[Janeiro de 2011]
“Compreensão de que Frentes Populares eleitorais (blocos entre partidos de base operária e setores burgueses, como a candidatura Dilma) podem ser utilizadas para proteger o proletariado contra as alas fascistas ou reacionárias da burguesia:”
“‘Sim, em algumas situações votar na frente popular, ao mesmo tempo em que se mantém a ação direta contra a direita, é uma tática para defender os trabalhadores contra o fascismo (…). Na França, em 36, os trabalhadores elegeram os socialistas contra a direita tradicional como forma de evitar a influência do fascismo europeu crescente no França através da direita eleita (…). Esses são alguns exemplos em que votar em Frente Popular é uma forma de ganhar tempo. (ênfase nossa) (E-mail interno de um membro da tendência de Paulo Araújo, 21 de junho de 2011).’”
“Em uma das reuniões voltadas para a discussão dos temas em revisão por Paulo, um dos membros da tendência revisionista chegou ao ponto de defender que a tarefa dos revolucionários na Alemanha dos anos 1920/30 seria a de criar uma frente popular eleitoral com o objetivo de ‘atrasar’ a chegada do Nazismo ao poder. Essa mesma política, entretanto, era um dos pilares do stalinismo que a Quarta Internacional tanto combateu.”
Assim como seus irmãos gregos, os trabalhadores franceses protagonizaram no fim de 2010 um dos processos mais vivos da luta de classes no continente europeu [nos últimos anos]. Os Estados europeus apresentaram “planos de austeridade” para estabilizar as contas, após o rombo gerado pelo salvamento de empresas à beira da bancarrota. Isso despertou a classe trabalhadora para a ação, já que esses planos querem descontar nas costas dos trabalhadores o custo da crise. Com a crise de superprodução (exposta desde 2008) a concorrência entre as empresas derrubou a taxa de lucro. Por isso, as empresas demitem para diminuir os custos e diminuir o efeito dessa queda da taxa de lucro.
Depois que o contingente de empregados chegou ao mínimo necessário, ainda são realizados outros ajustes para reduzir os custos da produção até que a taxa de lucro volte a subir. Aí entram o arrocho salarial e o aumento do tempo de trabalho, que poupam despesas dos patrões com reajuste salarial e novas contratações. No setor público, o Estado, que “esqueceu” o neoliberalismo ao dar fortunas para as empresas em crise, vai precisar arranjar dinheiro para equilibrar o seu orçamento – aumentando os impostos e cortando os serviços públicos. Dentre esses serviços, os que sofrem ataques são sempre aqueles socialmente necessários, como educação, saúde e transporte (incluindo os salários e aposentadorias dos funcionários [públicos]). Logicamente, não vai haver nenhum corte na polícia, no judiciário ou no parlamento. A Grécia foi o país em que estes ataques aos funcionários públicos recebeu resposta mais radical da classe trabalhadora, com exatamente sete greves gerais ao longo do ano passado.
Na França o ataque principal lançado contra os trabalhadores se deu através da proposta do governo para aumentar a idade mínima da aposentadoria de 60 para 62 anos, ao mesmo tempo em que aumentava de 65 para 67 anos a idade para receber o valor integral da pensão. Essa reforma previdenciária, amparada pelo FMI e pelas potências europeias, encontrou o combate da classe trabalhadora francesa. Foram as organizações de massa da classe operária no país, acima de tudo as suas centrais sindicais, que organizaram as formas de resistência. Entretanto, menos de três meses depois da aprovação da medida na Câmara, o Senado também a aprovou. Depois disso o movimento dos trabalhadores, que durante setembro, outubro e começo de novembro esteve explosivo, caiu numa desmobilização frustrada diante da vitória da medida no campo parlamentar.
É preciso entender o porquê desta derrota drástica para a classe operária francesa. Até porque as consequências da crise estão longe de acabar. Elas trarão novos ataques e sem dúvida nova resistência dos trabalhadores. Se as massas não estiverem alertas para os motivos da derrota no fim de 2010, essa situação pode se repetir indefinidamente até que o governo tenha descontado até o último centavo perdido com a crise através do sofrimento do povo.
A Dinâmica do Movimento
Setores estratégicos do proletariado francês estiveram à frente da luta contra o governo, configurando-se em verdadeira vanguarda do processo. Sobretudo se destacaram os setores de transporte e energia – os trabalhadores de refinarias de óleo e terminais de distribuição de combustível estiveram em greve por todo o período. Houve também greve dos trens, metrôs e aeroportos que deixou os transportes franceses debilitados. Por causa da greve no setor de transportes, o transporte de cargas foi reduzido a 10% do ritmo normal. Como resultado disso, enorme quantidade de indústrias ficou sem suprimentos.
Como é muito comum, grande parte da mídia burguesa denunciou a “irresponsabilidade” dessas ações (assim como defendeu a “responsabilidade” dos planos de austeridade). Mas o apoio ao movimento grevista foi maciço. Uma pesquisa feita em 23 de outubro mostrou que 69% da população estava apoiando o movimento, ou seja, os trabalhadores estavam dispostos a lutar contra o ataque frontal que foi a reforma previdenciária, apesar da inconveniência da falta de combustível e da lentidão dos transportes. Os maiores protestos ocorreram na semana antes da medida ser votada no Senado, o que ocorreu no dia 20 de outubro. No dia 19, cerca de 3,5 milhões de trabalhadores foram às ruas por todo o país. Trabalhadores jovens compuseram a maior parte dos contingentes, o que faz muito sentido, já que a extensão da idade mínima para aposentadoria diminuirá a criação de novas vagas e aumentará a taxa de desemprego. Atualmente a taxa de desemprego na faixa etária entre 20 e 25 anos na França é de 23%.
O governo conservador de Sarkozy, entretanto, não recuou. Manteve firme seu compromisso em tornar a burguesia francesa competitiva diante de seus rivais. A coalizão que levou Sarkozy ao poder estava firme em fazer passar a reforma no Congresso. Mas isso não seria o suficiente para manter a ordem. Era necessário para o governo garantir com sangue que a reforma seguisse em frente. Por isso centenas de policiais de tropas de choque foram acionados para dispersar com força bruta piquetes organizados em refinarias, depósitos e áreas industriais. Três dias após a lei passar no Senado, no dia 22 de outubro, enquanto muitas dessas manifestações radicalizadas persistiam, o governo deu carta branca para que a polícia as destruísse e restabelecesse a ordem.
Mas para entender porquê a reação foi vitoriosa, é preciso compreender as debilidades no próprio movimento dos trabalhadores. Apesar da luta de classes acirrada e explícita entre dois campos opostos, havia alguns generais no campo dos proletários colaborando com o inimigo. Afinal, se todos os operários envolvidos fossem liderados corretamente, não haveria contingente policial capaz de vencer a investida. No entanto, a estratégia dos líderes do movimento caminhava a passos largos para a derrota.
A Estratégia Derrotista dos Burocratas Sindicais
Os principais organizadores dos protestos na França foram as grandes centrais sindicais. As principais são a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), dirigida pelo Partido Comunista da França, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), dirigida pelo Partido Socialista, e a FO (Força Operária), com uma direção supostamente “independente”. Assim que surgiram indícios das primeiras mobilizações, as lideranças dessas e de demais centrais se reuniram num fórum, chamado Intersindical, que “organizou” as mobilizações nacionais. A Intersindical foi apoiada mesmo por inúmeros setores e partidos que se colocam à esquerda do PS e do PCF, como o Novo Partido Anticapitalista (NPA).
Acontece que a “organização” criada pelas lideranças das centrais foram oito “dias de ação”, que consistiram em protestos isolados em dias nos quais todos os grandes setores da economia entrariam em greve, mas voltariam ao trabalho no dia seguinte. Enquanto os trabalhadores de transporte e energia ficaram em greve durante quase todo o período, a maioria da classe operária só foi chamada à luta e às ruas em dias esporádicos, que não conseguiam colocar em cheque o governo Sarkozy.
A Intersindical, uma coalizão de burocratas sindicais que “armou a derrota” desde o início das mobilizações, era vista por muitos trabalhadores como sinal de união, mas foi na verdade o meio encontrado para esfaquear os operários pelas costas. Além de só organizar protestos em dias isolados, as lideranças do PS e do PCF nas grandes centrais também colocaram bem menos peso nas mobilizações após a aprovação da medida no Senado, em 19 de outubro. Não por acaso, os “dias de ação” que vieram depois (28 de outubro e 6 de novembro) marcaram uma queda no número de grevistas e nos contingentes dos protestos.
Por meses, muitos líderes sindicais insistiram que poderiam aceitar parte da reforma do governo ou uma medida paliativa em seu lugar. A liderança da CFDT reiterou diversas vezes sua disposição em aceitar negociar apenas o aumento da idade para receber o valor integral das pensões. Já a CGT disse que poderia negociar com o governo se, ao invés do aumento no tempo de trabalho, este quisesse aumentar o valor da arrecadação retirada dos salários para a previdência. Em declaração para o jornal parisiense Libération, o principal dirigente da CFDT, François Chérèque, afirmou que “Secretamente, muitos líderes da confederação não iriam ver com maus olhos um esgotamento do movimento”. Somado a isso, não é difícil ver que “dias de ação” isolados não eram suficientes. Várias iniciativas mais radicalizadas, como no setor de transportes e energia, ficaram sem apoio da massa operária e faltou um plano para integrar as lutas.
Assim fica fácil entender que os burocratas a frente das centrais sindicais não estavam nem um pouco preocupados se a medida ia ou não ser aprovada. Na verdade, eles não serão afetados, não vão sofrer na pele mais dois anos de trabalho, pois tem privilégios que superam em muito os direitos tão atacados dos trabalhadores. Com a estratégia derrotista dos “dias de ação” eles não queriam combater a medida de ataque às pensões, mas garantir uma cadeira na mesa de negociação da burguesia, para que possam manter seus privilégios. E para isso usaram como barganha a mobilização honesta e heroica da classe operária. Depois da aprovação da reforma previdenciária no Senado, o momento era de colocar mais força nas mobilizações. Mas os burocratas, ao não quererem colocar em risco a legalidade burguesa do Congresso, preferiram deixar a poeira baixar enquanto são os trabalhadores que vão engolir em seco a reforma. Quando a polícia destruiu os piquetes dos trabalhadores das refinarias e do transporte público, o restante da classe não estava nas ruas para defender seus irmãos, mas com as mãos atadas graças aos burocratas.
Nessa situação, um partido revolucionário participaria dos “dias de ação” e, ao mesmo tempo tentaria organizar uma greve geral por tempo indeterminado para derrotar o governo. Junto com isso buscaria formar comitês de operários nos locais de trabalho para tomar decisões e agir independente do Congresso e dos compromissos dos burocratas com o governo. Ainda que começasse pequena, tal iniciativa poderia se multiplicar ao longo de um processo de luta. Mas nenhum dos partidos de esquerda da França com os recursos para cumprir tal tarefa trilhou esse caminho. Todos preferiram ficar presos às estratégias estabelecidas pela Intersindical e agir como uma “ala esquerda” dos burocratas, não um polo opositor ao seu plano de derrota anunciada. Só é possível derrotar o governo Sarkozy superando os burocratas e reformistas comprometidos com a estabilidade da economia capitalista.
O Velho Truque da Frente Popular
O projeto político da burocracia sindical entrincheirada na direção das grandes centrais não se limitou à simples desmobilização da classe operária. Os seus principais partidos se caracterizam pelo seu reformismo – a garantia de que não vão levar as lutas para além dos limites do capitalismo. Exatamente por isso buscam canalizar as lutas populares para a via das eleições burguesas. Tanto o PCF quanto o PS reconhecem que seu foco é enfraquecer a popularidade do governo Sarkozy, e não fazer o que for necessário para derrotar seu plano de ataque às aposentadorias. Enquanto os manifestantes estavam recebendo porrada da polícia, muito provavelmente os líderes dos do PS e do PCF estavam de olho nas próximas eleições presidenciais de 2012, pensando em como tirar vantagem da ira popular para ter benefícios eleitorais.
Obviamente essa perda de popularidade de Sarkozy daria aos burocratas sindicais e seus partidos ótimas perspectivas na disputa pela presidência nas próximas eleições. O PS e o PCF são campeões históricos das frentes populares (governos que conciliam setores reformistas da classe trabalhadora e partidos da burguesia). Depois dessa onda de greves, os trabalhadores estão claramente irados com Sarkozy. Uma pesquisa mostrou que 70% da população reprova seu governo. Mas para que sentido essa raiva popular será direcionada? Existe o grande perigo de que os partidos reformistas façam dela a base de apoio para eleger um governo de frente popular, nos quais os partidos da esquerda reformista administram os negócios do Estado burguês.
De fato, sabotar as lutas nas ruas para que sejam derrotadas e depois direcionar os descontentes para o pântano da política parlamentar é o objetivo por trás dos partidos reformistas. Estes servem como instrumento dos inimigos da classe trabalhadora, quando eles não sentem confiança em colocar seus representantes descarados (como Sarkozy) à frente do Estado. Então colocam os partidos reformistas para administrarem seus negócios e criarem a aparência de um “governo dos trabalhadores”, enquanto tal governo não muda em nada a estrutura de exploração da sociedade. A política parlamentar não é um campo possível para levar a luta dos trabalhadores para a vitória. A própria aprovação do aumento do tempo de trabalho pelas duas casas do “democrático” Congresso burguês, enquanto os trabalhadores gritavam em agonia contra a medida, demonstra isso.
Talvez o Partido Socialista seja a face mais explícita dessa incapacidade de um governo de frente popular para resolver os problemas da classe operária. O principal concorrente para ser nomeado candidato do PS nas próximas eleições presidenciais é Dominique Strauss-Kahn, que hoje é presidente do Fundo Monetário Internacional. Mas o FMI apoiou desde o princípio a reforma previdenciária do governo francês. O compromisso dos partidos reformistas é com a manutenção da sociedade burguesa, seja qual for o custo. O Estado capitalista, seja administrado por partidos de direita ou esquerda, serve ao interesse da burguesia e age contra os trabalhadores e oprimidos. Além disso, uma frente popular faz muitas vezes com que os trabalhadores engulam medidas que encontrariam resistência caso um governo burguês comum estivesse no cargo.
Não é preciso ir muito longe para perceber isso. Ao longo dos seus 8 anos, o governo de Lula/PT conseguiu façanhas para a burguesia brasileira – tanto é assim que os empresários recompensaram os bons serviços prestados pelo PT apoiando com muito dinheiro a eleição de Dilma. Só para dar um exemplo que dialoga com o caso francês, o governo Lula conseguiu aprovar em seu primeiro ano uma reforma previdenciária que faz os brasileiros trabalharem 5 anos a mais do que antes. O governo anterior [de Fernando Henrique Cardoso] tinha tentado por duas vezes aprovar tal medida, mas havia encontrado enorme resistência popular, inclusive das centrais sindicais. Ainda assim, os líderes da CUT insistem que o governo Lula é um “governo dos trabalhadores”.
É por esse motivo que os revolucionários devem se opor a estes blocos, que prendem os trabalhadores dirigidos pelos reformistas aos seus inimigos de classe. Historicamente as frentes populares francesas serviram para desmobilizar as lutas, incluindo muitas situações pré-revolucionárias, como em 1936, 1945 e 1968, e fazer uma etapa preparatória para que os trabalhadores fossem, logo em seguida, esmagados por algum representante mais direto da burguesia.
Os governos de frente popular geralmente não retomam da burguesia o que ela tirou durante um governo de direita – afinal, seu papel é simplesmente apagar o fogo da classe trabalhadora. Depois de chegar ao governo, Lula não desfez as privatizações das quais ele tanto reclamou durante os anos 90. Pelo contrário, avançou nas privatizações de muitos setores, como o Pré-Sal e os bancos estaduais federalizados. Somente a luta radicalizada faz com que esses traidores da classe sejam forçados a tomar medidas que tragam algum benefício aos proletários. E quando o fazem, os reformistas tentam com isso comprar os trabalhadores, nunca melhorar suas condições de vida.
NPA: Franja dos Reformistas e Oportunidade Tática
Se os maiores partidos reformistas estavam preocupados não em derrotar o governo, mas sim nas eleições presidenciais, o NPA não ficou para trás. O principal dirigente do partido, Olivier Besancenot, declarou em agosto de 2010 que “Muito do resultado de 2012 está em jogo na luta pelas pensões. É agora que nós devemos enfraquecer o governo e a direita”. O Novo Partido Anticapitalista foi fundado em 2009 a partir da iniciativa da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR), seção francesa do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, corrente que já havia abandonado há muito tempo qualquer semelhança prática com o bolchevismo. Mas ao fundar o NPA, a LCR renunciou abertamente a qualquer perspectiva de criar um partido leninista. Ela se dissolveu num partido sem programa definido, onde as mais diversas tendências poderiam expor e praticar sua linha sem compromisso com o restante do partido, em clara oposição ao centralismo-democrático bolchevique.
O NPA chamou a atenção da esquerda em toda a Europa ao protagonizar os protestos radicalizados ocorridos em maio de 2009, inclusive participando em alguns dos atos em que os trabalhadores prenderam os patrões nas fábricas até que houvesse revogação das demissões anunciadas no período. Ao mesmo tempo, o NPA sempre deixou claro seu foco em ser uma força eleitoral. Nos princípios fundacionais do NPA está declarada de maneira “politicamente correta” [do ponto de vista do NPA] a sua vontade em participar de um governo burguês: “Nós vamos contribuir para a implementação de medidas progressivas se os eleitores nos derem tal responsabilidade”.
Ainda que o NPA não participe da frente popular que os peixes grandes do reformismo estão armando para 2012, ele com certeza será cúmplice dessa manobra para iludir os trabalhadores. Afinal, a LCR nunca teve pudor em votar pelo “menos pior” do capitalismo, se esquecendo que o “menos pior” é uma manobra para ganhar tempo enquanto a burguesia recupera suas forças ou para passar medidas que um governo de direita não conseguiria. A LCR votou por décadas em coalizões de frente popular encabeçadas pelo PS (de François Mitterand em 1981 a Ségolène Royal em 2007). Assim, o NPA não terá problemas em votar por um candidato do PS, inclusive se for Dominique Strauss-Kahn, e contribuir para a enganação que é a frente popular. Ao menos dessa forma o NPA é consistente com os objetivos da LCR, que apesar de ter sido dissolvida ainda é a essência do novo partido. Uma frase para resumir a esses objetivos – reformar o capitalismo. Mas o NPA tenta reformar o irreformável, um sistema baseado na exploração dos trabalhadores, opressão aos imigrantes e guerra imperialista.
Apesar do seu compromisso com o reformismo, o NPA tem atraído grandes setores radicalizados dos trabalhadores e da juventude na França. A participação dele em alguns eventos radicalizados (não por sua iniciativa) em 2009 e suas posições à esquerda do PCF tem atraído militantes com aspirações revolucionárias, muito mais avançados que a própria direção do partido. Nos atos de 2009, o NPA não deixou de demonstrar o seu papel traidor e sua vacilação, ao diminuir sua atividade junto com o “calendário oficial” da direção da CGT e demais centrais. No entanto, muitos militantes subjetivamente revolucionários tem se juntado ao NPA, que possui inúmeras tendências com discursos [supostamente] revolucionários.
O NPA está repleto de militantes evoluindo para a esquerda, que uma hora vão se chocar com a direção do partido, que move a passos largos para a direita. Além disso, sua frouxa base de unidade permite que qualquer tendência de esquerda faça parte dele e tenha acesso a essa camada de militantes. Os diversos fatores da equação indicam que seria uma excelente tática para um pequeno núcleo revolucionário adentrar o NPA como uma tendência. Isso permitiria estar frequentemente em unidade de ação com os setores radicais que o partido ainda está atraindo. Isso não muda o fato de que esse “entrismo” nas colunas do NPA é uma tática – permaneceria a tarefa dos revolucionários denunciar as traições da direção do partido. Somado a isso, um núcleo revolucionário dentro do NPA deveria buscar clareza ideológica com as várias correntes centristas no seu interior, muitas das quais deixam de denunciar a direção apenas por fazer parte dele e passam a valorizar a “unidade”. Algo muito parecido ocorre com as inúmeras correntes centristas que estão hoje dentro do PSOL, adaptadas a ser sua “ala esquerda” enquanto colocam enorme esforço em manter o partido unido.
Os revolucionários só entram em partidos reformistas como uma tática e não valorizam unidade com aqueles líderes que são os maiores traidores dos operários. Ao mesmo tempo, é necessário aproveitar a oportunidade aberta para ganhar vários militantes inconscientes da incapacidade do NPA de oferecer uma alternativa revolucionária. Diferente daqueles que prezam pela unidade, seria preciso adentrar o partido com o objetivo de causar um racha de esquerda nele, arrancando do seu interior o maior número possível de militantes revolucionários para construir uma corrente genuinamente trotskista na França.
Ao mesmo tempo em que deveria ter habilidade de encontrar o momento certo de realizar tal racha, um núcleo revolucionário infiltrado no NPA deve ter clareza de que entrar em partidos reformistas não é um princípio, mas uma tática localizada num período histórico determinado e, portanto, limitada. Esse “giro francês” (como foi feito pelos trotskistas franceses da Liga Comunista dentro do PS em 1934) no NPA é uma sugestão simplesmente pelas características recentes da formação do novo partido, que não ocorrem em geral na esquerda reformista. Assim, esse entrismo seria apenas um [possível] passo, não uma regra, para o objetivo de construir um partido revolucionário na França, capaz de passar por cima das cabeças dos reformistas e colocar o Estado capitalista contra a parede.
Partido, Programa e Defensiva Histórica
É necessário desde já trabalhar para construir um partido revolucionário de trabalhadores na França. Esse partido deve participar das grandes centrais sindicais, sobretudo a CGT e a CFDT, para desmascarar as suas atuais lideranças oportunistas e que colaboram com os patrões e com o governo. Simbolicamente, o NPA recentemente negou boatos de que estivesse trabalhando para construir uma fração sindical na CGT, dirigida do Partido Comunista Francês. Somente rompendo o corporativismo sindical é possível romper também as correntes com as quais os reformistas arrastam os trabalhadores para a derrota.
Contra os reformistas que negam a necessidade de violar as decisões do Congresso e a ordem capitalista, os revolucionários devem lutar para criar um partido que aponte com uma estratégia combativa a necessidade da revolução socialista. Esse partido agirá diferente dos centristas que aceitam as formulações e estratégias dos reformistas e as pintam de vermelho e dos eleitoreiros que se preocupam em ganhar espaço num campo essencialmente burguês, não em lutar pelas necessidades históricas dos trabalhadores e oprimidos. Uma organização revolucionária deve participar do movimento mostrando que se o capitalismo não é capaz de resolver os problemas que ele próprio criou em seu funcionamento anárquico, então deve ser destruído. Para isso é necessário ligar a atual baixa consciência dos operários com a necessidade da revolução proletária, precondição para a solução dos principais problemas da classe proletária.
Um partido revolucionário deve dar prioridade em mobilizar as frações mais oprimidas dos trabalhadores de um país, que historicamente são as mais dispostas às lutas nos momentos decisivos. Na França, esses setores são todas as mulheres, os muçulmanos e os imigrantes, que também são aqueles grupos com menores salários e menos direitos na sociedade. Os revolucionários têm a obrigação de defendê-los contra a super-exploração, ou seja, lutar por direitos trabalhistas e salários iguais nivelados pelo mais alto entre empregados temporários ou fixos, franceses ou imigrantes, homens ou mulheres, independente de opção religiosa.
A proposta de uma greve geral por tempo indeterminando não pode ser transformada em mais uma manobra nas mãos dos burocratas para enfraquecer o governo e colocar uma frente popular no poder. Exatamente por isso, ao levantar a bandeira organizativa da greve geral, não podem faltar bandeiras políticas que avancem a consciência dos trabalhadores. Essa é a função de um programa transitório. Para derrotar o ataque do governo Sarkozy, é preciso estimular uma resposta revolucionária ao desemprego que atinge principalmente os jovens e os imigrantes. Redução progressiva do tempo de trabalho para se aposentar – sem redução dos salários nem das pensões – com o objetivo de abrir novos postos até acabar com o desemprego! Hoje muitas mulheres só conseguem trabalhos de meio período, por estarem submetidas ao trabalho doméstico. Mudar essa realidade só será possível quando houver creches, lavanderias e restaurantes públicos gratuitos abertos todos os dias 24 horas!
O Congresso francês também têm estigmatizado imigrantes muçulmanos do norte da África e a minoria muçulmana da França. Uma das medidas para fazer isso foi proibir o uso da burca (véu que cobre o corpo inteiro) em público. O uso da burca, por esconder o corpo da mulher, é frequentemente interpretado como machismo. Mas ao mesmo tempo, é considerado por muitas mulheres muçulmanas um símbolo da sua identidade. Por isso, quem deve decidir sobre o uso da burca são as próprias mulheres, sem nenhuma intervenção do Estado francês. Recentemente, Sarkozy também expulsou do país mais de mil trabalhadores búlgaros e romenos de origem cigana sob a acusação de participação no crime organizado.
Essas questões são ainda mais importantes por causa do nacionalismo nojento que existe no movimento sindical. Geralmente os burocratas espalham entre os trabalhadores que “se tem de haver cortes e demissões, é melhor que os atingidos sejam os imigrantes”. Contra a burocracia sindical que é nacionalista por sua própria natureza, os revolucionários levantam a bandeira do internacionalismo e da igualdade de direitos entre os trabalhadores de todos os povos. Os imigrantes e muçulmanos só poderão ter empregos dignos quando não houver mais risco de deportações, prisões e preconceito. É por isso que também é preciso que todos os trabalhadores lutem nos sindicatos por cidadania plena e imediata para os imigrantes! Abaixo o preconceito religioso – usar a burca é um direito e uma decisão individual! Dessa forma é possível combater de frente a política racista do governo francês.
Sabemos que o momento é de defensiva histórica. As últimas três décadas foram de muitas derrotas para os trabalhadores. Uma das mais sérias foi a destruição dos Estados operários deformados na URSS e no Leste Europeu. A ofensiva imperialista nesse período levou guerra e destruição, desemprego e miséria a muitos trabalhadores pelo mundo. Além disso, desmobilizou muitas organizações que reivindicavam o comunismo revolucionário e deixou a vanguarda proletária isolada, sem repercussão e à beira da míngua. Direitos trabalhistas foram removidos como nunca antes. Houve um verdadeiro desmonte das conquistas conseguidas pelo movimento operário na Europa nas décadas de 50 e 60. Mas as contradições do capitalismo e as crises inevitáveis que ele gera tratam de mudar essa situação, como um veneno que produz o antídoto.
Se a correlação de forças tem sido contrária à classe trabalhadora, a reação aos efeitos da crise pode ser uma oportunidade de mudar essa maré. O ano de 2010 foi agitado por intensa luta de classes na Europa. Que esses ventos soprem para todos os continentes. Apenas no momento em que os trabalhadores passarem da defensiva para a ofensiva é que vitórias reais (mesmo a defesa de direitos ameaçados) poderão ser alcançadas. Da mesma forma, apenas num momento de ofensiva é possível unir e consolidar um número comprometido de revolucionários e construir um partido. Mas desde já, os primeiros núcleos revolucionários, marcados por um período de derrotas, precisam manter o vivo o programa e trabalhar para que, quando surgir a oportunidade, eles estejam prontos para dar um passo significativo nessa direção.