PCO, Partido Obrero e as frentes populares
Rodolfo Kaleb, fevereiro de 2013
No ano passado, o Partido da Causa Operária (PCO) foi uma das organizações na esquerda brasileira que criticou a candidatura de colaboração de classes do PSTU com PCdoB e PSOL em Belém do Pará [1]. O PCO caracterizou esse bloco como uma frente popular e mostrou a subordinação dos seus componentes à burguesia, criticando especialmente o PSTU (a “ala esquerda” dessa coalizão) pela sua permanência na frente mesmo após a denúncia de que Edmilson Rodrigues (PSOL), o candidato a prefeito, recebia dinheiro de grandes empresas para financiar sua campanha. O problema com essas críticas do PCO é que elas tentam enganar o leitor deixando a entender que este grupo apresenta uma alternativa consistente de oposição às frentes populares, o que está muito longe de ser verdade.
A frente popular — um bloco programático, normalmente pelo poder governamental, entre organizações de trabalhadores e representantes da burguesia — é uma das questões fundamentais que separam os trotskistas do reformismo socialdemocrata, stalinista e das muitas variantes do centrismo (inclusive aquelas que indevidamente se reivindicam “trotskistas”). Os trotskistas autênticos não consideram a frente popular uma “tática”, mas sim um crime contra o proletariado. Ela necessariamente atrela a classe trabalhadora a um setor ou outro da burguesia e impede a preparação do proletariado para o exercício de seu poder como classe em oposição aos patrões e seus partidos.
Por seu caráter e pelo papel que cumpre, é fundamental por parte dos revolucionários uma oposição firme à política de colaboração de classes da frente popular. Não à toa, dentro das fileiras da Quarta Internacional essa era uma questão de princípios, de “vida ou morte” para os que tinham por objetivo final a revolução socialista. No Brasil, as frentes populares não são um fenômeno de forma alguma novo, mas muitos dos grupos que reivindicam ser genuinamente revolucionários em nosso país já cometeram capitulações relacionadas a dar apoio político (às vezes “crítico”, às vezes entusiástico) a frentes populares.
As frentes populares do PT
Desde o fim dos anos 1980, o Partido dos Trabalhadores encabeçou várias frentes com políticos e partidos da burguesia até conseguir ser eleito em 2002, quando passou a desempenhar o papel de representante principal da burguesia brasileira nos ataques à classe trabalhadora. É inegável que a frente popular do PT passou por transformações ao longo dos anos. O discurso e a propaganda do PT foram tornando-se cada vez mais moderados para agradar a setores mais amplos da classe dominante. Isso se refletiu num crescimento da sua coalizão burguesa: se em 1989 a candidatura petista agregava apenas alguns setores minoritários da burguesia, desde 2002 ela incluiu alguns dos maiores partidos burgueses do país e, inclusive, tendências de extrema direita dessa classe (como o Partido Progressista de Jair Bolsonaro). Mas essas transformações são quantitativas e não mudam o fato de que, ao menos desde 1989, as candidaturas petistas eram dominadas politicamente pela burguesia.
Em um artigo de 2009, o PCO reconheceu o caráter de todas as candidaturas petistas desde 1989 como frentes de colaboração de classes:
“A Frente Brasil Popular de 1989, para o movimento operário, ou seja, para uma política de classe, revolucionária, não se distingue na sua essência das posteriores. Todas foram uma aliança com a burguesia, com um programa capitalista e proimperialista. Para os partidos pequeno-burgueses o que importa na definição da sua política não é a natureza de classe dos fenômenos políticos, mas a sua aparência, o que revela o caráter completamente antimarxista da sua doutrina e da sua política prática.”
“Lula e a cúpula petista, juntamente com seus aliados burgueses, buscaram canalizar todas as expectativas das organizações operárias para o terreno eleitoral, para estrangular todo o movimento grevista. A palavra-de-ordem do PT foi a de que ‘as greves atrapalham a candidatura de Lula’. Assim, elaboraram explicitamente uma política de acordo com toda a burguesia, um compromisso de manter a disputa no terreno estabelecido pela própria burguesia, num terreno controlado pela própria burguesia.”
O Significado da formação da Frente Brasil Popular, 13 de setembro de 2009. Disponível em
http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934
Ao criticar atualmente as posições frentepopulistas do PSOL e do PSTU, o PCO tenta passar uma imagem “ortodoxa” de oposição em geral às frentes de colaboração de classes. Mas o atual discurso do PCO contradiz os seus próprios atos passados. Os famosos slogans do PCO, “Trabalhador vota em trabalhador” e “Quem bate cartão não vota em patrão”, nem sempre foram seguidos à risca por Rui Costa Pimenta e seus companheiros. De fato, o PCO apoiou as candidaturas frentepopulistas do PT de Lula nos anos 80 e 90 e nutriu enormes ilusões sobre o caráter supostamente “operário” dessas frentes em seus primeiros anos.
O PCO afirma atualmente que a Frente Brasil Popular de 1989 “não se distingue na sua essência das posteriores”, mas continua sustentando a posição que teve na época, de apoio eleitoral e participação (como corrente interna do PT) nessa frente popular. Na verdade, o PCO sequer parece ter problemas em reproduzir suas notas da época, o que demonstra a sua total falta de coerência interna ao criticar a mais recente traição do PSTU.
PCO: falta de coerência e ausência de autocrítica
Em uma de suas declarações sobre a frente de Belém, o PCO acusou o PSTU de realizar vários “malabarismos” para justificar o seu apoio a uma frente popular. Mas muitos desses mesmos “malabarismos” estavam também presentes na própria política da tendência Causa Operária nas frentes populares dos anos 80 e 90. O PCO criticou o PSTU, por exemplo, por identificar a candidatura de Edmilson Rodrigues, financiada pela burguesia, com a classe trabalhadora:
“O PSTU, no entanto, apresentou a candidatura de Edmilson como uma candidatura representante dos operários: ‘A candidatura de Edmilson Rodrigues canaliza hoje um sentimento de oposição de esquerda ao governo federal e também de experiência com a prefeitura do PTB, que levou a cidade à beira da destruição (…). Algumas pesquisas apontam 37%. Na classe operária, que tem grande simpatia por Edmilson, esse percentual é ainda maior’.”
“O elevado número de votos em Edmilson não seria porque este é um candidato da burguesia de Belém, para o PSTU, mas porque a classe operária tem grande simpatia por ele. A questão que fica é como um candidato que é da classe operária poderia ter sua campanha financiada por empresários. Por que os empresários financiariam um candidato que iria se opor a eles caso viesse a se eleger?”
Depois de eleger vereador, PSTU vira ‘crítico’, 27 de outubro de 2012.
Disponível em: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=38711
Uma excelente pergunta. Mas eis o que Causa Operária escreveu em 1989, diante da candidatura petista de aliança com a burguesia:
“Da mesma forma que nas eleições municipais – e com maior intensidade – o PT tende a expressar no terreno das eleições presidenciais as tendências combativas e classistas das massas”.
“Este é um fenômeno objetivo. Agruparam-se em torno da candidatura de Lula o conjunto dos ativistas sindicais e populares urbanos e o explosivo movimento dos trabalhadores rurais. Suas lideranças veem na candidatura de Lula a expressão política mais geral da luta reivindicativa que desenvolvem no dia a dia. Esperam que esta candidatura dê uma perspectiva de resolução do seu ponto de vista, do ponto de vista da luta dos operários e rurais ao problema dos salários, da terra, das condições de vida, da dívida externa etc.”.
“A candidatura de Lula tende a tornar-se, portanto, a expressão objetiva dos multitudinários movimentos de luta dos últimos anos, colocando-os no centro da cena política, na disputa pelo governo federal, dando-lhes naturalmente um caráter nacional e unitário e colocando-os diretamente e explicitamente em relação ao poder do Estado”.
Causa Operária No. 83, 1ª quinzena de janeiro de 1989. Citado em
http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934
Pode-se, com razão, perguntar ao PCO “por que os empresários financiariam um candidato” (Lula) que supostamente “tendia a expressar no terreno das eleições presidenciais as tendências combativas e classistas das massas”? Tomando em consideração a afirmação atual do PCO de que a frente popular de 1989 representava “uma aliança com a burguesia, com um programa capitalista e proimperialista” e o fato de que ela foi apoiada por setores da burguesia (como o candidato a vice-presidente e latifundiário José Paulo Bisol), então aparentemente o PCO acredita que possa haver um programa e uma coalizão burgueses que sejam, ao mesmo tempo, “expressão objetiva dos multitudinários movimentos de luta”. Caso contrário, teria realizado uma autocrítica de quando assumiu postura semelhante àquela do PSTU, que hoje ataca com ares de ortodoxia trotskista. Mas, na ausência de tal autocrítica, a autoridade do PCO como crítico da traição cometida pelo PSTU em Belém cai por terra, junto com a coerência de seus argumentos.
Diferente desse “malabarismo” utilizado pela Causa Operária em 1989 e com o qual o PCO parece estar confortável até os dias de hoje, Leon Trotsky defendia uma perspectiva absolutamente diferente em relação a blocos de colaboração de classe:
“A Frente Popular nos diz, não sem revolta, que não é um cartel, em absoluto, mas um movimento de massa. É verdade que não faltam definições pomposas, mas elas não mudam as coisas. O objetivo do cartel sempre foi o de frear o movimento de massa, orientando-o para a colaboração de classes. A Frente Popular tem exatamente o mesmo objetivo. A diferença entre eles – e não é pequena – é que o cartel tradicional foi aplicado nas épocas de estabilidade e de calma do regime parlamentar. Hoje, com as massas impacientes e prontas a explodir, tornou-se necessário um freio mais sólido, com a participação dos ‘comunistas’. Os atos comuns, as marchas espetaculares, os juramentos, a união da bandeira da Comuna [de Paris] com a bandeira de Versalhes, a gritaria, a demagogia, tudo isso não tem mais que um objetivo: conter e desmoralizar o movimento de massa.”
A França na Encruzilhada, março de 1936.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/03/28.htm
A “tática” do apoio crítico: mais malabarismos
Em suas polêmicas com o PSTU, o PCO também comentou o fato de que depois do primeiro turno das eleições (e de ter elegido um vereador enquanto coligado com PSOL e PCdoB), o PSTU se retirou da frente de Belém, mas seguiu chamando “voto crítico” nessa frente popular, dizendo que fazia isso “contra a burguesia”:
“O PSTU chama então voto ‘crítico’ em Edmilson ‘para derrotar a burguesia’, apesar de a burguesia estar com Edmilson.”
Acordo eleitoral com o ‘governista’ PCdoB expõe a farsa do PSTU, 4 de julho de 2012. Disponível em
http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=37023
Mas o que o PCO fez nos anos 80 e 90? Nessas ocasiões, o PCO “apoiou criticamente” a candidatura burguesa de frente popular do PT ao mesmo tempo em que dizia lutar contra a colaboração de classes (!). Ao comentar sobre suas posições políticas daquela época, o PCO tentou justifica-las dizendo que:
“Em 1989, Causa Operária chamou a votar em Lula e no PT, mas com um programa de luta que se opusesse a todas essas alianças com a burguesia…”.
O PT e a Frente Brasil Popular de 1989, 30 de julho de 2009.Disponível em http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=15797
“Em 1994, o PCO apoiou criticamente a candidatura de Lula com seu programa socialista e revolucionário, tendo como eixo um governo operário e denunciando a frente popular como uma política de traição à classe operária.”
Nota sobre a história do Partido da Causa Operária, sem data. Disponível em http://www.pco.org.br/pco/notas.htm
Como é possível apoiar eleitoralmente a Frente Brasil Popular levantando um “programa de luta que se opusesse a todas as alianças com a burguesia” se a coligação era precisamente uma aliança com a classe dominante? Por que “apoiar criticamente” a candidatura de Lula ao mesmo tempo em que se afirma abertamente que essa frente popular era uma “política de traição à classe operária”? Essas “justificativas” são idênticas às que são atualmente sustentadas pelo PSTU com relação à frente de Belém. A única diferença é que a candidatura do PT era muito mais poderosa e agregava mais setores da burguesia e que o PCO está, pela sua atual localização na esquerda brasileira, menos inclinado nesse momento a entrar em uma frente popular. Mas fica claro que a “oposição” do PCO à frente popular não é uma questão de princípios, o que não impede que ela se repita no futuro.
Novamente, diferente dos malabarismos aos quais recorre o PCO, a política de Trotsky, que nós reivindicamos como a correta, com relação a esse tipo de aliança com a burguesia não era de “apoio crítico”, nem eleitoral, nem “tático” e nem “técnico”:
“A questão das questões atualmente é a Frente Popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como tática ou mesmo como uma manobra técnica, a fim de poder vender as suas mercadorias na sombra da Frente Popular. Na realidade, a Frente Popular é a questão principal da estratégia da classe operária nesta época. Também confere o melhor critério para diferenciar o menchevismo do bolchevismo.”
A seção holandesa e a Internacional, julho de 1936.
Ainda mais malabarismos: embelezando a frente popular
Em um de seus artigos recentes, o PCO criticou o PSTU por esconder o caráter de classe da sua frente popular de Belém ao embelezar os seus companheiros de bloco:
“O PSTU mostra isso sim, como uma organização que se diz ‘revolucionária’ e ‘socialista’ pode fazer uma aliança com um partido burguês nas eleições: basta dizer que ele não é um partido burguês! Assim os ‘revolucionários’ do PSTU pretendem justificar suas presepadas, tanto no movimento operário, quanto nas eleições burguesas. Ou é disso que se trata, ou todos seriam obrigados a acreditar na existência de um partido ‘sem classe’, mas que governa para a burguesia.”
Acordo eleitoral com o ‘governista’ PCdoB expõe a farsa do PSTU, 4 de julho de 2012. Disponível em
http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=37023
Mas as posições do PCO sobre a candidatura petista de 1989 também contém uma tentativa similar de definir setores da burguesia que compunham a frente popular como algo “sem caráter de classe”. Hoje em dia, o PCO afirma sem rodeios o caráter de classe do candidato a vice-presidente da frente de 1989:
“Na edição de Causa Operária desta semana, seguindo as comemorações dos 30 anos do jornal, iremos mostrar como o PT se integrou totalmente ao regime burguês com a aliança com o político burguês Paulo Bisol e a criação da Frente Brasil Popular de 1989 que foi fundamental em criar as condições para o ataque das duas últimas décadas contra os trabalhadores e suas condições de vida” (ênfase nossa).
O PT e a Frente Brasil Popular de 1989, 30 de julho de 2009. Disponível em http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=15797
Mas na época, o jornal Causa Operária escreveu que:
“O senador José Paulo Bisol é uma sombra da burguesia, não a burguesia ela mesma. Ele não representa a burguesia, mas também não tem representatividade entre a classe operária e as massas populares. É um nada político.”
Causa Operária No. 83, 1ª quinzena de janeiro de 1989. Citado no mesmo artigo.
“Sombra da burguesia” foi o termo que Trotsky usou para se referir aos elementos burgueses na Frente Popular durante a guerra civil espanhola. A burguesia enquanto classe apoiou Franco quase inteiramente, mas os stalinistas e socialdemocratas fizeram tudo ao seu alcance para manter alguns representantes políticos e ideológicos da classe dominante na sua aliança. Isso foi feito como uma garantia por parte de Stalin aos seus futuros aliados imperialistas de que a Espanha teria um futuro burguês. A questão era que, mesmo sendo pequeno o seu peso social, a “sombra da burguesia” era decisiva. A escolha do termo pelo PCO em 1989 é oportunista sob esse ponto de vista, pois busca minimizar a influência e o caráter burguês da coalizão de frente popular dizendo que Bisol “não representa a burguesia”.
Bisol representava muito mais que um “nada político”. O PCO talvez devesse aplicar a si mesmo a sua crítica com relação aos “revolucionários” que (ao embelezar os componentes capitalistas desta) se esquivam de caracterizar inequivocamente a frente popular como uma coalizão burguesa.
Algumas conclusões
Em um dos seus artigos recentes sobre a questão das frentes populares, o PCO sustenta a visão de que:
“Ainda hoje, inúmeros grupos que se consideram revolucionários fazem uma distinção entre aquela frente de colaboração de classes [de 1989] e as posteriores realizadas pelo PT, tomando a aparência pela realidade. Muitos que apoiaram a candidatura de Lula em 1989 recusaram-se a apoiá-la nos anos posteriores, revelando que são partidários de uma política de colaboração de classes com um verniz esquerdista, mas não de uma política de independência de classe.”
O Significado da formação da Frente Brasil Popular, 13 de setembro de 2009. Disponível em
http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934
De acordo com os próprios critérios do PCO, só podemos concluir que seus dirigentes são “partidários de uma política de colaboração de classes com um verniz esquerdista”, mas não de uma política consistente de independência da classe trabalhadora.
O PCO nunca realizou um balanço da sua política de apoio às primeiras frentes populares do PT e segue (de forma um tanto quanto confusa) reivindicando seu apoio eleitoral e suas ilusões da época ao mesmo tempo em que acusa de oportunistas aqueles que fizeram precisamente o mesmo. Essa posição esquizofrênica é uma tentativa de encobrir a identificação oportunista que o PCO fez entre a frente popular e os interesses da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, permitir à organização posar como uma alternativa mais militante em suas críticas atuais aos seus adversários na esquerda.
Como dissemos, os trotskistas se opõem por princípio às frentes populares e à colaboração política com a classe dominante. Para o PCO, entretanto, parece que o apoio ou não a uma frente popular é algo que depende da “aparência” mais ou menos radical que ela apresente e dos seus interesses organizativos mais imediatos, o que revela (segundo suas próprias palavras citadas acima) “o caráter completamente antimarxista da sua doutrina e da sua política prática”.
As raízes políticas do PCO e o legado revisionista sobre a frente popular
Se a questão da frente popular era, na época de Trotsky, a “questão principal da estratégia da classe operária”, ela possui hoje importância equivalente. Ironicamente, a maior parte das organizações surgidas após a destruição da Quarta Internacional pelo revisionismo retrocedeu às mesmas concepções combatidas por Trotsky em seu tempo: identificar a frente popular com a classe trabalhadora, defender o apoio eleitoral a elas como algo “tático”, e mesmo tornar-se parte integrante de algumas. A tradição política da qual se original o PCO não foge disso.
Ela remonta ao dirigente do Partido Obrero (PO) argentino, Jorge Altamira, com cuja “internacional” o PCO rompeu relações há poucos anos atrás. Até hoje, nem o PCO nem a “Coordenação pela Refundação da Quarta Internacional” (CRQI, liderada pelo PO) esclareceram publicamente os motivos do seu racha. Se existem razões político-organizativas relevantes para o fim de uma relação internacional que durou por décadas, então qualquer grupo que afirme lutar para reconstruir a Quarta Internacional em tantos países quanto possível deve explicar porque abandonou seus companheiros brasileiros (no caso da CRQI) ou o agrupamento internacional do qual fazia parte (no caso do PCO). Mas não: o CRQI lançou o seu novo grupo brasileiro (que publica o jornal “Tribuna Classista” e ao qual é ligado o professor da USP Osvaldo Coggiola) sem explicar direito porque abandonou seus velhos amigos; o PCO até hoje não falou sequer uma palavra sobre o assunto publicamente. Seja qual tenha sido a razão para o rompimento, o silêncio de ambos os lados indica uma forte tendência a minimizar a importância da questão da Internacional e de que o CRQI não é uma “internacional” centralizada em torno de políticas concretas, mas uma federação de grupos reunidos por conveniência.
Assim como o PCO não explicou suas razões mais imediatas para romper com Altamira, ele também não buscou fazer nenhum tipo de balanço crítico do legado deste dirigente, nem com relação à questão da frente popular, nem com qualquer outro tema relevante para os que se reivindicam trotskistas.
Como muitos pseudotrotskistas, o grupo de Altamira já realizou diversas polêmicas com outras correntes da esquerda denunciando-as por apoiar frentes populares [2]. Porém, no que pode ser considerado um precedente para a atual posição contraditória (e hipócrita) do PCO, a corrente altamirista também jamais foi consistente em defender uma política de independência da classe trabalhadora.
Muitos anos antes das eleições brasileiras, a corrente de Altamira já reivindicava posições frentepopulistas, como aquela aplicada por seus então parceiros internacionais do POR (Partido Operário Revolucionário) boliviano (associado ao dirigente histórico Guillermo Lora) em 1971. Na situação potencialmente revolucionária em que vivia a Bolívia naquele momento, o partido de Lora realizou um bloco com a fração burguesa dirigida pelo General Torres, que havia sido deposto do cargo de presidente, sob a fachada de uma suposta “frente revolucionária anti-imperialista”. Essa “frente revolucionária” com o “general patriótico” e ex-presidente do regime burguês, ainda que não fosse durante uma disputa eleitoral, se tratava de uma frente popular. Ela serviu igualmente bem para iludir os trabalhadores mais avançados sobre o caráter supostamente “anti-imperialista” desse setor da burguesia boliviana. Essa política foi apoiada pelo grupo argentino de Altamira, então chamado Política Obrera, que se reuniria com Lora em uma “Conferência Latino-americana” no ano seguinte. Os dois dirigentes só se separariam no fim dos anos 1980.
Logo Altamira daria um exemplo de como seria uma “frente anti-imperialista” em seu próprio terreno nacional. Durante a redemocratização argentina no início dos anos 1980, a corrente altamirista (já chamada de Partido Obrero) fez um chamado recorrente pela formação de uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda” para as eleições de 1983. Essa frente incluiria, além do partido stalinista pró-moscou, do partido socialdemocrata e de correntes maoístas, também a “ala de esquerda” do movimento peronista (nacionalista burguês). Essa “esquerda peronista” incluía personagens e partidos historicamente comprometidos com a classe dominante e com a manutenção do capitalismo. Essa frente não chegou a se realizar porque nenhum desses setores quis entrar em negociações com Altamira e lançaram suas próprias frentes eleitorais burguesas. Mas isso deixou claro que, mesmo antes do apoio e participação na frente popular brasileira de 1989 (e em diante), a corrente de Altamira já visava aplicar uma política de conciliação de classes.
Um exemplo mais recente do apoio a coalizões burguesas foi quando Altamira defendeu votar por Evo Morales nas eleições bolivianas de 2005. A Bolívia vivia novamente um momento de lutas de classe incandescentes, que haviam levado à queda de um presidente e à convocação de eleições antecipadas. Nesse contexto, a candidatura do MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales cumpria um papel claro de contenção social dos protestos do proletariado, dos camponeses pobres e povos indígenas, buscando manter os limites do capitalismo ao mesmo tempo em que sustentava uma retórica nacionalista/indigenista. A candidatura do MAS buscou o apoio de setores da burguesia e reivindicou a construção de um “capitalismo andino” com algumas reformas e nacionalizações dentro dos marcos capitalistas. Morales também se identificava com os governos burgueses de Lula e Kirchner. Apesar de reconhecer isso, o PO de Altamira defendeu votar em Morales como uma forma de supostamente “golpear o imperialismo”. Esses eventos ocorreram quando o PCO ainda estava associado com Altamira e o grupo brasileiro seguiu seu mentor nessa capitulação, embora hoje evite falar muito sobre o assunto [3].
(Para uma discussão mais fundamentada sobre essas posições, leia o apêndice ao final deste artigo).
Nós não temos a menor expectativa de que os dirigentes do PCO estejam interessados em fazer um balanço honesto da sua contribuição e seu seguidismo dos erros e desvios da corrente de Altamira ao longo dos anos. Eles preferem manter um silêncio com relação a todo esse histórico de capitulações, assim como sobre o motivo imediato de seu rompimento. Altamira teve um papel chave no desenvolvimento e na história do PCO (inclusive por influenciar suas decisões de votar pelas frentes populares brasileiras), mas, ao manter suas posições dessa época sem nenhum balanço crítico, com o objetivo de sustentar as aparências, os dirigentes do PCO não se mostram melhores do que ele. Consequentemente, não podemos ver na ruptura entre os dois uma guinada minimamente relevante do PCO à esquerda de seus antigos companheiros.
Os militantes e apoiadores mais conscientes do PCO, que prezem pela coerência da oposição trotskista à colaboração de classes, devem enxergar através da “cortina de fumaça” montada pelos dirigentes de sua organização. Uma atitude mais do que comum entre as correntes centristas é usar uma questão de princípio da política revolucionária para criticar seus adversários na esquerda quando é conveniente, ignorando ou escondendo que a própria corrente que faz a crítica lidou de forma similarmente revisionista com tal questão em outras ocasiões. Além de oportunista, esse método contribui para disseminar uma enorme confusão entre os militantes honestos que reivindicam o trotskismo.
Sem um estudo prévio mais profundo da história das organizações que se usam dessa prática, um militante que se opõe à frente popular pode ser levado, por exemplo, a enxergar sinceridade em uma “crítica” contra a frente popular por parte de um Moreno, de um Altamira ou de um Rui Costa Pimenta. Todos eles denunciaram capitulações de outros grupos a frentes populares (algumas vezes entre si), mas todos também capitularam a frentes populares em determinados momentos. Por isso, um importante trabalho dos revolucionários é mostrar a falsidade e o oportunismo de tais posições, expondo as contradições dos seus autores. Somente assim é possível reunir o melhor da vanguarda que se reivindica revolucionária sob uma bandeira e um programa que representem de forma consistente a perspectiva trotskista (que tem como uma de suas marcas a independência da classe trabalhadora). Esse é um requisito indispensável para as futuras vitórias do proletariado.
Notas
[1] Para a crítica e análise do Reagrupamento Revolucionário, conferir “A Frente de Belém na Lógica do Morenismo”, de agosto de 2012. Disponível em: https://rr4i.milharal.org/2012/08/25/a-frente-de-belem-psol-pstu-pcdob-na-logica-do-morenismo/
[2] A corrente de Altamira muitas vezes reivindicou uma posição ortodoxa sobre a frente popular sem que isso a impedisse de tomar posições oportunistas em outros momentos. Em várias ocasiões, denunciou outras correntes na esquerda por capitular a frentes populares, como foi o caso do efêmero bloco entre as correntes de Nahuel Moreno (liderada pelo PST argentino) e Pierre Lambert (cuja seção principal era a OCI francesa). O “Comitê Internacional” Moreno/Lambert (1980-81) recebeu, dentre outras, a seguinte crítica do Partido Obrero argentino no fim dos anos 90:
“A base política de sua unificação foi o apoio à frente popular, encabeçada na França por Mitterrand. Nesse sentido, o ‘recorde’ do Comitê Internacional é verdadeiramente impressionante considerando que apenas subsistiu por nove meses: apoio à frente popular francesa encabeçada por Mitterrand (à qual a OCI dizia que pretendia destruir a V República, quer dizer, lhe atribuía um objetivo revolucionário); apoio à frente com a burguesia na Nicarágua; pediu o ingresso (do PST) à ‘multipartidária’ dos principais partidos patronais da Argentina; a reivindicação de que a Constituinte peruana (quer dizer, o parlamento burguês — no qual uma frente única que integrava os partidos do CI havia conseguido 12% dos votos) tomasse o poder para ‘resolver as contradições do povo explorado’. A lista segue: Bolívia, El Salvador, Brasil…”.
La cuestión del programa, Luís Oviedo, EDM No. 16, março de 1997
[3] Em um sumário da edição especial do jornal Causa Operária de dezembro de 2005 (http://www.pco.org.br/causaoperaria/2005/412/sumario.htm) há um artigo intitulado “Chamamos a votar em Evo Morales e no MAS”. O curioso é que, apesar dessa declaração explícita de apoio à candidatura de Evo Morales (em consonância com a linha dos seus então parceiros internacionais do Partido Obrero), o artigo em questão não estava disponível no site do PCO e também não é possível encontrar nenhuma declaração online do PCO à época sobre esse tema, como se o assunto tivesse sido sutilmente posto debaixo do tapete nas publicações do PCO na internet.
Apêndice
A trajetória de colaboração de classes do Partido Obrero argentino
Reunimos a seguir, na forma de apêndice, uma breve discussão sobre momentos da trajetória do Partido Obrero argentino de Jorge Altamira, ao qual o PCO esteve até recentemente ligado e ao qual deve em grande parte as suas origens políticas – das quais até hoje não foi capaz de realizar um balanço crítico. Esse resumo tem por objetivo apresentar ao leitor uma compilação das principais capitulações cometidas pelos “altamiristas” no que diz respeito à política traidora da colaboração de classes.
(1) A associação ao POR boliviano e sua “frente revolucionária anti-imperialista” (1971)
Em julho de 1972 foi celebrada uma “Conferência Latino-americana”, que reuniu o Partido Obrero Revolucionário, associado a Guillermo Lora e o grupo liderado por Jorge Altamira (então chamado Política Obrera) com a corrente dirigida por Pierre Lambert e a OCI francesa (que então publicava o periódico La Vérité). Uma das bases da formação desse agrupamento foi o apoio dessas correntes à política adotada pelo POR boliviano em 1971. Inclusive a OCI, que antes tinha críticas à linha do POR, deixou-as de lado com o objetivo de formar uma “Internacional” com bases políticas extremamente oportunistas. E qual foi a política do POR boliviano que serviu de base a essa fusão?
Em 1971, o então presidente da Bolívia, o general “patriótico” J. J. Torres, foi derrubado por um golpe militar reacionário. Durante a organização da resistência ao golpe, o POR (uma das poucas organizações trotskistas que possuiu influência de massas) desempenhava um papel de destaque na esquerda boliviana. Entretanto, a sua política não foi de denúncia implacável da burguesia nacional (incluindo Torres) e dos seus aliados reformistas, como o partido stalinista. Ao invés de adotar tal política principista, Lora e seus companheiros formaram um bloco com os reformistas — uma frente popular que subordinava a resistência proletária ao ex-presidente burguês, disfarçada sob a alcunha de “frente revolucionária anti-imperialista”.
Mesmo antes do golpe, o POR apoiou a perspectiva de criar um governo “anti-imperialista” com o general Torres. Isso foi uma expressão do típico etapismo menchevique/stalinista de criar um governo reunindo todas as classes supostamente “progressivas” e “anti-imperialistas” (incluindo a burguesia nacional) como um requisito prévio à luta pelo socialismo. Em um conjunto de teses aprovadas pela COB (principal central sindical dos trabalhadores bolivianos) antes do golpe, escritas pelos próprios dirigentes do POR e nas quais o partido votou, está escrito que:
“Para poder atingir o socialismo, parece ser necessário, antes de tudo, realizar uma unidade de todas as forças revolucionárias anti-imperialistas. A revolução popular anti-imperialista está ligada à luta pelo socialismo. A frente popular é uma aliança de classes relacionadas, e o instrumento unitário para fazer a revolução. A expulsão do imperialismo e a realização das tarefas nacionais e democráticas vão tornar possível a revolução socialista.”
Traduzido da versão citada pela revista teórica da OCI, La Vérité, de outubro de 1970. Citado em “Centrist Debacle in Bolivia”, Workers Vanguard No. 3, dezembro de 1971. Disponível em:
https://rr4i.milharal.org/2010/05/21/desastre-centrista-na-bolivia/
Depois do golpe, a COB (que era largamente influenciada pelo POR) impulsionou uma “Assembleia Popular” que o POR considerou um embrião de duplo poder soviético, o que demonstra a gravidade da situação. Mas a linha do POR era de colaboração com o presidente do regime burguês deposto, não de independência da classe trabalhadora. Em uma declaração assinada juntamente com o Partido Comunista (stalinista), com os grupos nacionalistas de esquerda e pelo próprio general Torres, o POR declarou que:
“Portanto, a necessidade é inegavelmente construir uma unidade de luta de todas as forças progressivas e democráticas para que a grande batalha possa começar em condições de oferecer uma perspectiva real para um governo nacional e popular…”.
“Esta não é uma batalha que diz respeito a apenas um setor do povo explorado, ou apenas uma classe, instituição ou partido (…). Qualquer forma de sectarismo é contrarrevolucionária. Sejamos dignos do sacrifício daqueles que caíram em 21 de agosto defendendo a Bolívia.”
Traduzido da versão citada na edição de 6 de dezembro de 1971 de Intercontinental Press. Citado em “Centrist Debacle in Bolivia”, Workers Vanguard No. 3, dezembro de 1971.
https://rr4i.milharal.org/2010/05/21/desastre-centrista-na-bolivia/
Na sua luta inconsistente contra o frentepopulismo do bloco Moreno-Lambert (montado depois que a OCI lambertista se separou de Lora e Altamira no fim dos anos 70), Altamira reivindicou a política do POR em 1971 como se ela não significasse uma subordinação à burguesia nacional e o POR não tivesse realizado “nenhuma concessão” que comprometesse a luta revolucionária das massas. Ao mesmo tempo, disse que um partido revolucionário não deveria de forma alguma chamar as massas romper com “as forças frentistas aliadas”:
“(…) Mas o que não é puramente ocasional é a tática de Frente Única Anti-imperialista, dirigida a todas as organizações que se encontrem sob a pressão das massas, com vistas a uma luta revolucionária comum.”
“O comando político da COB (outubro de 1970) durou três meses, e o POR defendeu que, em vista da radicalização das massas, ele estava esgotado, e que devia lançar a consigna soviética de Assembleia Popular.”
“A oportunidade da tática da FUA está relacionada com uma situação em que o imobilismo das massas já foi sacudido e, por isso, se abriu a perspectiva, com avanços e retrocessos, de uma prolongada luta anti-imperialista.”
“Na Frente Anti-imperialista, o partido operário deve manter por inteiro a sua independência política. Não pode fazer nenhuma concessão que comprometa a luta revolucionária das massas apenas para manter seus aliados na frente comum. O partido revolucionário não entra na frente na qualidade de seita, mas sim de partido e por isso não tem por finalidade a ruptura, nem se empenha tampouco em uma campanha para que as massas rompam com as forças frentistas aliadas (…). A vigência de uma forma determinada da Frente Anti-imperialista (por exemplo, um bloco de partidos dirigindo uma luta de massas ou uma campanha eleitoral) e sua passagem a outras (sovietes de trabalhadores, camponeses, soldados e nacionalidades oprimidas) incluídas as rupturas, dependem da experiência mesma das massas e das mudanças de conjunto na situação política”.
Las ‘tesis’ del Comité Internacional, por Jorge Altamira e Júlio N. Magri, Internacionalismo No. 3, agosto de 1981. Reimpresso em “No fue un martes negro más” pág. 343.
É chocante o quão distante do trotskismo são estas posições. Trotsky chegou a afirmar que “Não há maior crime do que uma coalizão com a burguesia em um período de revolução socialista” (O Trotskismo e o PSOP, julho de 1939). O revolucionário russo explicou detalhadamente a política dos bolcheviques com relação a esse tipo de frente popular em uma situação revolucionária:
“Esquece-se frequentemente que o maior exemplo histórico de Frente Popular é o da revolução de fevereiro de 1917. De fevereiro a outubro, os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que constituem um bom paralelo com os ‘comunistas’ e os socialdemocratas de hoje, fizeram uma aliança estreita e em coalizão permanente com o partido burguês dos ‘cadetes’, com os quais eles formaram uma série de governos de coalizão. Sob o emblema de Frente Popular, se encontrava toda a massa do povo, inclusive os sovietes dos operários, dos camponeses e dos soldados. É claro que os bolcheviques participaram dos sovietes. Mas eles não fizeram nenhuma concessão à Frente Popular. Eles exigiam a ruptura com essa Frente Popular, a destruição da aliança com os cadetes, e a criação de um verdadeiro governo operário e camponês”.
A seção holandesa e a Internacional, julho de 1936, ênfase no original.
Desde essa época, a “frente revolucionária anti-imperialista” (ou “frente única anti-imperialista”) tornou-se um dos fios condutores, quase como um guia, da política das correntes de Lora e de Altamira. O significado dessa política é nada menos do que a traição frentepopulista à independência da classe trabalhadora, o atrelamento do proletariado a um projeto de manutenção da ordem burguesa capitalista.
(2) O chamado pela construção de uma frente popular na Argentina (1983)
Nas eleições argentinas de 1983 e ainda depois do seu término, a principal demanda do Partido Obrero foi pela formação de uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda”, que tinha o objetivo de reunir o PO com os stalinistas, socialdemocratas e principalmente com a “esquerda peronista”:
“A questão mais importante de tudo isso é que o que está acontecendo seja denunciado aos trabalhadores; que se ponha em evidência a conexão política reacionária da cúpula peronista, e que assim compreenda a esquerda peronista. Para essa tarefa é fundamental que se estruture no país uma frente anti-imperialista de toda a esquerda.” (ênfase nossa).
“El Partido Obrero y el Peronismo”, Edições Prensa Obrera, setembro de 1983, pág. 117.
https://ia802702.us.archive.org/9/items/poYElPeronismolaRevolucinBoliviana2003-2006noFueUnMartes/PoYElPeronismo.pdf
O Partido Obrero também explicitou quais organizações compunham a “esquerda” a qual se direcionava a “frente anti-imperialista”:
“As coisas são claras: os eleitores peronistas são chamados a votar por dois colaboradores da ditadura. Tanto um como outro gozam do favorecimento do imperialismo e do clero (este último em particular). A Intransigência Peronista, a tendência em que militava Cambiaso e tantos outros, é chamada a votar pelos colaboracionistas e encobridores do sistema e do aparato dos assassinos de Cambiaso e de outros. O Partido Intransigente, o PC, os socialistas autênticos e populares, os partidos do Trabalho e da Nova Democracia – todos os quais prometeram votar pelo peronismo ou pela primeira minoria no colégio eleitoral – são chamados a votar pelos candidatos do imperialismo e do Vaticano. E disseram que o fariam. É necessário apurar o veneno até a última gota.”
“As posições políticas da maioria dos partidos de esquerda são claras, mas comportam uma contradição. (…) A posição da maioria da esquerda reflete a posição da pequena-burguesia que busca evitar a passagem a uma luta revolucionária junto ao proletariado, e que segue sonhando em por de pé o sistema democrático sobre as bases tradicionais do regime capitalista.”
“O chamado a uma frente anti-imperialista de toda a esquerda, efetuado pelo Partido Obrero, tende a lutar contra essa confusão política e, significativamente, tem tido uma grande repercussão entre os ativistas da esquerda.” (ênfase nossa)
Idem, págs. 120 e 121.
É necessário esclarecer quem são esses grupos com os quais o Partido Obrero desejava fazer uma frente comum “de esquerda”. A fração “Intransigência Peronista”, dirigida por Vicente Saadi, era parte do Partido Justicialista (peronista). Saadi foi senador e governador da província de Catamarca, na qual sua família dominou a política por décadas. Quando Saadi foi eleito senador na redemocratização em 1983, liderou os peronistas no Congresso. Já o Partido Intransigente (um filhote da União Cívica Radical) havia sido fundado uma década antes das eleições de 1983 por Oscar Alende, um político burguês de longa trajetória que colaborou com vários governos militares. Durante a ditadura burguesa argentina de 1955-58, por exemplo, Oscar Alende foi parte de uma “Junta Consultiva Nacional” para assessorar os militares no poder. O PC stalinista dispensa apresentações diante dos rios de sangue que separam o stalinismo do trotskismo.
Era com esses senhores (e mais alguns outros), em razão da popularidade que tinham no movimento de massas, que o Partido Obrero queria uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda”. É até desnecessário argumentar sobre o caráter reacionário de indivíduos e grupos com essa ficha política. Como o PO pretendia “colocar em evidência a conexão política reacionária da cúpula peronista” estando aliado com alguns membros “de esquerda” dessa cúpula (como Saadi) e alguns outros partidos “democráticos” mergulhados até o último fio de cabelo na lama do Estado burguês? O mais irônico de toda essa história é que o PO contrapunha a sua “frente anti-imperialista” a outras iniciativas de colaboração de classes:
“O PI [Partido Intransigente] aparece claramente como um pivô de uma futura ‘frente popular’ (frente patronal de conciliação com o imperialismo), que submete a classe operária através de um setor da burocracia e do PC. Mas é precisamente pela existência de uma tendência ao frentepopulismo que se deve reivindicar a frente anti-imperialista revolucionária, para opor à ‘unidade anti-imperialista’ dirigida pela burguesia (de conciliação com o imperialismo e de subordinação da classe operária), a unidade anti-imperialista que permita a luta consequente contra a opressão nacional e que facilite para a classe trabalhadora a conquista da hegemonia na revolução.”
Idem, pág. 153.
Parece que, com esse jogo de palavras, tudo muda da água para o vinho; basta adicionarmos alguma retórica “revolucionária” e, é claro, incluirmos o Partido Obrero. Nesse esquema, uma frente com partidos da burguesia poderia ser tanto uma “frente popular” nociva ao movimento dos trabalhadores, quanto uma que permitisse uma “luta consequente” do proletariado.
Trotsky combateu severamente a ideia de que “acordos” ou “combinações” com a burguesia poderiam impedir que, em uma frente como essa, a burguesia desempenhasse o papel dominante. Uma frente popular (mesmo que seja indevidamente rotulada de “anti-imperialista”) inclui formações que dependem da manutenção da ordem burguesa para sua existência (como era o caso do Partido Intransigente, da Intransigência Peronista e outros). Por isso, nenhuma frente como essa pode ajudar o proletariado a perceber a demagogia do Estado burguês, mas apenas tentar iludi-lo a apoiar uma ou outra variante do regime burguês. O proletariado não pode dominar uma frente composta pelos seus exploradores, nem mesmo ficar em pé de igualdade. “Um homem montado num cavalo não é um ‘bloco neutro’ entre o homem e o cavalo”, como defendeu Trotsky. O proletariado só pode vencer se estiver em oposição a todos os setores que querem mantê-lo como uma classe explorada sob um regime de opressão. Mas essa lição foi esquecida pelo Partido Obrero.
(3) O chamado para votar em Evo Morales (2005)
Na época das eleições bolivianas de dezembro de 2005, o Partido Obrero argentino afirmou que:
“O confuso programa do MAS é a expressão de seu impasse político, ou seja, da pretensão de amalgamar as violentas contradições sociais do país. Constitui um intento da raquítica pequena-burguesia profissional, que tende a ser cooptada pelas multinacionais ou suas dependências secundárias, de impor a sua saída às massas do Altiplano, que vivem na miséria. Em definitivo, não intenta mais do que teorizar uma transição do período revolucionário a uma etapa de características democratizantes, tutelada pelas burguesias dos países vizinhos e o imperialismo”.
Llamamos a votar por Evo Morales y el MAS, El Obrero Internacional No. 4, dezembro de 2005. Reimpresso em “La Revolución Boliviana 2003-2006”, pág. 40.
Tal caracterização, entretanto, não impediu o PO e sua “internacional”, o CRQI, de apoiar e comemorar a vitória eleitoral do MAS e de dizer, no mesmo texto, que a sua ascensão ao Estado burguês seria um “golpe no imperialismo” ao supor que uma vitória eleitoral de Morales fortaleceria as demais nações oprimidas da América Latina contra as potências:
“Uma vitória do MAS seria um golpe no imperialismo, inclusive se esse golpe está condicionado às perspectivas que abre essa vitória. Chamamos a votar pelo MAS. Não amplia as margens de manobra de governos como os de Lula e Kirchner, mas os coloca de cara com a luta dos trabalhadores de seus países. Alarga o campo da luta de classes na América Latina. Reforçaria sim o governo de Chávez frente ao imperialismo, porque Chávez se encontra em um choque com o imperialismo, mas não o fortaleceria em seu propósito de reduzir a atividade independente das massas venezuelanas.”
Idem, pág. 41.
É claro que a perspectiva do PO de uma vitória do MAS que iria supostamente “alargar o campo da luta de classes na América Latina” se mostrou absolutamente falsa. Essa vitória só serviu para colocar no poder um governo que foi “cooptado pelas multinacionais ou suas dependências secundárias” e que certamente foi o pivô de uma “transição do período revolucionário a uma etapa de características democratizantes, tutelada pelas burguesias dos países vizinhos e o imperialismo” e que enganou as massas bolivianas. Isso foi demonstrado tanto pelo curso dos eventos quanto confirmado pelo próprio Partido Obrero em ocasiões posteriores. Mas, como é de costume, isso não o fez reavaliar criticamente a sua posição de dezembro de 2005.