O Racha Final com os Mencheviques
Seguindo o golpe de Stolypin em junho de 1907, o Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) foi posto na ilegalidade e seus representantes na Duma presos. Restos do partido poderiam continuar a existir em organizações operárias legais ou semi-legais (por exemplo, sindicatos, cooperativas), mas o partido como tal só poderia existir como uma organização clandestina. O programa completo do partido só poderia ser apresentado na imprensa ilegal. No fim de 1907 – começo de 1908, os comitês locais do POSDR teriam que entrar na clandestinidade se quisessem sobreviver como órgãos funcionais.
A necessária transformação em uma organização clandestina iria, por si própria, resultar numa considerável contração no partido. Muitos trabalhadores crus e intelectuais radicalizados ganhos para o partido durante o período revolucionário não se sentiam confortáveis ou se sentiam incapazes de funcionar como uma rede secreta. Além do mais, a onda de desespero que arrastou as massas trabalhadoras com a vitória da reação czarista reforçou o êxodo do POSDR ilegal e perseguido. Em torno de 1908, o POSDR só pôde existir como uma rede relativamente estreita de revolucionários comprometidos.
Liquidacionismo Menchevique e seus Propósitos
Assim, as condições de 1908 ressuscitaram as diferenças organizativas originais que haviam dividido a socialdemocracia russa entre Bolcheviques e Mencheviques. Como nós vimos, no congresso “de reunificação” de 1906, os Mencheviques aceitaram a definição do critério para ser membro de Lenin porque, sob as condições relativamente abertas que prevaleciam naquele momento, participação e disciplina organizativa formal não era um impedimento para um amplo recrutamento. Mas em 1908 a velha disputa entre um partido estreito e centralizado contra uma organização ampla e amorfa prorrompeu com fúria renovada.
A maior parte dos quadros mencheviques não seguiu os Bolcheviques rumo à clandestinidade. Sob a liderança de A.N. Potresov, o membro de liderança da sua tendência na Rússia, os militantes mencheviques se limitaram às organizações operárias legais e se dedicaram a produzir uma imprensa legal. Esses ativistas socialdemocratas, sujeitos a nenhuma disciplina ou organização partidária, apesar disso se consideravam membros do POSDR e assim eram considerados pela liderança menchevique no estrangeiro. Lenin denunciou essa política menchevique como liquidacionismo, uma dissolução do POSDR na prática, para dar lugar a uma movimento amorfo baseado em políticas trabalhistas-liberais.
O conflito bolchevique-menchevique sobre o liquidacionismo não pode ser analisado simplesmente como uma expressão de princípios organizativos antagônicos. O liquidacionismo menchevique era fortemente condicionado pelo fato de que os Bolcheviques tinham a maioria dos órgãos de liderança do POSDR oficial. O liquidacionismo era uma forma extrema de uma tendência mais geral dos Mencheviques de se dissociarem da liderança leninista do POSDR.
No fim de 1907 a delegação do POSDR na nova Duma, na qual os Mencheviques eram maioria, declarou sua independência do centro do partido no exílio, argumentando que essa era uma proteção legal necessária. Negar publicamente a subordinação dos delegados na Duma à liderança do partido no exílio poderia ter sido uma medida de segurança legítima. Mas os parlamentares mencheviques deram a essa proteção legal um conteúdo político real. As ações oportunistas dos parlamentares mencheviques reforçaram os ultra-esquerdistas bolcheviques, que desejavam boicotar a Duma de uma vez. É bom lembrar que nesse momento os ultra-esquerdistas eram uma tendência dentro dos Bolcheviques, como explicamos no capítulo cinco dessa série.
No começo de 1908, a liderança dos Mencheviques no exílio (Martov, Dan, Axelrod, Plekhanov) restabeleceu o seu órgão fracional, o Golos Sotsial-Demokrata (Voz do Socialdemocrata). Em meados de 1908 o membro do Comitê Central residente na Rússia, M.I. Broido, se retirou ostensivamente em protesto contra as expropriações armadas dos Bolcheviques. Por volta do mesmo período, os dois membros mencheviques do Comitê Central no exterior, B.I. Goldmann e Martynov, fizeram circular um memorando declarando que, em vista do estado desorganizado do movimento na Rússia, a liderança oficial do partido não iria mais emitir instruções, mas ao invés disso se limitar a passivamente monitorar a atividade socialdemocrata.
Se estivesse Martov, ao invés de Lenin, no comando do POSDR oficial, os Mencheviques teriam sem dúvida sido absolutamente leais à organização partidária estabelecida (e mais, teriam usado impiedosamente as regras do partido como uma espada para cortar os Bolcheviques em pedaços). Entretanto, como eram contra os leninistas, os Mencheviques se opuseram por princípio a definir o partido socialdemocrata como uma organização clandestina. A posição de Martov com relação a uma organização clandestina e o partido é precisamente explicada na edição de agosto-setembro de 1909 doGolos Sotsial-Demokrata:
“… uma organização mais ou menos definida e até um certo ponto conspirativa agora faz sentido (e grande sentido) apenas até onde ela toma parte na construção de um partido socialdemocrata, que por necessidade é menos definido e tem seus pontos de apoio nas organizações abertas dos trabalhadores.” [ênfase no original]– citado em Israel Getzler, Martov (1967)
Essa posição por limitar o significado da clandestinidade representava ao mesmo tempo um desejo por respeitabilidade liberal-burguesa e uma tendência para identificar o partido com as organizações operárias amplas, inclusivas.
Os Mencheviques estavam prontos para se engajar numa atividade ilegal, clandestina para dar prosseguimento ao seu próprio programa e forma de organização, enquanto se opunham a um partido clandestino como tal. Começando em 1911, os Mencheviques liquidacionistas criaram a sua própria rede clandestina, embora ela não fosse tão efetiva quanto à dos Bolcheviques e nem tivesse a sua influência de massa.
O liquidacionismo menchevique de 1908-12 foi uma expressão extrema do oportunismo socialdemocrata resultante dos fatores principais a seguir: 1) um desejo por respeitabilidade liberal-burguesa; 2) uma tendência geral para identificar o partido com as organizações operárias amplas, inclusivas; 3) o fato de que tais organizações eram legais, enquanto o partido não poderia ser; 4) A liderança de Lenin no POSDR oficial; e 5) a fraqueza organizativa dos Mencheviques.
A Batalha se Desenvolve
A batalha sobre o liquidacionismo foi primeiramente desenvolvida de maneira formal na conferência do POSDR ocorrida em Paris em dezembro de 1908.
Nessa conferência os Bolcheviques tinham cinco delegados (três deles ultra-esquerdistas) e seus aliados, os socialdemocratas poloneses de Luxemburgo e Jogiches, tinham cinco; já os Mencheviques tinham três delegados e seu aliado, o Bund Judaico, tinha três.
Todos os participantes dessa conferência (com exceção dos bolcheviques ultra-esquerdistas) reconheceram que a situação revolucionária havia definitivamente acabado, e que um período indefinido de reação esperava à frente. As tarefas e perspectivas do partido deveriam mudar de acordo. Nesse contexto Lenin apontou a necessidade de primazia por uma organização ilegal do partido. A resolução de Lenin nessa questão foi aprovada, com os Mencheviques votando contra e os membros do Bund se dividindo:
“… as condições políticas mudadas fazem com que seja crescentemente impossível realizar a atividade socialdemocrata dentro do quadro das organizações operárias legais e semi-legais….”“O partido deve devotar particular atenção à utilização e reforço das organizações ilegais, semi-legais e legais, onde possível, que já existem – e à criação de novas delas – que possam servir como fortes pontos para trabalho de propaganda, agitação e organização prática entre as massas…. Esse trabalho será possível e dará frutos apenas se existir em cada empresa industrial um comitê de trabalhadores, consistindo somente de membros do partido, ainda que sejam poucos em número, que estarão intimamente ligados às massas, e se todo o trabalho das organizações legais for conduzido sob a liderança de uma organização partidária ilegal.” [nossa ênfase]
– Robert H. McNeal, ed., Resoluções e Decisões do Partido Comunista da União Soviética(1974)
Lenin usou sua maioria na conferência de 1908 do POSDR para condenar o liquidacionismo por esse nome, apresentando-o como uma expressão da instabilidade e do carreirismo da intelectualidade radical:
“Notando que em muitos lugares uma seção da intelligentsia do partido está tentando liquidar a organização existente do POSDR e substituí-la por uma amalgamação disforme dentro do quadro da legalidade, não importa o quanto isto custe – até mesmo o preço da rejeição aberta ao programa, tarefas e tradições do partido – a conferência considera essencial conduzir a mais resoluta luta ideológica e organizativa contra esses esforços liquidacionistas….” – Idem.
Como já foi discutido (no capítulo um), Lenin considerava o menchevismo uma expressão dos interesses e atitudes da intelectualidade radical, ao invés de uma corrente oportunista interna ao movimento dos trabalhadores. Aqui Lenin seguiu a metodologia de Kautsky, que localizava as bases sociológicas do revisionismo em companheiros de viagem pequeno-burgueses da socialdemocracia.
Os Mencheviques de forma semelhante acusavam os Bolcheviques de Lenin de representar um desvio pequeno-burguês … anarquismo. Por exemplo, no começo de 1908 Plekhanov descreveu o lançamento do órgão menchevique, Golos Sotsial-Demokrata, como um primeiro passo em direção ao “triunfo dos princípios socialdemocratas sobre o bakuninismo bolchevique” (citado em Leonard Shapiro, O Partido Comunista da União Soviética [1960]). Os Mencheviques explicaram o apoio dos Bolcheviques no seio da classe operária argumentando que os leninistas demagogicamente exploravam o primitivismo do proletariado russo, um proletariado ainda ligado fortemente ao campesinato.
Assim, ambos os lados acusavam o outro de não serem verdadeiros socialdemocratas (ou seja, socialistas orientados para a classe operária). Os Bolcheviques viam os Mencheviques como democratas pequeno-burgueses, a ala esquerda do liberalismo, os filhotes radicalizados dos Cadetes. Os Mencheviques condenavam os Bolcheviques como anarquistas pequeno-burgueses, radicais populistas disfarçados de socialdemocratas. Essas acusações mútuas não eram demagogia ou exageros polêmicos; eles genuinamente expressavam a forma com a qual os Bolcheviques viam os Mencheviques e vice-versa. Uma vez que ambos os partidos aderiam aos princípio de um partido unitário de todos os socialdemocratas, os Bolcheviques e os Mencheviques só poderiam justificar seu racha declarando que o outro grupo não era realmente parte do movimento proletário socialista.
Mencheviques Pró-partido e Conciliadores Bolcheviques
No fim de 1908 a campanha de Lenin contra os liquidacionistas ganhou apoio da fonte mais inesperada possível … Plekhanov. O grande velho homem do marxismo russo rompeu de forma aguda com a liderança menchevique, estabeleceu seu próprio jornal, Dnevnik Sotsial-Demokrata (Diário do Socialdemocrata), e atacou o abandono das organizações partidárias estabelecidas em palavras e tom similares aos de Lenin.
O comportamento político de Plekhanov entre 1909-11 é de cara algo intrigante, já que ele tinha até então estado na ala extrema direita dos Mencheviques em quase todas as questões, incluindo uma defesa voraz de um racha com Lenin. Considerações subjetivas podem ter desempenhado certo papel. Plekhanov era extremamente orgulhoso e pode muito bem ter se ressentido ao ser eclipsado pelos jovens líderes mencheviques (por exemplo Martov, Potresov). Ele pode ter considerado que uma estância de “menchevique pró-partido” lhe permitiria se restabelecer como a autoridade líder da socialdemocracia russa.
Entretanto, a posição anti-liquidacionista de Plekhanov não está em tamanha variância com sua visão política geral como possa parecer de primeira. Plekhanov sempre acreditou na necessidade de uma liderança marxista (ou seja socialista científica) sobre a espontaneidade da classe trabalhadora. Foi essa crença que o impeliu na luta intransigente contra o economicismo em 1900. Paradoxalmente, a posição de Plekhanov na ala direita durante a revolução de 1905 reforçou a sua descrença na espontaneidade das massas. Para Plekhanov, um forte partido socialdemocrata era necessário parareprimir o que ele acreditava fossem os impulsos anarquistas, primitivistas do proletariado russo. No conflito entre Plekhanov e os liquidacionistas russos, nós vemos a diferença entre um marxista ortodoxo pré-1914, comprometido com uma revolução democrático-burguesa na Rússia, e um grupo de reformistas do movimento operário primeiramente preocupados em defender os interesses econômicos imediatos dos trabalhadores russos.
Os mencheviques “pró-partido” de Plekhanov eram pequenos em número e apenas alguns deles no final se uniram aos Bolcheviques. O próprio Plekhanov se opôs a Lenin quando, na conferência de Praga em janeiro de 1912, o último declarou que os Bolcheviques eram o POSDR, criando assim um Partido Bolchevique em separado. Entretanto, o impacto dos mencheviques “pró-partido” de Plekhanov na luta entre as tendências era amplamente desproporcional aos seus pequenos números. Plekhanov retinha grande autoridade no movimento socialdemocrata internacional e na Rússia. Suas estridentes acusações de que os principais órgãos mencheviques estavam liquidando o partido socialdemocrata reforçou enormemente a credibilidade da posição de Lenin, uma vez que Plekhanov não poderia ser facilmente acusado de distorção tendenciosa ou exagero. Os poucos mencheviques “pró-partido” que se juntaram aos Bolcheviques em 1912 adicionaram muita legitimidade à reivindicação de Lenin de representar o POSDR oficial.
Por volta de 1909, os Bolcheviques e Mencheviques na Rússia haviam se separado em dois grupos distintos competindo por influência de massa. Numa conferência da liderança Bolchevique em meados de 1909, Lenin argumenta que a tendência Bolchevique havia na prática se tornado o POSDR:
“… uma coisa deve ser posta de maneira firme em mente: a responsabilidade de ‘preservar e consolidar’ o POSDR, da qual a resolução trata, agora repousa primariamente, se não completamente, na tendência Bolchevique. Todo, ou praticamente todo, o trabalho do partido em progresso, particularmente nos municípios, agora está sendo levado nos ombros dos Bolcheviques.” [nossa ênfase] – “Relatório sobre a Conferência do Conselho Editorial Estendido do Proletary” (julho de 1909)
Ao mesmo tempo ele sublinhou a importância de unidade com os mencheviques “pró-partido” de Plekhanov:
“Quais são afinal as tarefas dos Bolcheviques em relação a esta até então pequena seção dos Mencheviques que estão lutando contra o liquidacionismo? Os Bolcheviques devem sem dúvida buscar reaproximação com essa seção, com aqueles que são marxistas e desejosos de um partido.” [ênfase no original] – Op. cit.
A posição de Lenin de que os Bolcheviques (esperançosamente em aliança com os seguidores de Plekhanov) deveriam construir o partido sem e contra a maioria dos Mencheviques recebeu significativa resistência entre a liderança e também a base dos Bolcheviques. Uma forte tendência de conciliadores emergiu, liderada por Dobruvinsky (um antigo deputado na Duma), Rykov, Nogin e Lozovsky, que desejavam um compromisso político com os Mencheviques para poder restaurar um POSDR unificado.
De certa forma as forças de conciliação eram mais fortes em Berlim do que em São Petersburgo ou Moscou. A liderança do Partido Socialdemocrata Alemão (SPD) permaneceu sempre desejosa da unidade partidária na Rússia. Num clima particularmente sentimental, Kautsky expressou sua atitude sobre as tendências antagônicas na Rússia numa carta (5 de maio de 1911) para Plekhanov:
“… nesses dias eu recebi visitas de bolcheviques … mencheviques, otzovistas [ultra-esquerdistas], e liquidacionistas. Eles são todos pessoas amáveis e ao conversar com eles não se percebe grandes diferenças de opinião.” – citado em Getzler, Op. cit.
A liderança do SPD abriu sua imprensa para o mais importante dos conciliadores russos – Trotsky. Os artigos de Trotsky na influente imprensa do SPD tornaram a opinião socialdemocrata internacional fortemente em favor da unidade do partido russo e contra os extremistas em ambos os lados, Lenin pelos Bolcheviques e Potresov pelos Mencheviques.
Lenin Luta por um Partido Bolchevique
Diante de um forte grupo pró-unidade em sua própria base e sob pressão dos mencheviques “pró-partido” de Plekhanov e a liderança do SPD, Lenin relutantemente concordou com uma nova tentativa de unidade. Essa foi a plenária de janeiro de 1910 ocorrida em Paris. A representação na plenária replicou uma formação próxima do último congresso do partido em 1907. Os Bolcheviques tinham quatro delegados (três deles conciliadores), assim como os Mencheviques. O Bund Judaico pró-menchevique tinha dois delegados assim como o Social Democracia dos Reinos da Polônia e Lituânia (SDRPeL) pró-bolchevique de Luxemburgo/Jogiches. Os nominalmente pró-bolcheviques socialdemocratas da Letônia e o grupo ultra-esquerdista do Vperyod tinham um delegado cada.
Na plenária, os elementos conciliatórios impuseram uma série de compromissos sobre a liderança das duas tendência principais. A composição fracional dos órgãos de liderança do partido (o Conselho Editorial do Órgão Central, o Escritório Estrangeiro e o Conselho Russo do Comitê Central) estabelecida no congresso de 1907 foi mantida. Paridade entre Bolcheviques e Mencheviques foi mantida em todos os órgãos do partido, posicionando assim a balança do poder nas mãos dos partidos socialdemocratas regionais.
Sobre a questão chave da clandestinidade, uma resolução de compromisso foi trabalhada. Se opor ou depreciar a organização clandestina foi condenado, mas o termo “liquidacionismo” foi evitado por causa de sua conotação anti-menchevique. Por outro lado, os Mencheviques tiveram a satisfação moral de condenar as expropriações armadas dos Bolcheviques como uma violação da disciplina do partido.
A artificialidade do acordo de “unidade” de 1910 foi indicada pela recusa dos Mencheviques em permitir que Lenin administrasse os fundos do partido. O tesouro do partido foi então depositado nas mãos de três membros de confiança alemães – Kautsky, Klara Zetkin e Franz Mehring. (Kautsky, que não era sentimental quando se tratava de dinheiro, posteriormente ficou com o tesouro do partido russo sob argumento de que ele não teria um corpo representativo de liderança legítimo). A atitude crítica e desconfiada de Lenin com relação aos resultados da plenária do Comitê Central de Paris foi expressa numa carta (11 de abril de 1910) para Maxim Gorky:
“Na plenária do C.C. (a ‘longa plenária’ – três semanas de agonia, todos os nervos estavam à flor da pele, por mil demônios!) … havia um clima de ‘conciliação em geral’ (sem nenhuma idéia clara de com quem, pelo que, ou como); ódio contra o centro bolchevique por sua luta ideológica implacável; disputas na parte dos Mencheviques, que estavam pagando para brigar, e como resultado – nasceu uma monstruosidade de unidade, como um bebê coberto de pústulas.”“E nós também tivemos que sofrer. Ou – para melhor – nós cortamos as pústulas, deixamos sair o pus e curamos e erguemos o bebê.”“Ou para pior – o bebê morre. Então nós devemos ficar sem bebê por um tempo (isto é, nós devemos restabelecer a tendência Bolchevique) e então dar a luz a um bebê mais saudável.”
A desconfiança de Lenin nos Mencheviques foi rapidamente confirmada. Os mencheviques liquidacionistas na Rússia, liderados por P.A. Garvi, se recusaram terminantemente a entrar no conselho do Comitê Central russo como a plenária de Paris havia concordado. Assim, Lenin pôde pôr a culpa pelo racha nos Mencheviques e colocar os conciliadores bolcheviques na defensiva. Anos depois, Martov ainda ralhava com Garvi por seu erro tático, que muito ajudou Lenin.
No fim de 1910, Lenin declarou que os Mencheviques haviam quebrado os acordos feitos na plenária de Paris e que assim os Bolcheviques não estariam mais vinculados a eles. Em maio de 1911, Lenin chamou uma reunião de emergência da liderança bolchevique e seu aliados poloneses, que estabeleceram corpos paralelos para substituir os órgãos oficiais do POSDR, estabelecidos na plenária de Paris. Por exemplo, um Comitê Técnico foi formado para substituir o Escritório Estrangeiro do Comitê Central como o mais alto órgão administrativo do partido. Para Lenin esse foi um passo decisivo para construir um partido sem e contra os Mencheviques.
A essa altura os planos de Lenin foram impedidos pelo surgimento de um novo e temporariamente poderoso conciliador – Leo Jogiches, líder do SDRPeL. Jogiches era um formidável antagonista. Junto com os conciliadores bolcheviques (por exemplo, Rykov) ele tinha a maioria dos órgãos de liderança do partido, tais como o Comitê Técnico. Através de Rosa Luxemburgo ele influenciou os membros de confiança alemães que detinham as finanças do POSDR.
A luta de 1911 entre Jogiches e Lenin é geralmente considerada, particularmente por historiadores burgueses, como uma luta pessoal por poder. Entretanto, por trás da cisma entre o SDRPeL e os Bolcheviques de 1911-14 estava a diferença entre uma posição ortodoxa socialdemocrata sobre a questão do partido e o leninismo nascente. Luxemburgo/Jogiches estavam prontos para apoiar atendência Bolchevique dentro de um partido socialdemocrata unitário. Porém, eles não apoiariam a transformação do grupo bolchevique em um partido reivindicando ser o único representante legítimo da socialdemocracia. E Jogiches entendia que isso era o que Lenin estava de fato fazendo. Em uma carta para Kautsky (30 de junho de 1911) a respeito de finanças, ele escreveu que Lenin “quer se usar do caos no partido para conseguir o dinheiro para sua própria tendência e aplicar um golpe fatal contra o partido como um todo….” (citado em J.P. Nettl, Rosa Luxemburgo [1961]).
A atitude de Lenin com Jogiches e os outros conciliadores é claramente expressa no rascunho do artigo, “O Estado de Coisas no Partido” (julho de 1911):
“Os ‘conciliadores’ não entenderam os caminhos ideológicos que nos mantém longe dos liquidacionistas, e dessa forma lhes deixaram uma série de lacunas e tem sido frequentemente (e involuntariamente) brinquedinhos nas mãos dos liquidacionistas….”“Desde a revolução, os Bolcheviques, como uma tendência, atravessaram dois erros – (1) otzovismo-Vperyodismo e (2) conciliacionismo (oscilando na direção dos liquidacionistas). É tempo de nos livrarmos de ambos.”“Nós Bolcheviques decidimos sob hipótese alguma repetir o (e não permitir uma repetição do) erro do conciliacionismo hoje. Isso significaria desacelerar a reconstrução do P.O.S.D.R., e entravá-lo num novo joguinho com as pessoas do Golos (ou seus lacaios, como Trotsky), os Vperyodistas e por aí a fora.” [ênfase no original]
No fim de 1911, Lenin rompeu com Jogiches e os conciliadores bolcheviques. Ele mandou um agente, Ordzhonikidze, para a Rússia, onde o último montou o Comitê Organizativo Russo (COR) que reivindicou ser o Comitê Central interino do POSDR. O COR chamou uma “conferência de toda a Rússia do POSDR”, que se reuniu em Praga em janeiro de 1912. Catorze delegados compareceram, doze bolcheviques e dois mencheviques pró-partido, um dos quais expressou a oposição de Plekhanov à conferência como um ato anti-unidade de partido.
A conferência decidiu que os liquidacionistas mencheviques deviam ficar de fora do POSDR. Ela também acabou com a estrutura nacional federada estabelecida no congresso de “reunificação” de 1906, de fato excluindo o Bund, o SDRPeL e os socialdemocratas da Letônia do partido russo. A conferência elegeu um novo Comitê Central, consistindo de seis Bolcheviques “rígidos” (anti-conciliadores) e um menchevique “pró-partido” para efeito simbólico. A conferência de Praga marcou um racha organizativo definitivo entre os socialdemocratas revolucionários de Lenin e os mencheviques oportunistas. Nesse importante sentido, Praga/1912 foi a conferência de fundação do Partido Bolchevique.
Lenin Buscou Unidade com os Mencheviques?
Antes mesmo de 1912, Lenin era comumente considerado um divisionista fanático, como a grande causa dos cismas na socialdemocracia russa. O significado histórico-mundial do racha bolchevique-menchevique é hoje universalmente reconhecido, e não menos por anti-leninistas. É portanto espantoso que alguém, particularmente um grupo que se reivindica leninista, possa manter que o líder bolchevique foi um fortíssimo defensor da unidade socialdemocrata, enquanto os mencheviques eram agressivos divisionistas.
No entanto essa é a posição levada adiante pelo revisionista “trotskista” Grupo Marxista Internacional, seção britânica do Secretariado Unificado de Ernest Mandel. Como justificativa teórica para uma grande manobra de reagrupamento, o GMI revisou a história dos Bolcheviques para fazer de Lenin um conciliador que prezava pela unidade acima de tudo. Se referindo ao período pós-1905, o GMI escreve:
“Longe de Lenin ser um divisionista, longe de propor meramente a ‘unidade formal’, os Bolcheviques eram os principais batalhadores da unidade do partido …. Eram os Mencheviques nesse período que eram os divisionistas e não Lenin.” – “A Tendência Bolchevique e a Luta por um Partido”, Red Weekly, 11 de novembro de 1976
A completa falsidade dessa posição é demonstrada por uma série de incríveis omissões. Esse artigo não menciona os verdadeiros conciliadores bolcheviques, como Rykov, e a luta de Lenin contra eles. Ele não menciona a plenária de “unidade” de Paris em 1910 e a oposição de Lenin aos compromissos lá firmados. Ele não menciona que os aliados de Lenin de outrora, Plekhanov e Jogiches/Luxemburgo, se opuseram à conferência de Praga em nome da unidade do partido e consequentemente denunciaram Lenin como um divisionista.
Essa é a análise do GMI sobre a conferência de Praga:
“A tarefa dos Bolcheviques e dos mencheviques pró-partido de reconsolidar o POSDR clandestino havia sido concluída no fim de 1911 – embora a esta altura o próprio Plekhanov tivesse desertado para o lado dos liquidadores. Essa reconsolidação foi finalizada no sexto congresso do partido ocorrido em Praga em janeiro de 1912. Nesse congresso não houveum racha com o menchevismo como tal – ao contrário … Lenin trabalhou para que fosse um congresso com uma seção dos Mencheviques. O racha não foi com aqueles que defendiam as políticas mencheviques, mas com os liquidacionistas que se recusavam a aceitar um partido.” [ênfase no original] – Op. cit.
Foram precisamente as políticas mencheviques sobre a questão organizativa que geraram o liquidacionismo. Do racha original de 1903 até a Primeira Guerra, os Mencheviques definiram que “o partido” deveria incluir trabalhadores simpatizantes da socialdemocracia, mas que não estavam sujeitos à organização formal e à disciplina como membros. Foi sobre essa base que os Mencheviques continuaram a rejeitar e desconsiderar a maioria formal e consequente liderança partidária de Lenin.
A declaração de que Plekhanov se juntou aos liquidacionistas em 1911 é falsa. E nessa falta de nitidez histórica o GMI demonstra sua falta de compreensão fundamental das relações entre os Bolcheviques e os mencheviques “pró-partido”. Plekhanov não se juntou ao corpo principal dos Mencheviques. Assim como Trotsky e Luxemburgo, ele adotou uma estância independente entre 1912-14, buscando a reunificação de Bolcheviques e Mencheviques.
O GMI não sabe explicar porquê Plekhanov, que lutou contra os liquidacionistas por três anos, se recusou então a romper com eles e se unir aos leninistas. Quando Plekhanov, que era notoriamente arrogante, começou sua campanha anti-liquidacionista no fim de 1908, ele sem dúvida acreditava que iria ganhar a maioria dos Mencheviques e possivelmente se tornar a figura de liderança de um POSDR unificado. Mesmo enquanto fazia um bloco com Plekhanov, Lenin teve a oportunidade de desfazer as ilusões para consumo próprio do dissidente menchevique:
“O menchevique Osip [Plekhanov] provou ser uma figura solitária, que se retirou tanto do conselho editorial menchevique oficial quanto do conselho editorial coletivo do mais importante trabalho menchevique, um manifestante isolado contra o ‘oportunismo pequeno-burguês’ e o liquidacionismo….” – “Os Liquidacionistas Expostos” (setembro de 1909)
Por volta de 1911, estava claro que os seguidores de Plekhanov eram uma pequena minoria entre os Mencheviques. Se Plekhanov tivesse se juntado aos Bolcheviques na conferência de Praga, ele teria constituído uma minoria pequena e politicamente isolada. Ele nunca poderia esperar ganhar os Bolcheviques para sua estratégia pró-burguesia liberal. Ele teria sido simplesmente um figura decorativa num partido de facto Bolchevique. Sendo um político astuto, Lenin tentou “capturar” Plekhanov dessa forma. Ao se recusar a participar da conferência de Praga, Plekhanov escreveu: “A composição de sua conferência é tão unilateral que seria melhor, ou seja, melhor para os interesses da unidade do partido, que eu ficasse de fora” (citado em Bertran D. Wolfe, Três que Fizeram uma Revolução [1948]).
Mesmo antes de 1912, os Bolcheviques eram essencialmente um partido, mais do que uma tendência, porque Lenin se recusaria a agir como uma minoria disciplinada sob uma liderança menchevique. Os líderes mencheviques, incluindo Plekhanov, eram recíprocos nessa atitude. Unidade com os Mencheviques “pró-partido” numericamente inferiores não desafiava a liderança de Lenin no partido como ele o reconstruiu na conferência de Praga. Se os seguidores de Plekhanov fossem maiores que os Bolcheviques, então Lenin teria lutado por um outro arranjamento organizacional que permitiria a seus apoiadores agir como socialdemocratas revolucionários desimpedidos por oportunistas.
Tentativas de Unidade Depois de Praga
Depois da conferência de Praga, os Bolcheviques foram bombardeados com contínuas campanhas por unidade envolvendo a maioria das principais figuras no movimento russo e também da liderança da Segunda Internacional. Essa campanhas culminaram numa resolução pró-unidade do Bureau Socialista Internacional (BSI) em dezembro de 1913, que levou a uma conferência de “unidade” em Bruxelas em julho de 1914. Menos de um mês depois a maioria dos ‘buscadores de unidade’ da Segunda Internacional estavam apoiando suas próprias classes dominantes na matança de trabalhadores de países “inimigos”.
A primeira tentativa de reverter a ação de Lenin na conferência de Praga foi levada adiante por Trotsky. Ele pressionou o Comitê Organizativo menchevique para chamar uma conferência de todos os socialdemocratas russos. Os Bolcheviques naturalmente se recusaram a participar como fizeram seus antigos aliados, os seguidores de Plekhanov e o SDRPeL de Luxemburgo/Jogiches. A conferência se reuniu em Viena em agosto de 1912. Além do pequeno grupo de Trotsky, ela foi composta pelos Mencheviques em peso, o Bund Judaico e os ultra-esquerdistas do grupo Vperyod. O “bloco de agosto” combinava assim as alas de extrema direita e extrema esquerda da socialdemocracia russa. Naturalmente os participantes não poderiam concordar em nada exceto sua hostilidade aos leninistas por se declararem o POSDR oficial. De fato, os Vperyodistas saíram no meio da conferência, fazendo dela um fórum menchevique.
O bloco de agosto de Trotsky era um clássico e fugaz bloco centrista – uma coalizão podre dos mais heterogêneos elementos que eram contra uma tendência revolucionária rígida. Depois de ser ganho para o leninismo em 1917, Trotsky considerou o “bloco de agosto” como o seu maior erro político. Polemizando contra um outro bloco centrista de coalizão na seção americana da Quarta Internacional em 1940, Trotsky voltou no tempo até o “bloco de agosto” em 1912:
“Eu tenho em mente o assim chamado bloco de agosto de 1912. Eu participei ativamente desse bloco. De certa forma eu o criei. Politicamente eu era diferente dos Mencheviques em todas as questões fundamentais. Eu também me diferenciava dos Bolcheviques de ultra-esquerda, os Vperyodistas. Em questões de política geral, eu estava muito mais próximo dos Bolcheviques. Mas eu era contra o ‘regime’ leninista porque eu ainda não tinha compreendido que para conseguir o objetivo de realizar uma revolução, um partido centralizado e firmemente formado é necessário. E então eu formei esse bloco episódico consistindo de elementos heterogêneos que foi dirigido contra a ala proletária do partido….”“Lenin submeteu o bloco de agosto a críticas sem piedade e os mais duros golpes caíram sobre mim. Lenin provou que uma vez que eu não concordava politicamente nem com os Mencheviques nem com o Vperyodistas, minha política foi aventureirismo. Isso foi severo mas era verdade.”– Em Defesa do Marxismo (1940)
A consolidação de um partido bolchevique em separado na conferência de Praga coincidiu com o começo de uma nova linha ascendente da luta da classe proletária na Rússia. Nos dois anos e meio seguintes os Bolcheviques se transformaram novamente num partido proletário de massas. Em 1913, Lenin afirmava possuírem entre 30.000 e 50.000 membros. Nas eleições para a Duma no fim de 1912 os Bolcheviques elegeram seis de nove delegados na curia (seção de votação) dos trabalhadores. Em 1914, Lenin afirmava ter 2.800 núcleos operários contra 600 dos Mencheviques. O órgão legal dos Bolcheviques, o Pravda, tinha uma circulação de 40.000 exemplares, comparada com 16.000 do jornal menchevique Luch.
Privadamente os Mencheviques admitiam a predominância bolchevique no movimento operário, assim como sua própria fragilidade. Numa carta (15 de setembro de 1913) para Potresov, Martov escreveu “… os Mencheviques parecem incapazes de se afastar do centro morto no sentido organizativo e permanecem, apesar do jornal e de todos os esforços feitos nos últimos dois anos, um fraco círculo” (citado em Getzler, Op. cit.).
Enquanto a transformação dos Bolcheviques em um partido de massa nesse momento era de enorme significado para a causa revolucionária, em um sentido pode-se dizer que ela impediu o desenvolvimentoteórico do leninismo. Os desenvolvimentos entre 1912-14 pareciam confirmar a crença de Lenin de que os Mencheviques eram simplesmente carreiristas pequeno-burgueses na Rússia e literatos emigrados permanecendo de fora do movimento real dos trabalhadores. A reivindicação dos Bolcheviques de seremo Partido Operário Social Democrata Russo pareceu demonstrar a sua comprovação empírica. E assim Lenin acreditava que ele não havia realmente dividido o partido socialdemocrata.
A conferência de Praga em janeiro de 1912 representou o racha definitivo entre Bolcheviques e Mencheviques, mas a divisão não foi compreensível. Os seis deputados bolcheviques eleitos para a Quarta Duma no fim de 1912 mantiveram uma frente comum com os sete deputados mencheviques numa bancada socialdemocrata unitária. Entre os trabalhadores menos avançados, um sentimento por unidade ainda era forte e isso criou resistência entre os Bolcheviques para desfazer a bancada na Duma através de um ato público, um ato público. Lenin orientou para que a bancada na Duma fosse desfeita, mas fez isso com considerável precaução tática. Apenas perto do fim de 1913 os deputados bolcheviques racharam abertamente e criaram sua própria bancada na Duma.
O racha na bancada da Duma causou um impacto muito maior do que a conferência de Praga na socialdemocracia internacional, uma vez que ele tornou a divisão no movimento russo totalmente pública. Por iniciativa de Rosa Luxemburgo, o BSI interviu para restaurar a unidade no aparentemente incorrigível e fracional movimento socialdemocrata russo. A política pró-unidade do BSI era necessariamente prejudicial, se não claramente hostil, aos Bolcheviques. Os motivos de Luxemburgo eram claramente hostis a Lenin. Ao exigir a intervenção da Internacional, ela denunciou “o esquemático incitamento pelo grupo de Lenin do racha entre a base de outras organizações socialdemocratas” (citado em H.H. Fischer e Olga Hess Gankin, eds., Os Bolcheviques e a Guerra Mundial [1940]).
Em dezembro de 1913, o BSI adotou uma resolução chamando a reunificação da socialdemocracia russa. Essa resolução foi co-patrocinada por três líderes alemães, Kautsky, Ebert e Molkenbuhr:
“… o Bureau Internacional considera dever urgente de todos os grupos socialdemocratas na Rússia fazer séria e leal tentativa de concordar com a restauração de uma organização partidária única a pôr um fim ao atual nocivo e desencorajador estado de desunião.”– Idem.
O BSI marcou então uma conferência de “unidade” em Bruxelas em julho de 1914. A autoridade da Internacional liderada pela Alemanha era tal que todos os socialdemocratas russos, incluindo os Bolcheviques, se sentiram obrigados a comparecer a essa reunião. Além dos Bolcheviques e Mencheviques, a conferência de Bruxelas foi composta por Vperyodistas, pelo grupo de Trotsky, pelo grupo de Plekhanov, os socialdemocratas da Letônia e três grupos poloneses.
Não é preciso dizer, Lenin foi hostil ao propósito da conferência de Bruxelas. Enquanto ele escrevia um longo relatório para ela, ela, mostrou seu desdém ao não comparecer pessoalmente. O cabeça da delegação bolchevique foi Inessa Armand. Lenin rascunhou “condições de unidade” que ele sabia que os Mencheviques iriam recusar de primeira. Essas envolviam a completa subordinação organizativa dos Mencheviques à maioria bolchevique, incluindo a proibição de uma imprensa menchevique separada e uma total abolição de críticas públicas ao partido clandestino. Quando Armand apresentou as “condições de unidade” de Lenin, os Mencheviques ficaram furiosos. Plekhanov rotulou as condições como “artigos de um novo código penal”. Kautsky, o presidente da conferência, teve dificuldade em manter a ordem. Apesar disso tudo, o respeitado líder alemão cumpriu seu dever ao apresentar uma moção atestando que não havia diferenças de princípio que barrassem a unidade. Essa resolução prosseguiu com os Bolcheviques (e também os socialdemocratas da Letônia) se recusando a votar.
A Justificativa de Lenin para o Racha
O relatório para a conferência de Bruxelas em julho de 1914 foi a mais elucidativa justificativa de Lenin para o racha e a criação de um Partido Bolchevique em separado. Ele procurou apresentar o caso bolchevique da forma mais favorável possível diante da opinião socialdemocrata da Europa Ocidental. Assim, o relatório provavelmente não expressa completamente as visões de Lenin sobre as relações bolchevique-menchevique.
O relatório apresenta dois argumentos básicos, um político e o outro empírico. O argumento político básico de Lenin é que a maioria dos Mencheviques, ao rejeitar a organização clandestina como opartido, se colocava qualitativamente à direita dos oportunistas (por exemplo, Bernstein) nas socialdemocracias da Europa Ocidental:
“Nós vemos o quão enganada é a opinião de que nossas diferenças com os liquidacionistas não são mais profundas e de que são menos importantes que aquelas entre os assim chamados radicais e os moderados na Europa Ocidental. Não há sequer um único – literalmente nenhum – partido europeu que tenha estado na ocasião de ter de adotar uma decisão geral contra pessoas que desejavam dissolver o partido e substituí-lopor um outro!”“Em nenhum lugar da Europa Ocidental houve alguma vez, ou poderia ter havido, uma discussão sobre se é permissível carregar o título de membro do partido e ao mesmo tempo reivindicar a dissolução de tal partido, argumentar que o partido é inútil e desnecessário, e que outro partido o substituísse. Em lugar nenhum lugar da Europa Ocidental se coloca a questão sobre a preocupação com a própria existência do partido como entre nós….”“Isso não é um desacordo sobre uma questão organizativa, de como o partido deveria ser construído, mas um desacordo que diz respeito à própria existência do partido. Aqui, conciliação, concordância e compromisso estão completamente fora de questão.” [ênfase no original] – “Relatório do CC do POSDR para a delegação da Conferência de Bruxelas” (junho de 1914)
Essa visão do liquidacionismo menchevique é superficial, focando na forma específica, mais do que no conteúdo político, do oportunismo socialdemocrata. A crença de Lenin de que os mencheviques russos estavam à direita de Bernstein, Jaures, etc. acabou se mostrando falsa. A guerra gerou o pequeno grupo Internacionalistas, seguidor de Martov, que serviu de contraponto aos Mencheviques se posicionando não apenas à esquerda dos socialpatriotas alemães Ebert/Noske, mas também à esquerda dos centristas do SPD Kautsky/Haase. A raiz causal do liquidacionismo organizativo dos Mencheviques em 1908-12 não era que Martov/Potresov estavam qualitativamente à direita de Bernstein e Noske, mas na verdade que Lenin, o líder formal do POSDR, estava à esquerda de Bebel/Kautsky.
A maior parte do relatório para a conferência de Bruxelas busca demonstrar empiricamente que “uma maioria de quatro quintos dos trabalhadores com consciência de classe da Rússia se mantiveram juntos a decisões e corpos criados pela conferência de janeiro [em Praga] de 1912”. É importante enfatizar que isso não era um argumento apenas para consumo público. Para Lenin, uma dos critérios decisivos de um partido realmente socialdemocrata era a extensão de seu reconhecimento operário. Em suas notasprivadas para Inessa Armand, ele escreveu:
“Na Rússia, aproximadamente todo grupo ou ‘tendência’ … acusa o outro de não ser um grupo de trabalhadores. Nós consideramos essa acusação ou ainda argumento, essa referência à significância social de um grupo em particular, extremamente importante em princípio. Mas precisamente porque nós a consideramos extremamente importante, nós julgamos nosso dever não fazer declarações vazias sobre a significância social de outros grupos, mas pautar nossas declarações com fatos objetivos. E esses fatos objetivos provam absolutamente e de maneira irrefutável que o pravdismo [bolchevismo] sozinho é uma corrente dos trabalhadores na Rússia, onde liquidacionismo e socialismo-revolucionário são de fato correntes intelectualistas burguesas.” [ênfase no original]– Idem.
Como pode ser visto da citação acima, caso os Mencheviques tivessem nesse período adquirido uma significativa base operária, Lenin teria que ou adotar uma atitude mais conciliatória com relação a eles ou justificar o racha em princípios mais gerais.
A visão de Lenin dos Mencheviques como uma corrente intelectualista pequeno-burguesa externa ao movimento dos trabalhadores era impressionista. A onda de patriotismo e defensismo nacional que arrastou as massas russas nos primeiros anos da guerra beneficiou os Mencheviques oportunistas às custas dos leninistas, que eram derrotistas intransigentes. Quando a revolução russa ocorreu em fevereiro de 1917, os Mencheviques eram muito mais fortes em relação aos Bolcheviques do que eles tinham sido até 1914.
Entre 1912-14, as inumeráveis polêmicas de Lenin contra a unidade com os Mencheviques apresentaram uma série de diferentes argumentos. Alguns desses argumentos eram estreitos ou empíricos, como os do relatório para a conferência de Bruxelas. Entretanto, em outros escritos, Leninantecipou o racha em princípios com os oportunistas no movimento operário, que define o partido comunista moderno. Assim, em uma polêmica em abril de 1914 contra Trotsky, intitulada “Unidade”, Lenin escreve:
“Não pode haver unidade, federativa ou qualquer outra, com políticos liberal-trabalhistas, com desviantes do movimento da classe operária, com aqueles que desafiam a vontade da maioria. Pode e deve haver unidade entre todos os marxistas consistentes, entre todos aqueles que permanecem junto a todos os ensinamentos do marxismo e os slogans sem seguidismo, independente de todos os liquidacionistas e separados deles.”“Unidade é uma grande coisa e uma grande palavra de ordem. Mas o que a causa dos trabalhadores precisa é da unidade dos marxistas, não da unidade entre marxistas e oponentes e desvirtuadores do marxismo.” [ênfase no original]
Entretanto, não foi até 4 de agosto de 1914, quando a bancada parlamentar da socialdemocracia alemã votou por créditos de guerra, que Lenin foi levado a entender o significado épico da passagem acima, para o seu racha com os Mencheviques russos. Só então Lenin buscou que os marxistas consistentes, ou seja revolucionários, rompessem com todos os políticos liberal-trabalhistas e todos os oponentes e desvirtuadores do marxismo. Ao fazer isso, ele criou no comunismo uma doutrina e um movimento histórico mundial revolucionário, o marxismo da época da agonia mortal do capitalismo.