A Liga Comunista Internacional (LCI) sobre a Guerra do Afeganistão
A seguir estão reproduzidas duas intervenções realizadas por Samuel Trachtenberg quando era membro da Tendência Bolchevique Internacional em reuniões públicas convocadas pela Liga Espartaquista (SL) dos Estados Unidos (seção da Liga Comunista Internacional) em 2002. Os fóruns discutiram a guerra imperialista lançada contra o Afeganistão em 2001. A SL justificou em seu jornal (Workers Vanguard) a sua posição de não chamar pela derrota militar dos Estados Unidos, afirmando que:
“Desde uma perspectiva marxista, entretanto, não existe forma de ‘derrotar’ o inevitável avanço dos capitalistas em direção à guerra, a não ser que eles sejam expulsos do poder através de uma revolução operária vitoriosa…”.
― Workers Vanguard No. 767, 26 de outubro de 2001.
Duas semanas depois, em uma polêmica com o Grupo Internacionalista (IG), que nessa ocasião levantou corretamente a bandeira pela derrota militar dos Estados Unidos, a SL sustentou que:
“(…) Assim, o chamado pela derrota militar dos EUA é, nesse momento, ilusório e a mais pura demagogia e ladainha ‘revolucionária’ – e que deriva do abandono da perspectiva de mobilização do proletariado dos EUA com o objetivo de conquistar o poder de Estado.”
“Diferente do IG, a SL está comprometida em romper a classe trabalhadora norte-americana e os oprimidos da sua ligação de colaboração de classes com o Partido Democrata, e a forjar um partido revolucionário de trabalhadores para derrubar o imperialismo norte-americano através de uma revolução socialista…”.
― Workers Vanguard No. 768, 9 de novembro de 2001.
Em ambas as reuniões onde foram feitas as intervenções, os líderes espartaquistas não responderam politicamente às polêmicas direcionadas ao fato de que estes se recusaram a chamar pela derrota militar dos EUA, criando uma falsa contraposição entre essa demanda principista e a perspectiva da luta de classes nos Estados Unidos. Tal artimanha já havia sido utilizada anteriormente por outras organizações revisionistas, como a Workers League (hoje SEP) de David North, da qual Samuel Trachtenberg havia sido membro e com a qual rompeu em razão de uma recusa semelhante dessa organização em chamar pela derrota dos EUA na Guerra do Golfo, lançada contra o Iraque no início dos anos 1990. As intervenções buscaram fazer um paralelo entre essas posições.
As intervenções foram reimpressas no Boletim Trotskista #8, “Afeganistão e a Esquerda”. A tradução para língua portuguesa foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em 2012 com base na versão disponível em http://bolshevik.org/TB/tb8contents.html.
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LCI no Afeganistão: Healyistas de segunda-mão?
[A seguir está uma reconstrução, a partir de anotações, da intervenção de Samuel Trachtenberg em um fórum da Liga Espartaquista (SL) na cidade de Nova Iorque em 9 de fevereiro de 2002. Trachtenberg fez um paralelo entre a recusa da SL em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA no ataque contra o Afeganistão em 2001 e a posição adotada pela Workers League de David North uma década antes, quando o Iraque estava sob ataque].
Eu falo em nome da Tendência Bolchevique Internacional. Muitos camaradas nesta sala tem acompanhado as trocas de polêmicas entre nós, o Grupo Internacionalista e a SL com relação ao recente abandono da SL da política de derrotismo revolucionário no Afeganistão – quer dizer, a sua recusa em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA. Para muitos camaradas mais jovens, os argumentos da SL em defesa dessa nova linha podem soar novos e originais, mas para mim eles não parecem muito originais.
Durante o período da Guerra do Golfo, eu era um membro adolescente da Workers League de David North [WL – hoje Partido da Igualdade Socialista (SEP)]. Na época, os seguidores de North também decidiram abandonar o chamado pela derrota do imperialismo norte-americano [a WL tinha inicialmente chamado pela derrota dos Estados Unidos antes do início dos conflitos, mas abandonou o slogan quando o ataque começou]. Eu gostaria de ler algumas citações do livro em que eles defendem a sua posição [contra as críticas de outros fragmentos do antigo “Comitê Internacional” de Gerry Healy]:
“Derrotismo revolucionário não é nem um slogan agitativo e nem uma tática especial para obter a derrota militar de sua ‘própria’ burguesia, mas a continuação, em tempo de guerra, da perspectiva pela qual o partido revolucionário luta sob todas as condições…”.
“Ambos Pottins e Athow rejeitam essa perspectiva. Eles substituem a mobilização da classe trabalhadora por ações de outras forças de classe – no caso de Pottins e [Cliff] Slaughter, o movimento dos protestos da classe média; no caso de [Sheila] Torrance e Athow, o regime burguês de Saddam Hussein.”
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“A retórica de Athow sobre a possibilidade de uma vitória militar iraquiana foi criminosamente irresponsável. Uma derrota militar completa da coalizão dominada pelos EUA não era apenas improvável, mas virtualmente impossível, dado que o Iraque, uma nação de 17 milhões de pessoas, estava isolada e sob bloqueio, enquanto se via diante de uma coalizão de todos os principais países imperialistas, equipados com um poder aéreo inconteste e um vasto arsenal de armas nucleares. Enquanto a luta permanecesse sendo puramente militar, o seu resultado não poderia estar em dúvida. Apenas a intervenção da classe trabalhadora nos Estados Unidos e internacionalmente poderia ter evitado a derrota avassaladora do Iraque, que aconteceu entre 16 de janeiro e 28 de fevereiro.”
— Desert Slaughter: The Imperialist War Against Iraq, Labor Publications, 1991, pp. 370-72
David North respondeu de uma forma similar às críticas da SL e da Revolutionary Workers League:
“Derrotismo revolucionário não é algum tipo de ladainha radical. Não é sair por aí gritando de forma falida, vazia e completamente sem sentido, pela derrota militar do imperialismo norte-americano. Nós não confiamos a outros a tarefa que somente a classe trabalhadora, armada com uma liderança revolucionária, pode alcançar. Isto é, a nossa concepção de derrotismo revolucionário não é lutar até o último iraquiano. Não é agir como líderes-de-torcida para as forças militares de Saddam Hussein.”
― Idem, p. 474
Esses argumentos irão, é claro, soar muito familiares para aqueles que leram Workers Vanguard nos últimos meses.
Os camaradas nesta sala que estavam presentes nos anos 1960 também provavelmente vão se lembrar de muitos argumentos pseudo-ortodoxos similares usados pelo Socialist Workers Party como forma de encobrir a sua recusa em chamar pela vitória militar da FLN [Frente de Liberação Nacional] no Vietnã. Ao usar esse tipo de argumento, a SL está seguindo os passos de uma longa fileira de outras organizações que abandonaram o marxismo.
Há uma década, a SL me recrutou da Workers League ao me convencer completamente de que todos esses “argumentos” eram na realidade racionalizações para traições e para “impulsos de outras classes”. Uma década depois, a SL está usando essencialmente as mesmas racionalizações para as suas próprias traições.
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LCI no Afeganistão: Sabichões ‘Realistas’
[O texto a seguir é uma reconstrução, feita a partir de anotações, da intervenção realizada por Samuel Trachtenberg em um encontro do Spartacus Youth Clubs (SYC), o grupo de juventude da Liga Espartaquista dos Estados Unidos (SL), em Nova Iorque em 12 de fevereiro de 2002].
O camarada do SYC mencionou que a organização dele defende o Afeganistão, mas sem discutir porque, então, eles não chamam pela derrota do imperialismo dos EUA. O que significa defender o Afeganistão sem chamar pela derrota do imperialismo dos EUA? – que a SL “defende” o Afeganistão apenas buscando minimizar o dano infligido sobre esse país? Já que a SL afirma não chamar pela derrota dos EUA porque diz que a luta dos afegãos seria militarmente inútil, essa é a única conclusão que eu posso tirar.
Se nós aceitarmos a premissa que a SL adota sobre a inutilidade militar de qualquer luta dos afegãos, o que a SL sugere que eles façam? Permitam que os EUA tomem completamente o país?
Marx acreditava que os trabalhadores que lançaram a Comuna de Paris estavam condenados à derrota de um ponto de vista puramente militar; ainda assim ele chamou pela vitória deles [1].
Na atual edição de “1917”, nós citamos os comentários de Lenin em “O Socialismo e a Guerra”:
“ ‘Uma classe revolucionária não pode fazer nada além de desejar a derrota do seu governo em uma guerra reacionária, e não pode falhar em ver que o revés militar deste governo deve facilitar a sua derrubada’; e em uma guerra do Marrocos contra a França, ou da Índia contra a Grã-Bretanha, ‘qualquer socialista desejaria a vitória dos Estados oprimidos, dependentes ou em nível de desigualdadecontra as ‘grandes potências’ opressoras, escravizadoras e predatórias”. [ênfase adicionada]
Lenin chamou pela derrota do imperialismo em colônias tão subdesenvolvidas como o Afeganistão é hoje. A luta entre o imperialismo e o Terceiro Mundo sempre foi desigual, mas apenas os kautskistas mais miseráveis usam isso como um desculpa para se absterem de uma posição de derrotismo revolucionário, ao contraporem a isso à “luta de classes em casa” [2]. Ao levantar a questão nesses termos, a SL está apenas realizando uma evasiva oportunista. Quer seja o imperialismo forçado a se retirar pela resistência dos afegãos, pela classe trabalhadora dos EUA, ou como resultado da luta de classes em outras partes do mundo, uma derrota é uma derrota.
Sobre como, teoricamente, a “ralé fundamentalista” poderia expulsar os EUA “sem terem nem mesmo um exército”? Bom, o “Jihad Islâmico” expulsou os EUA do Líbano explodindo o quartel dos fuzileiros navais em 1983. É claro que, nesse caso, a SL covardemente recuou e negou que isso fosse um ataque militarmente apoiável contra o imperialismo.
Para concluir, eu gostaria de relatar uma conversa interessante que tive hoje com uma amiga que, nos anos da escola, também foi parte do grupo de juventude da organização dirigida por David North [os Young Socialists, afiliado à Workers League, hoje conhecido como Partido da Igualdade Socialista (SEP)]. Quando eu deixei o grupo de David North com base na recusa deles em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA durante a Guerra do Golfo, ela e outro membro da juventude deixaram o grupo junto comigo. Infelizmente, ambos ficaram muito desgastados pela sua experiência com a versão de North do Healyismo para quererem continuar na política, mas eles foram assinantes de Workers Vanguard por mais alguns anos depois que eu entrei para o SYC/SL. Não tendo acompanhado a SL por muitos anos, minha amiga examinou essa nova posição sobre o Afeganistão e, lembrando-se da posição sobre derrotar o imperialismo dos EUA na época que ela deixou o grupo de North, comentou “Uau, parece que a SL realmente perdeu a cabeça”.
NOTAS
[1] Em 1907, Lenin escreveu o seguinte:
“Marx, em Setembro de 1870, seis meses antes da Comuna, tinha advertido francamente os trabalhadores franceses: a insurreição seria uma loucura, disse ele no famoso Manifesto da Internacional. Denunciou antecipadamente as ilusões nacionalistas sobre a possibilidade de um movimento no gênero do de 1792. Soube dizer, não depois dos acontecimentos, mas muitos meses antes: ‘Não se deve pegar em armas’.”
“E qual foi a posição de Marx quando esta empreitada desesperada, segundo a sua própria declaração de Setembro, começou a tomar corpo em março de 1871? Terá Marx aproveitado a ocasião (como Plekhanov em relação aos acontecimentos de dezembro) somente para ‘humilhar’ os seus adversários, os proudhonianos e os blanquistas que dirigiam a Comuna? Ter-se-á posto a rabujar como um bedel: ‘Bem vos tinha dito, bem vos tinha prevenido, aí tendes onde levam o vosso romantismo, os vossos delírios revolucionários’? Terá dirigido aos comunardos, como Plekhanov aos combatentes de dezembro, o seu sermão de filisteu satisfeito consigo mesmo: ‘Não se devia ter pegado em armas’?
…
“Oh! Como teriam, nessa altura, troçado de Marx os nossos ‘realistas’, os nossos sabichões do marxismo, que na Rússia de 1906-1907 vituperam contra o romantismo revolucionário! Como teriam troçado do materialista, do economista, do inimigo das utopias que admira a ‘tentativa’ de tomar o céu de assalto! Quantas lágrimas de compaixão ou risos condescendentes não teriam proferido estes homens esclerosados perante essas tendências revoltosas, esse utopismo, etc., etc...”.
…
“Na sua resposta a Marx, Kugelmann manifestou, provavelmente, algumas dúvidas, aludindo ao caráter desesperado da empreitada, ao realismo em oposição ao romantismo…”.
“Marx, imediatamente (em 17 de Abril de 1871), dá uma severa réplica a Kugelmann:”
“‘Seria, evidentemente, muito cômodo fazer a história universal, se somente com infalíveis probabilidades de êxito se travasse a luta.’”
“Marx também sabia ver que há momentos na História em que uma luta encarniçada das massas, mesmo por uma causa sem perspectiva, é indispensável para a educação ulterior dessas massas, para prepara-las para a luta seguinte.”
― Do “Prefacio à Tradução Russa das Cartas de K. Marx a L. Kugelmann”, Obras Completas.
― Do “Prefacio à Tradução Russa das Cartas de K. Marx a L. Kugelmann”, Obras Completas.
[2] Lenin não tinha nada além de desprezo por aqueles autoproclamados socialistas que zombaram do Levante de Páscoa em Dublin (Irlanda), em 1916, como um “putsch” condenado ao fracasso em razão da força esmagadora do imperialismo britânico. Ele comentou:
“A dialética da história é tal que as pequenas nações, desprovidas de poder como um fator independente na luta contra o imperialismo, desempenham um papel como um dos fermentadores, um dos bacilos, que ajudam a verdadeira força anti-imperialista, o proletariado socialista, a aparecer em cena.”
― “Discussão sobre a Autodeterminação” (1916), Obras Completas.