A Juventude e a Necessidade de um Partido Revolucionário
Leandro Torres
Março de 2012
O ano de 2011 foi bastante rico do ponto de vista político. Muitas lutas e mobilizações ocorreram em todo o mundo, ganharam grande repercussão na mídia e influenciaram o início de diversas outras ações. O ano passado mostrou ao mundo um ressurgimento militante na “Primavera Árabe” no Norte da África e no Oriente Médio, dezenas de greves gerais pela Europa, combativas lutas estudantis no Chile, o “Ocupe Wall Street”, dentre tantos outros. Todo esse fervor político pesa bastante na consciência dos trabalhadores e da juventude, que muitas vezes acabam assumindo uma posição mais crítica frente aos problemas sociais que enfrentam no seu cotidiano. No mundo inteiro, a perspectiva de que uma realidade diferente é possível começa a retomar as ruas.
Essa onda de mobilizações e de grandes lutas também se fez sentir no Brasil. Aqui, ela tomou forma no levante dos trabalhadores do PAC, nos canteiros de obras de Pecém e Jirau, em algumas expressivas greves estaduais de trabalhadores da educação e em uma das mais fortes greves nacionais dos Correios nos últimos anos. Mais recentemente, ela também se fez presente em uma onda de ocupações de reitoria e, principalmente, na greve deflagrada por estudantes da USP após uma repressiva ação da PM, desocupando a reitoria com um aparato policial de mais de 400 homens invadindo um campus universitário. Apesar de serem processos diversificados, com bases sociais diferentes e que impõem à esquerda questões complexas (principalmente na “Primavera Árabe”), de certa forma todos eles possuem um fator em comum: são fortemente motivados pelos novos ataques à classe trabalhadora e à juventude em decorrência da crise econômica capitalista deflagrada em 2008.
Tendo sido a mais profunda desde a “Grande Depressão” iniciada em 1929, a presente crise também teve início no coração do capitalismo internacional, o que fez com que atingisse todo o sistema de produção capitalista. Passada a quebradeira de bancos e empresas, agora os governos que esvaziaram seus cofres para socorrer os empresários e banqueiros fazem de tudo para impor à classe trabalhadora e a setores da juventude o ônus da crise. Por si só, isso já deixa claro o caráter de classe das estruturas estatais dos países capitalistas.
Cortes profundos têm sido realizados no orçamento das áreas sociais, como educação e saúde. E junto aos cortes de verbas, também são sancionadas leis que retiram direitos históricos do proletariado, conquistas trabalhistas e previdenciárias, além é claro da repressão – desferida tanto pela via policial quanto pela via jurídica – às greves e mobilizações. Aqueles países que não implementaram de imediato os “pacotes de reformas” em benefício da burguesia, logo se viram forçados à fazê-lo como imposição do FMI e do Banco Mundial para emprestar dinheiro e “resgatar” a economia nacional. Isso tudo mostrou que os governos dos Estados burgueses, mesmo aqueles das variantes mais “populares”, não estão do lado da classe trabalhadora, mas do lado dos proprietários das grandes companhias, latifundiários e financistas. Os ataques contra o proletariado não são fruto de interesses particulares de um partido ou outro da burguesia, mas do Estado gerido e mantido pelos capitalistas para salvaguardar o seu sistema econômico em decadência.
A juventude tem exercido papel importante em muitos processos de resistência e enfrentamento. Nas lutas contra regimes de tiranos no Egito e na Tunísia foram os jovens que mais se mobilizaram e tomaram as praças e ruas das principais cidades. O movimento “Ocupe Wall Street” foi nitidamente composto majoritariamente pela juventude, assim como os diversos outros “Ocupe” que vieram a surgir. O mesmo vale para os “Indignados” do Estado Espanhol, que precederam e inspiraram variados atos de ocupação de praças. Passamos assim, por um momento de clara radicalização da juventude.
Todos estes movimentos buscaram alternativas aos problemas de uma sociedade onde educação, saúde, moradia, transporte e outros bens fundamentais estão submetidos à lógica do lucro, internacionalmente “regulamentada” por órgãos como os já citados FMI e Banco Mundial. A juventude é capaz de protagonizar ações de coragem e radicalismo. Isso se deve em grande parte ao seu desconforto com regras que não foram por ela estabelecidas, e à sua típica predisposição em questionar aquilo que os mais velhos muitas vezes tendem a tomar como “assim sempre foi e assim sempre será”. Tradicionalmente, a juventude esteve presente nos momentos de grandes transformações sociais, conferindo a eles renovação e energia. Na história do nosso próprio país, podemos ver como o movimento estudantil (forma mais comum da juventude se organizar) teve peso em diversas lutas sociais, tendo sido por vezes a alavanca que as impulsionou.
Porém, as formas de luta empregadas pela juventude por si sós não tem como alterar drasticamente a realidade, pondo fim ao capitalismo. O exemplo da juventude arrasta, e isso a história nos prova constantemente. Mas é preciso ter em mente que a sua luta só atinge transformações profundas quando ataca o cerne dos problemas que nos cercam: o capitalismo – que se materializa principalmente na propriedade privada, no lucro e no poder de Estado. E para atingir a raiz do problema, a juventude só não basta. É necessário que o proletariado entre em cena.
No Egito, centenas de milhares ocuparam a Praça da Libertação (Tahir) por quase dois meses, mas o ditador Hosni Mubarak só foi retirado do cargo quando trabalhadores do Canal de Suez e de outras bases importantes para a economia do país cruzaram os braços em uma forte greve geral em fevereiro de 2011. Entretanto, as ilusões desse movimento em setores dos oficiais do exército egípcio fizeram com que uma junta militar do exército substituísse Mubarak e mantivesse todas as condições de exploração, falta de democracia e os aparatos secretos de repressão e tortura do ditador.
Da mesma forma, a luta dos estudantes chilenos por uma educação gratuita para todos (que se iniciou em agosto de 2011), mesmo que não tenha chegado à conquista dos seus objetivos, em muito se fortaleceu com a adesão de alguns setores operários. Nos próprios Estados Unidos, país bastião do capitalismo mundial, o “Ocupe” de Oakland (Califórnia) mostrou grande força quando os manifestantes deste movimento e muitos trabalhadores portuários se uniram para fechar as docas em resposta à repressão policial, o que provocou uma paralisação temporária das atividades do porto da cidade.
Por mais que nem todos os exemplos de aliança com a classe trabalhadora tenham levado a conquistas definitivas, eles apontam o caminho e demonstram o quanto essa aliança potencializa uma luta. Isso ocorre porque os trabalhadores são os responsáveis pela produção de toda a riqueza e isso faz com que possam atacar diretamente os pilares do capitalismo. Portanto, uma das tarefas da juventude que se pretende revolucionária é que esta deve ter sempre como perspectiva combinar suas demandas específicas com aquelas do proletariado, buscando aliar ambos os setores em uma só luta.
Em razão disso, nós criticamos os setores do movimento estudantil que tem ignorado a importante tarefa estratégica de buscar uma aliança com os trabalhadores e de defender os seus interesses. Tanto os camaradas que lideram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) quanto os que estão à frente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que compõem a maioria da gestão do Diretório Central de Estudantes da UFRJ, não colocaram esta tarefa em pauta durante as eleições para a organização estudantil, nem durante a sua gestão, nem durante os principais processos de luta. [1] No caso do Centro Acadêmico do curso de História, isto é ainda mais evidente: a “Chapa 2 – A História Não Pára”, composta pelo PSTU e simpatizantes (que se organizam sob a bandeira da ANEL), e que venceu as eleições de 2011, nem sequer mencionava a palavra “trabalhador” em seus materiais de propaganda.
Isto é uma adaptação à consciência atrasada de uma parcela dos estudantes, que não se identifica com os interesses da classe trabalhadora, e reflete que estes partidos estão dispostos a deixar de lado mesmo os pontos mais essenciais do programa marxista, que eles dizem reivindicar, para se limitarem a uma luta por melhorias na assistência estudantil. Está ausente dessa concepção uma estratégia de como os estudantes podem conseguir conquistas históricas e mesmo importantes vitórias imediatas. Para nós estas só podem ser conseguidas com uma aliança (cada vez mais) firme entre o movimento estudantil e o movimento dos trabalhadores, começando com os trabalhadores dentro da universidade, inclusive os terceirizados.
Por sua vez, a UNE (União Nacional dos Estudantes), principal organização do movimento estudantil brasileiro, apoiou as eleições de Lula e Dilma e mantém até hoje a sua defesa política do governo do PT, que ataca sem tréguas os estudantes, entregando milhões às universidades privadas enquanto sucateia as universidades públicas, cortando milhões das verbas destinadas à educação. É o mesmo governo que ataca os salários dos trabalhadores, os seus direitos previdenciários e endurece com as greves de norte a sul do Brasil. Dirigida pelo PCdoB/UJS, aliados do governo do PT, a UNE foi se transformando cada vez mais em um obstáculo às lutas dos estudantes. Mais recentemente, os dirigentes estudantis da UJS (União da Juventude Socialista, ligada ao PCdoB), estabeleceram pactos políticos com os governos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes (ambos do PMDB), que são inimigos mortais dos trabalhadores do Rio de Janeiro. Nenhuma luta legítima em defesa dos estudantes e trabalhadores é possível quando se está associado com os seus carrascos. A UJS não questiona nem mesmo da forma mais tímida o capitalismo e colabora abertamente com o governo do PT aliado aos latifundiários, financistas e empresários.
Os problemas centrais impostos pelo capitalismo não podem ser solucionados através de reformas realizadas no marco do sistema. Por mais que algumas conquistas significativas possam ser temporariamente obtidas nos quadros da sociedade capitalista como fruto da luta das massas, a existência da propriedade privada, e do poder de Estado que garante militar e ideologicamente essa existência, são barreiras permanentes a avanços maiores. E mesmo aquelas conquistas arrancadas à força podem ser revertidas pela burguesia enquanto esta possuir o controle do Estado. A mobilização é passageira, o Estado não. Por isso, a correlação de forças não tem como ser permanentemente mantida contra a burguesia enquanto esta possuir o Estado e os meios de produção. A destruição desses pilares é uma tarefa que permanece atual.
Muitos ativistas honestos do movimento estudantil, que lutam por uma educação de qualidade, desenvolvem uma repulsa contra os partidos em geral. Esse apego ao apartidarismo tem raízes variadas. A aversão dos jovens contra os partidos da burguesia, que através de canalhices legais e corruptas exploram os trabalhadores, é extremamente progressiva. A desconfiança com relação ao PT, ao PCdoB e seus aliados, com sua trajetória de traições e enganações aos estudantes, é também extremamente progressiva. Mas esse sentimento progressivo em relação a tais partidos não deve ser estendido a um partido revolucionário.
O partido revolucionário é uma ferramenta indispensável para combater a influência dos inimigos da juventude e da classe trabalhadora. O seu papel é buscar desafiar a posição de domínio dos líderes traidores dos oprimidos, que ao buscar conciliação com os seus carrascos, são o maior obstáculo para uma luta bem sucedida. Sem o seu partido revolucionário, os trabalhadores e a juventude ficam entregues à passividade ou mesmo ao controle (frequentemente burocrático) dos partidos que servem (direta ou indiretamente) aos interesses dos capitalistas. Por isso, o ódio a “qualquer tipo de partido”, inclusive à construção de um partido revolucionário, é um tiro no pé de todos aqueles que desejam conscientemente a construção de uma sociedade radicalmente diferente.
Na ausência do partido revolucionário, a burguesia e os defensores da ordem se colocarão à frente dos trabalhadores e jovens, impedindo vitórias, criando ilusões sobre quais devem ser seus objetivos e sobre quem são seus aliados e quem são seus inimigos. Todas as lutas que mencionamos aqui demonstraram o potencial transformador da juventude e dos trabalhadores. Porém, a ausência de uma direção revolucionária permitiu que estas se limitassem aos marcos do capitalismo, ou mesmo que buscassem a conciliação com seus carrascos.
A saída para romper com as correntes políticas que mantém os jovens e trabalhadores submetidos às diversas formas de ideologias burguesas é a construção de um instrumento que seja a um só tempo uma ferramenta para intervir nas lutas e ajudá-las a se fortalecer e serem vitoriosas, e transmitir ao proletariado o programa da revolução socialista, construído através da análise das experiências históricas da luta de classes internacional. Um instrumento, portanto, para “explicar paciente e sistematicamente” ao proletariado e aos jovens a necessidade do socialismo, e mostrar através das lutas concretas a justeza dessa necessidade. Tal instrumento é o partido revolucionário, a ferramenta mais avançada que pode ser criada pelo proletariado, e pelos seus aliados, para a defesa dos seus interesses.
NOTA
[1] Em muitas das reuniões internas da entidade estudantil que dirigem (ANEL), assim como em alguns materiais específicos, os camaradas de liderança do PSTU costumam levantar corretamente as bandeiras pela aliança proletária-estudantil. Tal bandeira, entretanto, desaparece completamente quando tal partido realiza sua intervenção em fóruns mais amplos da universidade, em eleições estudantis e momentos de luta, sobretudo naqueles em que fazem blocos políticos com o PSOL.