A greve dos educadores do Rio de Janeiro
Por um programa de ação para derrotar os ataques de Paes e Cabral!
Outubro de 2013
Prolonga-se por mais de dois meses a greve dos profissionais da educação do Rio de Janeiro, tanto os do estado, quanto (exceto por um breve intervalo) os do município. Os governos Paes e Cabral jogam duro, se recusando a aceitar as demandas dos grevistas e usando massivamente a repressão policial contra os educadores e seus apoiadores. Em resposta, dezenas de milhares de jovens aderiram à luta dos educadores, e popularizaram-se nos protestos palavras de ordem como “Preste atenção trabalhador, Sérgio Cabral mandou bater em professor!”e “Não acabou, tem que acabar: eu quero o fim da polícia militar!”. Esses slogans revelam que a categoria rompeu com a lógica meramente sindical e está em sintonia com demandas mais gerais que tem marcado os massivos protestos que tomam a cidade desde junho, mesmo que tenham diminuído em tamanho. Sintonia essa que não se viu nas recentes greves dos ecetistas (funcionários dos Correios) e dos bancários, por exemplo.
Como uma das grandes pautas das manifestações de junho era justamente por educação pública de qualidade (além de transporte, saúde, moradia, etc.), é compreensível que essa luta em específico tenha feito as ruas da cidade verem novas marchas gigantescas, com a solidariedade de diferentes setores a uma histórica greve (há 20 anos a rede municipal não via uma mobilização dessas proporções). Assim, em grande parte como reflexo do processo de lutas que vivemos desde junho, o que poderia ser apenas um embate em torno do plano de carreira e salários (que permanece como uma questão central) tornou-se também um confronto de grandes proporções contra os governos do PMDB (ambos apoiados pelo PT) e a polícia, motivado por uma compreensão dos educadores que não bastam melhores salários frente às péssimas condições de trabalho atuais e aos projetos de privatização e precarização da educação.
Para vencer: ir além da rotina sindical!
Esse movimento dos educadores é dirigido pelo SEPE-RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) e tem extrapolado o clima ameno com os qual se conduz a maior parte das greves recentes. Os dois últimos protestos, por exemplo, contaram com mais de 50 mil pessoas e terminaram em confrontos entre a polícia e setores radicalizados da juventude. No último (15/10), foram feitos mais de duzentos presos políticos e os cães de guarda da burguesia recorreram até mesmo ao uso de armas letais, ferindo ao menos dois manifestantes.
Diante de uma situação como essa, não se pode ter a menor ilusão nos métodos rotineiros com os quais a burocracia sindical brasileira tradicionalmente manobra as greves. É preciso um programa de ação para expandir e radicalizar as lutas em oposição aos governos capitalistas. Liminares e ações judiciais podem ganhar tempo (como foi o caso com a anulação da aprovação do PCCS de Paes na justiça, já revogada). Mas não será através desses métodos que a greve vai triunfar. Em primeiro lugar, não podem continuar ocorrendo assembleias e protestos divididos dos educadores das redes municipal e estadual (ambos organizados pelo SEPE-RJ), ainda que reivindiquem ante instâncias diferentes. Do lado do inimigo, está clara a unidade dos governos Paes e Cabral para tentar derrotar os professores, ameaçando o corte de ponto, demissões e agredindo-os fisicamente.
Essa unidade dos governos também se expressa a um nível mais geral de projeto para a educação pública, defendido pelos respectivos secretários de educação de cada um (Costin e Risolia) e em sintonia com os ditames de órgãos como o Banco Mundial e o FMI. Contra tal unidade, é preciso garantir de imediato a plena unificação das greves, que também deve incluir os profissionais em greve das escolas técnicas da rede FAETEC.
Embora tenham demandas diferentes, os trabalhadores devem pactuar uma unidade, para impedir que um dos setores se retire da greve e deixe o outro sozinho (como já aconteceu no meio dessa greve com a saída momentânea dos educadores municipais em setembro). Todas as manifestações e assembleias podem ser realizadas de forma conjunta. A única coisa que explica a continuidade dessa divisão parcial é o apego da direção do SEPE-RJ (composta majoritariamente por setores da esquerda do PSOL e também pelo PSTU) aos métodos recuados da burocracia sindical, que se tornaram rapidamente insuficientes diante da conjuntura intensa em que nos encontramos.
Além disso, há plenas condições políticas para impulsionar um amplo movimento de comitês de apoio à greve nas universidades (sobretudo entre os estudantes) e uma luta conjunta com outras categorias, como é o caso dos petroleiros que estão em uma greve nacional ―greve essa que também extrapola questões salariais, se opondo à privatização do pré-sal (a venda do Campo de Libra).
Entendemos que a solidariedade de classe entre os proletários precisa ir além de moções e falas de apoio. Até agora tem se mostrado grande disposição e solidariedade por vários setores populares que vem aderindo aos protestos de rua convocados pela greve dos professores. Esse apoio precisa ganhar uma forma orgânica através de comitês de ação com representantes eleitos pelas bases que possam unir a luta dos profissionais da educação aos estudantes, petroleiros e demais movimentos sociais para coordenar um combate unido contra os patrões e os governos. Essa unidade é fundamental para garantir a derrota dos nossos inimigos e a conquista das demandas dos educadores, como um Plano de Carreira, Cargos e Salários digno, melhores condições de trabalho (como a construção de mais escolas pra reduzir a relação professor/aluno) e o questionamento os projetos educacionais baseados nos interesses dos patrões.
Nenhuma ilusão em Beltrame! Por autodefesas proletárias contra a repressão!
No dia 12 de outubro, no período de intervalo entre dois massivos protestos de rua, a liderança do SEPE-RJ publicou uma nota em sua página na internet reportando uma reunião com o comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiroe informando que também se encontraria com o Secretário de Segurança do estado. Segundo a nota, os dirigentes do SEPE pediram para que tais indivíduos “intercedessem junto ao governador” para que ele negociasse com os grevistas:
“Em audiência com o secretário de estado de Segurança, José Mariano Beltrami, marcada para a segunda-feira (dia 14 de outubro), às 15h, a direção do Sepe irá reafirmar a solicitação ao secretário para que ele também interceda junto ao governador Sérgio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes para que as negociações entre estas autoridadese a categoria em torno das reivindicaçõesdos educadores estaduaise municipais voltem a ser colocadas na mesa e, desta maneira, possamos chegar, de forma democrática, a uma solução para o atendimento dos itens constantes nas respectivas pautas de reivindicação.”
— NOTA DO SEPE, 12 de outubro de 2013
Essa nota é sintomática dos instintos passivos dos líderes do SEPE-RJ nesse momento crítico. Tanto o comandante da PMERJ quanto Beltrame são responsáveis diretos pela violência contra os professores e pelas prisões e ataques contra os manifestantes. Eles são os chefes da polícia que torturou e matou Amarildo e nada disso é mencionado na nota! Ambos foram escolhidos a dedo por Cabral para cumprir seus planos assassinos. Apenas a intensificação da luta poderá forçar Paes e Cabral a aceitar as demandas da greve e é nisso que os profissionais da educação devem depositar suas energias. Essas “solicitações” absolutamente descabidas só servem para gerar ilusões.
Além disso, a ideia de que é possível “chegar de forma democrática a uma solução” em nada corresponde à situação real. Não existem “acordos de cavalheiros” entre opressores e oprimidos em questões importantes, como a atual luta tem demonstrado. Ou Cabral e Paes serão forçados pela luta dos educadores e de seus apoiadores a aceitar suas demandas, ou então irão esmagar-nos com sua repressão e ameaças.
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Confrontos com a polícia tem marcado praticamente todos os atos da greve |
Ao invés de perder tempo com esses pedidos inúteis para que os agentes de Cabral e Paes intercedam por nós, o que é urgente e necessário é estabelecer autodefesas dos trabalhadores e da juventude, para resistir com todos os meios acessíveis à truculência da polícia. Essas autodefesas devem ser controladas pelas assembleias de base dos educadores. Não pode haver espaço para ilusões pacifistas nesse momento. Uma moção pela formação da autodefesa chegou a ser aprovada em uma recente assembléia da rede municipal, mas se depender da direção, que sequer tem organizado um fundo de greve para o caso do corte de ponto ocorrer, certamente isso não passará de letra morta. A linha “pacifista” da direção do sindicato foi colocada de maneira clara na mesma nota do dia 12:
“A diretoriado sindicato deixou claro queo comportamento dos profissionais da educação que participarãodo ato seguirá as tradições das manifestações organizadas pelo Sepe em maisde trêsdécadas de atuação da entidade na defesados direitos dos profissionais das escolas públicasdo Rio de Janeiro e da luta por uma educação públicade qualidade. Durante todos esses anos, sempre realizamos nossas atividadesde forma pacífica, com músicas e palavras de ordem, de acordo com as maneiras que entendemos serem mais eficientes para garantir os direitos dos profissionais da educação das escolas públicas do Rio de Janeiro.”
“Músicas e palavras de ordem” são úteis, e talvez em muitas ocasiões ao longo dessas “mais de três décadas” tenham sido o máximo que era possível fazer contra a repressão. Mas essa não é a situação atual. Quando os professores estão sendo alvos dos policiais da burguesia em praticamente todos os seus protestos, semana após semana, e quando há disposição para resistir entre eles e seus apoiadores, existem outras formas de luta que precisam vir à tona. A direção do sindicato segue congelada nos anos de calmaria, acuada pela campanha de difamação e criminalização dos movimentos sociais promovida de forma raivosa pela mídia empresarial.
Aliás, a formação da autodefesa é a melhor forma de fazer também uma crítica produtiva aos Black Blocs, os jovens radicalizados que vem se enfrentando com a polícia nas manifestações. Uma autodefesa proletária mostraria a força que pode ter a ação de resistência disciplinada e coordenada da classe trabalhadora com a juventude, e seria muito superior às ações isoladas dos Black Blocs, feitas de forma improvisada e desvinculada do controle democrático da categoria e de uma estratégia proletária.
Um setor da direção do SEPE-RJ (notadamente o PSTU) faz críticas aos Black Blocs que colocam neles a culpa pela repressão policial, como se a polícia não tivesse também reprimido manifestações em que não havia Black Blocs Rejeitamos esse tipo de “crítica” e reiteramos que os Black Blocs só tem se configurado enquanto a única forma minimamente organizada de resistência (e não é à toa angariado ampla simpatia entre os educadores) porque o grosso das organizações da esquerda não tem movido uma palha nesse sentido. Apesar de defendermos os praticantes da tática Black Bloc contra a repressão policial, acreditamos ser urgente uma alternativa classista e submetida ao controle democrático das assembleias, na forma de comitês de autodefesa.
Pela libertação de todos os presos políticos!
O SEPE-RJ deve também encabeçar uma ampla campanha pela libertação de todos os presos nas manifestações, e pela queda de todos os processos contra os lutadores. Ninguém fica para trás! Junto com essa luta, é preciso apontar como norte a dissolução de todos os órgãos de repressão e o fim das polícias! Uma polícia que existe para matar o povo negro e pobre e para bater em trabalhador não merece existir, e nem sequer pode ser “reformada”, como alguns defendem através do slogan de “desmilitarização”.
Questionar o capitalismo e sua lógica de precarização
A greve inclui demandas relativamente avançadas, que vão além de exigências econômicas mínimas da categoria e incluem um questionamento do projeto de educação que vem sendo imposto nos últimos anos. Esse tom mais político da greve se expressa de forma mais clara na palavra de ordem “Fora Cabral, vá com Paes!”, inclusive incluída em adesivos do sindicato e estendida à Costin/Risolia. Alguns ativistas acreditam que fazer dessas palavras de ordem demandas concretas da greve atrapalha a luta, pois não seriam aceitas pelos governantes. Mas discutir e levantar demandas que vão além dos interesses básicos e imediatos dos profissionais da educação é algo fundamental, nem que seja enquanto um norte estratégico.
O motivo pelo qual Paes/Costin estão insistindo tão pesadamentena aprovação do seu ataque em forma de “plano de carreira”, por exemplo, é porque essa é uma medida central no processo de flexibilização das normas trabalhistas dos educadores e para manter e aprofundar a desigualdade absurda entre seus salários e condições de trabalho dependendo do seu regime de contratação. Essa lógica é intrínseca ao sistema capitalista em que vivemos, que precisa reduzir custos com os serviços públicos e dividir os trabalhadores para garantir a “eficiência” e a “ordem”. Cabral/Risolia, por sua vez, já fecharam dezenas de escola públicas. Essas ações não são apenas “políticas de governo”, mas a própria lógica da precarização do ensino público para abrir cada vez mais espaço para a educação privada e para um projeto educacional mercadológico e “meritocrático”.
Por esse motivo, nossa luta não pode ser apenas contra Cabral e Paes (e seus asseclas do PT e do PCdoB), nossos inimigos mais imediatos. Tampouco devemos nos limitar a demandas econômicas mínimas. É importante também questionar abertamente todo o sistema que está por trás desses ataques, levantando demandas que relacionem nossas necessidades mais sentidas com a luta contra a ordem burguesa. Se as demandas dos educadores que questionam abertamente o capitalismo serão ou não atendidas dependerá da conjuntura em que vivemos. O que podemos dizer com certeza é que não poderão ser realizadas pelos governos patronais como Cabral e Paes, e exigem o estabelecimento de um governo direto de trabalhadores sobre os escombros do atual regime.
A greve deve arrancar dos governos aquilo que a luta dos educadores for capaz de impor nesse momento, mas levantar demandas que preparam os trabalhadores da educação para suas tarefas históricas não “atrapalha” a luta. Pelo contrário, esclarece por quais metas devemos combater. Não devemos nos contentar com o mínimo e não devemos exigir apenas o mínimo, porque nesse caso conseguiremos praticamente nada.
É preciso lutar por salário igual para trabalho igual entre todos os educadores: chega de diferenciação por regime de contratação. Nenhuma escola a mais pode ser fechada, nenhum educador pode ser demitido! Se Cabral diz que não tem como manter as escolas, que abra todas as contas públicas e veremos que o motivo é que o dinheiro dos impostos é usado para financiar seus aliados multimilionários, enquanto a educação pública perece. O mesmo vale para Paes com seu plano de precarização das condições de trabalho. Os educadores, funcionários e pais de alunos podem gerir o sistema educacional de forma muito melhor que esses senhores, e garantindo uma educação, salários e condições de trabalho dignas. Devemos lutar pelo controle e administração das escolas por conselhos de educadores e pais de alunos, de forma independente dos governos, pois apenas assim esses constantes e renovados ataques à educação pública cessarão.
Nós do Reagrupamento Revolucionário, munidos de um profundo sentimento de solidariedade pela luta em curso, temos buscado intervir nas manifestações chamando atenção para o programa e as medidas que pontuamos ao longo deste texto. Lutamos também pela construção de um partido revolucionário de trabalhadores, a ferramenta essencial para garantir uma mobilização do proletariado que, orientada pelo programa do marxismo, seja capaz de ir além das conquistas parciais e destruir de vez o capitalismo.
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Ato unificado em defesa da educação (07/10) |