assembleia incluiu demandas avançadas, que ressaltaram inclusive a necessidade de combate à precarização do trabalho terceirizado que existe em larga escala na UFRJ.
Ao final do processo de modificação do documento da Reitoria, muitos estudantes já estavam visivelmente abatidos pelo cansaço. Quando finalmente foram aprovados todos os adendos, menos da metade da quantidade de estudantes que havia no início permanecia no local. E não podemos de forma alguma criar mitos para justificar esse esvaziamento. Ele ocorreu por um motivo muito simples: as principais forças políticas que atuam no movimento estudantil da universidade preferiram confiar nos fóruns da burocracia acadêmica ao invés de confiar na força dos estudantes ali presentes.
Adiou-se para mais uma semana a apreciação das demandas estudantis por parte do CONSUNI, quando elas poderiam ter sido arrancadas através de uma ocupação que podia ter começado com 500 e terminado com milhares. Graças à sua adaptação à ordem, as forças políticas mencionadas fizeram o jogo da Reitoria, de adiar e adiar as votações, desmobilizando assim a base do movimento e até mesmo quebrando sua confiança no caminho da luta.
O discurso dos dirigentes do DCE era de que, adiando mais uma semana as votações, os estudantes poderiam comparecer em peso ainda maior e forçar o CONSUNI a aprovar mais demandas. Mas a realidade falou mais alto. Na semana seguinte estavam presentes tão poucos que, se chegaram a 200, número do primeiro ato, foi muito. Para piorar, as lideranças do DCE ainda acataram ao “pedido” dos conselheiros de não ter muitos estudantes dentro da sala do Conselho, dividindo assim os (já pouco) presentes em dois grupos, um menor do lado de dentro e outro maior do lado de fora, puxando palavras de ordem e assistindo à sessão através de uma TV!
Resultado: não se aprovou praticamente nenhuma das demandas dos estudantes. Entre as poucas vitórias conseguidas chamamos atenção para aquela que mais tem sido alardeada pelo DCE como uma conquista “histórica”: o investimento de uma verba sobressalente para a construção de bandejão na Praia Vermelha – muito diferente, portanto, de “bandejão em todos os campi” [2]. Também foi importante a conquista de utilização dos bandejões existentes no período noturno. Infelizmente todo o restante das “conquistas” conseguidas contra a Reitoria é baseada em promessas abstratas, sem prazo e sem previsão de verbas.
Aliás, falar em uma “vitória histórica” (como tem feito o DCE) diante de tão poucas conquistas reais [3] nada mais é do que mascarar a falta de sucesso em conseguir mais conquistas frente à Reitoria. O fracasso em obter as demandas estudantis mais avançadas foi imposto pelas lideranças estudantis que, completamente adaptadas à lógica do CONSUNI, cumpriram o nefasto papel de desmobilizar mais de 500 estudantes, em sua maioria dispostos a ocupar a reitoria. Hoje os representantes do DCE nos dizem, respondendo aos nossos questionamentos, que não havia “correlação de forças” para uma ocupação. Parece que os conselheiros que literalmente fugiram dos estudantes no segundo protesto tinham uma opinião bem diferente!
Por último, importantes demandas que tinham como centro a aliança entre trabalhadores e estudantes foram completamente deixadas de lado pelo DCE no momento final, sendo completamente “esquecidas” no boletim publicado pela entidade, tais como a equiparação de todas as bolsas (e seus posteriores reajustes) ao salário mínimo, a imediata efetivação de todos os terceirizados da universidade e a utilização exclusiva de mão de obra concursada no futuro, além da utilização gratuita dos bandejões e creches pelos terceirizados e demais trabalhadores.
É de extrema importância dizermos que, ao aprovar a construção de bandejões sem impor à Reitoria que não se utilize mão de obra terceirizada nos mesmos, faz com que a vitória (parcial) dos estudantes se expresse em ataques futuros para muitos trabalhadores e trabalhadoras pobres, que se vêm forçados a se submeterem cotidianamente às precárias e opressivas condições do trabalho terceirizado.
Diferente dos conselheiros discentes no CONSUNI, diferente do Enlace/PSOL, do PCR e do PSTU, nós do Reagrupamento Revolucionário confiamos não na burocracia universitária e em seus fóruns/métodos, mas sim na intensa mobilização dos estudantes e da juventude em geral e em seus métodos de luta, em uma estreita aliança com a classe trabalhadora, dentro e fora da universidade. Confiamos não em meia dúzia de “iluminados” ou de conselheiros, mas nas assembleias da base do movimento e no seu potencial combativo. Foi essa a mensagem que buscamos passar aos mais de 500 lutadores que se dispuseram a ser realistas e exigir o “impossível”.
Fazemos aqui um chamado a todos aqueles que concordam com nossa avaliação a somarem forças pela aliança operário-estudantil como meio de conquistarmos uma universidade verdadeiramente popular!
Notas
[1] O CONSUNI é composto por 27 representantes docentes, 5 representantes dos funcionários e 5 representantes discentes, 14 conselheiros que são automaticamente empossados por comporem a Reitoria e demais cargos de direção dentro da estrutura universitária, além de 2 representantes dos governos estadual e municipal.
[2] Sobre os restaurantes universitários, temos que ter clareza da total insuficiência desses R$4 milhões, uma vez que apenas as obras de complementação do Bandejão Central custaram 8 milhões de reais (!).
[3] Entre as concessões consideravelmente abstratas feitas pela Reitoria encontram-se, por exemplo, a possibilidade de utilização da creche dos servidores por mães estudantes, a expansão do número de bolsas e o reajuste de seu valor, a expansão dos bandejões e do alojamento estudantil. É importante ressaltar que nenhuma delas possui determinação de prazo ou verba para implementação.