“A pedidos”
O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário
Originalmente publicado no Diário Carioca, n. 5.263, de 12 de agosto de 1945. Para a introdução do Reagrupamento Revolucionário a este documento, leia Dos arquivos do trotskismo brasileiro – O Partido Socialista Revolucionário, de junho de 2014.
O povo brasileiro mal começa a afastar as sombras trevosas da longa noite do Estado Novo. Compelida por fatores de ordem interna e, sobretudo, por motivos de ordem internacional, a ditadura aparentemente capitulou. Estão marcadas para 2 de dezembro do ano em curso as eleições presidenciais e para as Câmaras.
Num desentorpecimento moroso, porém progressivo, todas as camadas populares principiam a mobilizar-se para o pleito eleitoral, deixando, contudo, entrever ainda certo desinteresse e ceticismo. O vírus totalitário, inoculado pela camarilha pré-fascista de Getúlio Vargas, não logrou, todavia, eliminar de vez a consciência política das massas populares do Brasil. Dia a dia, afloram para a vida partidária ativa novos setores.
O proletariado brasileiro, de tão gloriosas tradições de luta e alvo mais golpeado pela fúria totalitária do getulismo, que o sangrou pela miséria crescente e o paralisou com recursos terroristas e de demagogia social, demonstra – embora ainda confuso sobre o itinerário a empreender – decisão de retomar seu curso histórico interrompido pelo golpe de 10 de novembro [de 1937].
As forças políticas em campo
Agrupamentos políticos de várias colorações ideológicas, representando interesses econômicos os mais diversos, começam a proliferar por todo o país. Deles, três correntes principais, pelo seu valor quantitativo, ocupam o cenário brasileiro: duas disputam a presidência da República e representações parlamentares e a terceira declara-se, antes de mais nada, pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
Agrupam-se em torno da legenda do Partido Social Democrático, os adeptos francos e aparentes do general Gaspar Dutra, ministro da Guerra, considerado candidato situacionista à presidência da República [ao final, foi Dutra o candidato eleito]. Não obstante a sua heterogeneidade, dado o caráter de nossa economia e a imaturidade histórica da classe burguesa brasileiras, as forças que integram a corrente dutrista representam o que de mais nitidamente reacionário há entre os detentores dos meios de produção no Brasil. Reúnem-se sob a bandeira do P.S.D. o industrialismo e o grande comércio nacional em sua expressão mais acabada (os Sres. Roberto Simonsen, Matarazzo, Euvaldo Lodi, Gastão Vidigal, Brasilio Machado Neto, etc.) – o grupo industrialista de tendências abertamente protecionistas e com ligações mais estreitas com o imperialismo inglês.
Aparentemente, todo o aparelho estatal, através das interventorias [modelo implementado por Vargas para controlar os governos estaduais], forma igualmente ao lado do general Gaspar Dutra.
Bem mais heterogênea pelo seu conteúdo econômico-social que a primeira facção, a “União Democrática Nacional” constitui um amálgama da burguesia rural (PRP [Partido Republicano Paulista], PRM [Partido Republicano Mineiro], com os Sres. João Sampaio, Julio Prestes, Alberto Whately, Artur Bernardes, etc.), e das classes médias remanescentes do “tenentismo” (como Jurací Magalhães, José Américo, Manuel Rabelo, Virgilio de Melo Franco, Miguel Costa, Eliezer Magalhães, etc.), comércio médio e setores da pequena burguesia urbana de tendências radicais no campo das reformas sociais: União Democrática Socialista, Movimento Libertador, Intelectuais franco-atiradores, etc. – a chamada “esquerda democrática”, de inclinações socializantes. Mal grado a presença “circunstancial” de fortes núcleos de latifundiários, o conteúdo econômico-social desse agrupamento determina e revela, como traço dominante em sua expressão programática, tendência liberal tanto no campo econômica, manifestada pelo não-intervencionismo estatal e pelo livre-cambismo, como no plano político, expressa pela concessão de liberdades públicas e democracia operária (liberdade sindical e direito de greve). Na esfera internacional mantém laços mais chagados com o imperialismo norte-americano, principal consumidor de nossos produtos agro-pecuários e matérias primas – fornecendo, em troca ao Brasil, capitais e produtos mecano-faturados.
Extremamente mais complexa que as duas correntes anteriores, apresenta-se a que se poderia denominar “prestista-queremista”. Muito embora esteja bem distante de possuir “unidade orgânica absoluta”, engloba tendências que, com “objetivos próprios”, visam centralmente, por mais que o procurem dissimular, o afastamento das eleições presidenciais. Seus chefes manifestos são Luis Carlos Prestes, líder do stalinismo no Brasil, e o ditador Getúlio Vargas. Se as molas internas da posição de Prestes encontram sua explicação mais em fatores internacionais que nacionais (manobras da diplomacia de Stalin, para conseguir-se governos “amigos”, relações de comércio, etc.), a posição de “apaziguadores” dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil, que lutam pela “ordem” e pela solução “pacífica e unitária” da crise brasileira, com a mão estendida a uma imaginária “burguesia progressista”, finca raízes por mais estranho que possa parecer – na mesma base bonapartista da ditadura pré-fascista de Getúlio Vargas. Como até há pouco a ditadura se situava “acima” dos grupos políticos beligerantes para manter a “ordem” e proteger a propriedade, pretendendo desempenhar papel de árbitro, assim, agora, Prestes e seus seguidores ex-comunistas abandonam, totalmente, o campo da luta de classes, em busca de um “desenvolvimento pacífico da humanidade” por eles idealizado – e abandonam, igualmente o internacionalismo, como inútil, em face da “cooperação crescente das grandes potências”. Com sua posição de equidistância das candidaturas e com o seu semi-alheiamento da luta presidencial, reivindicando em primeiro lugar a convocação da Assembleia Constituinte, “com Vargas e comparsas ainda no poder”, Prestes revela o caráter bonapartista de sua política e efetiva “na prática”, um bloco do PCB com os remanescentes do Estado Novo.
Não é por mera casualidade que a posição de Prestes hoje se confunde quase inteiramente com o bonapartismo pré-fascista de Getúlio Vargas. A ideologia termidoriana de Stalin, que promoveu a degenerescência do Estado Operário Russo, projeta-se sobre todas as antigas seções da defunta III Internacional. Daí a razão de Prestes levar os ex-comunistas do Brasil, com algumas exceções, a essa posição de nacional reformismo bonapartista, condensada no programa lido em São Januário e preterido, com acentuada nota demagógica, para “todo o povo” de São Paulo no Pacaembu. O bonapartismo prestista, com sua obsessão “anti-golpista” e “apaziguadora”, recorre ao mesmo arsenal da demagogia social de que lançou mão Getúlio para justificar o golpe de 1937, visando defender a dominação de classe da burguesia contra a agitação eleitoral de seus próprios partidos políticos. Se, com essa posição, leva água ao moinho da ditadura que, como aparelho estatal, tudo tentará fazer para sobreviver, é verdade, também, que Prestes tem objetivos próprios nacionais-reformistas, que procura realizar com a participação de sua tendência “num governo de confiança nacional”. Na órbita externa esse governo atenderia às aspirações de sobrevivência da casta burocrática que domina a Rússia, hoje em acentuada regressão nacionalista, promovida pelos senhores do Kremlin.
As razões porque, não obstante essa criminosa política de colaboração de classes, o PC do Brasil vem conquistando certo prestígio de massas, residem no profundo atraso político de certos setores do proletariado brasileiro, entravado em sua formação ideológica nestes últimos quinze anos, pela linha nefasta da defunta III Internacional e pela demagogia totalitária do Estado Novo; de outra parte porque mais do que comunismo, as camadas pequeno-burguesas e largos setores “plebeus” vêem em Prestes o radicalismo democrático do antigo prestismo da Coluna [Prestes-Maia, principal destacamento do ‘tenentismo”], que se confunde com suas limitadas aspirações de hoje.
Pouco difere a base de massas do “queremismo” [setor que defendia a permanência de Vargas na Presidência] da de Prestes. Com exclusão do setor do prestismo que acompanha Prestes por nele entender estar o símbolo do comunismo, trabalhadores e intelectuais que antes da libertação do chefe do PC do B. seguiam Getúlio Vargas com o apoio dissimulado que hoje os stalinistas emprestam ao “queremismo”, se integram praticamente numa só corrente “prestista-queremista”, que pode desaguar num “golpe branco”, tomando a forma de “governo de confiança nacional”.
Os discursos – plataforma de Prestes
Mesmo ao mais bisonho dos marxistas, àquele cujo conhecimento da doutrina de Marx e Engels não vai, ainda, além do “ABC do Comunismo”, as teses defendidas por Prestes em seus discursos devem ter soado como as teorias de Paracelso a um discípulo de Saddy ou Ashton.
Seria ultrajante aos próprios “socialistas humanitários” do século XVIII estabelecer-se um paralelo analógico entre suas ideias e as do “líder nacional”.
O falso radicalismo pequeno-burguês do chefe do P.C.B. não consegue sequer mascarar o abandono total do marxismo pelo antigo capitão da “Coluna Prestes”. As fontes de sua linha geral são visíveis. A orientação “tático-estratégica” do P.C.B. emana da afirmativa de Stalin de que “terminou o período de guerra, e começou o período do desenvolvimento (!) pacífico”. Essa constatação do mágico do Kremlin bastou para que seus satélites no mundo todo se apressassem em lançar ao desvão das coisas imprestáveis até mesmo a fraseologia pseudorrevolucionária.
Para Prestes, a crise brasileira só encontrará solução justa através de uma União Nacional pela “colaboração sincera (!) e leal (!) de todos os verdadeiros (!) patriotas, sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”. E, agora a justificação “teórica”, pela natureza dos problemas brasileiros que “são problemas da revolução democrático-burguesa”: a solução desses problemas “interessa, sem dúvida, ao proletariado, que em países como o nosso sofre muito menos da exploração capitalista do que da insuficiência do desenvolvimento capitalista.” A extensão dessas ideias de colaboração de classes ao domínio internacional, leva o orador de Pacaembu a dividir o capital financeiro, isto é, o imperialismo, em colonizador e benéfico. Torna-se evidente, pois, que com tal ordem de ideias, que nem mesmo encontram amparo nos mais servis reformistas da II Internacional, o Sr. Luiz Carlos Prestes se atole no pântano da colaboração com a ditadura, a qual dá “apoio franco, aberto e decidido” na sua “marcha para a democracia e enquanto assim proceder”, porque a “prática verdadeira (!) e sincera (!) da democracia é coisa das mais necessárias em nossas terras”.
Dos arroubos líricos de Prestes sobre União Nacional, verdadeira democracia, capital estrangeiro benéfico, partido comunista de todos (céticos, agnósticos, ateus, católicos, etc.), o proletariado consciente, formado na escola do marxismo, só pode ser levado a uma conclusão: o chefe do P.C.B., mais do que um revisionista da teoria revolucionária de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, é um renegado do socialismo. Não cabe aqui justificar com textos dos mestres do socialismo científico o que afirmamos. Basta para isso a simples leitura do “Manifesto Comunista” de 1848, ou então do “Imperialismo, última etapa do capitalismo” e “O Estado e a Revolução” de Lenin.
O idólatra da “ordem” e da “solução efetiva, sem maiores choques e atritos, dos graves problemas econômicos e sociais da hora que atravessamos” finge ignorar que na sociedade capitalista a “ordem” sempre significa a submissão do proletariado à classe dominante e que as soluções “sem maiores choques e atritos não podem deixar de ser senão as soluções impostas pelos detentores das fábricas e das terras aos seus escravos assalariados. Suas declarações místicas em torno da democracia nada tem a ver com o conceito marxista desse regime, em que a “escravidão assalariada é o quinhão do povo”.
Prestes ignora, ou finge ignorar, que os leninistas, sempre que lutam pela república democrática, o fazem apenas porque nela veem a melhor forma de governo sob o sistema capitalista, sem perder de vistas que esse regime é o que mais meios proporciona ao proletariado para este atingir o socialismo, e que jamais constitui para a classe avançada um fim em si.
A União Nacional “de todos os verdadeiros (!) patriotas sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”, preconizada pelo “caudilho”, é a hipertrofia colaboracionista de tática de Frente Popular, de tão trágicas consequências para o proletariado espanhol e francês. Mais do que a Frente Popular, a União Nacional apaga de vez as delimitações de classes no Estado burguês, o que quer dizer, subordina sem restrições o proletariado ao aparelho burocrático-policial da dominação capitalista. União Nacional implica abandono da luta de classe, que redunda, na prática, na entrega dos trabalhadores de punhos e pés atados aos donos das fábricas e das terras.
O apelo aos “verdadeiros patriotas” feito pelo “guia” dos stalinistas, não pode ser dirigido às massas operárias urbanas e rurais. Só quando o proletariado se apodera do Estado é que passa a ter uma pátria a defender. Surge nele, então, o sentimento de patriotismo revolucionário, que não deve ser confundido com o nacionalismo chauvinista da burocracia soviética. Por ora, pertencem às classes dominantes os “verdadeiros patriotas” do Brasil.
O Partido Comunista apresenta-se hoje como partido de “todos”. Nisso, também, o pensamento de Prestes não se eleva um milímetro de um vulgar “populismo”, agravado pelo caráter da época em que ressurge. Igualmente, a esse respeito, de nada valem ao líder do P.C. os ensinamentos do leninismo sobre a natureza do “partido do proletariado” – organização rigorosamente da classe operária, estruturada por uma ideologia materialista e ateia. Como não podia deixar de ser, a mentalidade pequeno-burguesa e colaboracionista do chefe projeta-se no plano organizatório, plasmando uma contrafação de partido comunista, que se esboroaria ao primeiro choque decisivo que viesse a travar com a burguesia.
Não é de outro teor a consistência das ideias econômicas de Prestes, na “política prática”. Quando não contorna as questões que mais afligem o proletariado, como a carestia da vida, o pauperismo, as condições de trabalho, indicando “soluções” genéricas que não podem ser entendidas pelas massas trabalhadoras, ou se abre em desbragada demagogia nociva à classe operária, ou descamba para fórmulas primárias, rejeitadas como inócuas até pelos economistas burgueses.
Desconhecendo ou fingindo desconhecer a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo na esfera nacional e internacional para afagar a sua idealizada burguesia “progressista” industrial, poupa esta voraz devoradora de “lucros extraordinários”, desfechando o furor de sua crítica sobre os latifundiários. Sem dúvida, está no primeiro plano das transformações radicais porque deve passar o Brasil a questão da distribuição das terras. Porém, não nos moldes indicados pelo “chefe nacional”. Se a experiência revolucionária mostra que em determinadas condições o problema agrário pode e deve ser apresentado no plano da “legalidade burguesa”, isto não significa que deva ser desfigurado, por contingências de adaptação ao Estado capitalista em seus objetivos finais: “a revolução agrária”. Se não se pretende disseminar confusão na mente das massas trabalhadoras rurais, deve-se, dentro dos quadros do regime burguês, desfraldar a reivindicação de confisco das propriedades territoriais que passem de certa extensão, variável segundo as regiões.
Ainda assim, a expropriação, sem indenização, das grandes glebas, não pode apresentar-se desvinculada de outras medidas de caráter revolucionário como o controle operário da produção.
Reivindicações dessa ordem não são, porém, lançadas arbitrariamente. Impõem-se condicionadas por determinada conjuntura econômico-política, quando a relação das forças sociais começa a manifestar-se favorável ao proletariado.
No entanto, o obsessivo menchevismo nacional-reformista de Prestes o leva a reduzir a questão agrária brasileira ao problema da criação de “mercados internos”, para o desenvolvimento da sua idealizada burguesia “progressista”… Desprezando as fecundas experiências das lutas camponesas da história, e, impelido por seu entranhado oportunismo, o lendário capitão apresenta, para um dos mais vitais problemas brasileiros, uma solução utópica e reacionária.
As vociferações de Prestes contra os “trotskistas”
A doutrina de Prestes nada tem, pois, de comum com o marxismo leninismo. As consequências de sua renúncia teriam efeitos bem menos nocivos se o famoso capitão o confessasse de público. Não o faz, porém. E, assim, se torna um mistificador do proletariado.
Para mascarar a capitulação diante da burguesia, e o jogo combinado que trava com a ditadura, o líder stalinista cobre de insultos todos quantos lhe denunciam o oportunismo. Os marxistas revolucionários, que qualificam com o termo próprio a política colaboracionista do P.C.B: Traição. E os intelectuais de esquerda e a oposição “liberal”, que lhe exprobram o apoio ao ditador Getúlio Vargas e ao Estado Novo.
O orador da “festa” do Pacaembu, com a imprudência do mentiroso consciente, envolve sob o mesmo rótulo de trotskistas os socialistas revolucionários – discípulos de Lenin e Trotsky – e a esquerda da pequena burguesia, que nada tem de comum com o marxismo. E as críticas às suas palavras, “ordeiras e seguras”, às suas posições falsas, que deram novo alento à ditadura, o “caudilho” as chama de “provocações a serviço do fascismo”. A “canalha trotskista”, para esse “Füher” semicolonial, não são unicamente os marxistas da mesma escola de Lenin e Trotsky, que, fiéis à teoria dos chefes do bolchevismo, não procuram ludibriar o proletariado com colaboração de classes e patriotismo pequeno-burguês; que apontam às massas populares o caminho da luta sem quartel contra a ditadura getuliana e todas as demais formas de despotismo; que não veem na burguesia brasileira nenhuma fração “democrático-progressista”; que não dissimulam seu objetivo final, o comunismo, através da ditadura do proletariado, apoiado no semiproletariado rural e no campesinato pobre, e que declaram abertamente, sem rebuços, que só pela via da luta de classes e de internacionalismo o proletariado poderá minorar esta miséria presente e, quando as condições econômico-politico-sociais o permitirem, libertar-se definitivamente dos grilhões da escravidão capitalista. Para Prestes, a “canalha trotskista” abrange, igualmente, os intelectuais da pequena burguesia socialista que, embora anti-trotskista, lutam honestamente contra o ditador Vargas e seus comparsas e por uma democracia formal.
Lançando num mesmo saco marxistas revolucionários – que se orgulham de ter tido em suas fileiras um militante proletário da envergadura de Leon Trotsky, cujo papel histórico e ensinamentos marxistas as vociferações caluniosas jamais lograrão destruir – e pequenos burgueses radicais ou liberais oposicionistas, dedicados a desmantelar a ditadura burocrático-policial do usurpador do [Palácio do] Catete, o chefe do P.C.B. visa atemorizar a estes últimos, forçando-os a silenciar a crítica a seu oportunismo desastroso. Nisso, também, Prestes se utiliza dos métodos de seu “aliado” de hoje que, até há pouco, chamava de comunistas a quantos ousassem se opor à totalização do Brasil.
Berre, pois, o Sr. Luiz Carlos Prestes, contra os “trotskistas”, que a ditadura e a burguesia em conjunto se alegrarão.
A posição dos socialistas revolucionários
Os marxistas revolucionários rejeitam como falsa e de traição deliberada a perspectiva do “desenvolvimento pacífico” da sociedade, iniciado, seguindo Prestes e seu mestre, com a derrota militar do fascismo.
Aos ex-comunistas de defunta III Internacional com seus Stalin, Togliatti, Browder, Galagher e consortes, coube, desta vez, ao fim de uma segunda chacina imperialista, descobrir o processo de “adaptação do capitalismo” que os Bernstein, Briand, Millerand, e companhia anunciaram quando se encerrou a matança de 1914-18.
Os reformistas de nossos dias, em sua volúpia “apaziguadora”, estão se precipitando. A destruição dos bandidos nazi-fascistas não só, nem remotamente, tem algo que ver com a abolição dos antagonismos entre o proletariado e a burguesia, como em nada reduzirá as contradições de interesses entre os vários grupos imperialistas.
Que não se deixe iludir a classe operária, com a vitória dos trabalhistas ingleses [Labour Party] ou com a participação dos comunistas de “fachada” nos governos burgueses de coalizão. A burguesia sabe defender-se. Ela concede com a mão esquerda o que pretende tomar, em dobro, com a direita. A participação dos falsos esquerdistas no poder é o “consolo” dado pelo capitalismo ao proletariado e às massas populares, que saem mais miseráveis do que nunca desta guerra. É, também, o recurso de que se servem as classes dominantes, a fim de evitar “explosões” revolucionárias.
Os reformistas da defunta III Internacional, em sua ânsia conservadora, de “soluções pacificas e unitárias”, se antecipam, com suas teses de “desenvolvimento pacífico”, a uma pouco provável nova estabilização relativa do sistema capitalista. Mas, com seu descarado e cínico oportunismo, “de fato, para ela concorrem”. Pregam a “paz social”. Sufocam os movimentos grevistas e insurrecionais. Promovem ou endossam todos os novos acordos imperialistas.
Esses valetes do capitalismo, representados no Brasil por Prestes, poderão desempenhar, provisoriamente, como já sucedeu em outras situações históricas, o papel de médico-de-cabeceira do moribundo. Contudo, o efeito de sua terapêutica é precário. Porque o doente agonizante não tem mais salvação.
As duras e terríveis derrotas impostas ao proletariado mundial pelas classes dominantes, nestes últimos vintes anos, “em consequência das traições de sua antiga vanguarda – a III Internacional”, não podem deixar de fazer sentir suas consequências nos dias presentes. Mas, em virtude de sua própria missão histórica, o proletariado tem limitadas possibilidades de recuperação.
Com esta guerra, a burguesia mundial não deu solução a um só de seus problemas, ao contrário, agravou-os extremamente. As massas populares europeias, empobrecidas ou esfomeadas, já se defrontam com o inverno, em condições da economia do Velho Mundo mortalmente desorganizada. As reações anti-capitalistas da classe operária, agora ainda inseguras e confusas, poderão assumir, sob a direção da nova vanguarda que se cristaliza – a “IV Internacional” – proporções tais, que autorizem o inicio de novo ciclo de revoluções proletárias pela instauração do “Socialismo”.
Contudo, se sólidas perspectivas há nesse rumo, as massas trabalhadoras e sua legítima vanguarda – os marxistas revolucionários – ainda se encontram distantes dele.
No Brasil, é hora de batalhas defensivas de retaguarda, “contra a miséria crescente e pela democracia operária”.
No curso de escaramuças de classe pela “reconquista e fortalecimento dos sindicatos”, hora sob controle de uma burocracia corrupta a serviço do Ministério do Trabalho e da polícia; de arremetidas por aumento de salário mínimo, como base, e por uma escala móvel dos salários; por melhores condições de trabalho, pela constituição e direito de existência legal dos “Comitês de fábricas, fazendas e quartéis”; pela organização e manutenção de seus “partidos” e “jornais proletários”, a classe operária readquirirá e ampliará a confiança em suas próprias forças, desenvolverá sua consciência de classe, delimitando, com rigor e precisão, seu próprio campo e o de seus inimigos.
Esse plano de lutas parciais, posto em execução, rearticulará as forças operárias, unificará suas fileiras, forjará o exército do trabalho para as “batalhas decisivas da vanguarda”, contra o “Capitalismo” e pelo “Socialismo”.
O proletariado não deve deixar-se envolver pela embriaguez eleitoral. O voto, que, para os reformistas e oportunistas de quaisquer colorações, constitui a panaceia para todos os males sociais, para a classe operária não passa de um instrumento acessório de luta política. Pode e “deve” ser utilizado como recurso auxiliar, particularmente na conjuntura econômico-política em que se encontra o Brasil. Mas deve ser exercido como outra “afirmação” de consciência de classe.
As sereias eleitoreiras de todos os agrupamentos se voltarão agora, com redobrada hipocrisia e novas e sedutoras promessas, para as massas populares, requestando-lhes os votos.
Pusemos à mostra o conteúdo político, econômico e social das três mais poderosas correntes que se apresentam, “legalmente” para disputa das urnas:
O “Partido Social Democrático”, utlrarreacionário, efetivamente continuador legal do Estado Novo, e aglutinador do que há de mais conscientemente contrarrevolucionário do fascismo e semi-fascimo brasileiros, até às oligarquias do passado.
A “União Democrática Nacional”, popularizando as oposições liberais, em conjunto “conservadora”, com tinturas democráticas, que lhe são emprestadas pela “ala esquerda” formada pelo radicalismo pequeno-burguês.
O “prestismo-queremismo”, de composição mais popular pelo predomínio nele do Partido Comunista do Brasil, que especula com os anseios socialistas do proletariado, mas que, “na prática”, se situa mais “à direita” que as oposições burguesas, prestando-se ao jogo da ditadura em seus esforços de sobrevivência, quer por um possível “golpe branco”, quer pela indicação não menos possível do nome do ditador às eleições presidenciais.
Esse quadro político é, ainda, passível de recomposição. Representa, porém, em suas linhas gerais, as tendências dominantes da situação brasileira.
Nenhuma destas candidaturas à presidência da Republica, pelas suas origens de classe e pelas forças sociais que as plasmaram, deve merecer a confiança do proletariado urbano e rural, do campesinato semiproletário e pobre. Mais do que o pleito presidencial, que não obstante, “pode” constituir uma etapa, o que interessa ao povo brasileiro, “em seu conjunto”, é a convocação de uma “Assembleia Constituinte”, eleita por sufrágio universal, direto e secreto.
Nenhuma fé supersticiosa nutrimos pelas “virtudes” das eleições burguesas, como, também, quase nada pode esperar o proletariado de parlamentos constituídos dentro dos quadros do Estado Capitalista. Todavia enquanto as relações das forças sociais se mostrarem desfavoráveis às massas operárias, não lhes é permitido substituir, no poder a burguesia historicamente já falida, desta deve arrancar a maior soma de liberdades democráticas, a fim de se organizar livremente e se educar revolucionariamente. É só nesse sentido que lutamos por eleições livres, e por uma Assembleia Nacional Constituinte, em que a voz do proletariado de vanguarda possa se fazer ouvir.
Frente única da ação
Em sua luta pela conquista de “democracia operária” (liberdade de associação sindical e partidária, liberdade de imprensa para os trabalhadores, etc.) o “Partido Socialista Revolucionário” declara-se disposto a marchar em frente única com todas as forças democráticas e socialistas do campo pequeno-burguês, bem como, “através de atos concretos”, com a oposição liberal voltada “agora” contra o Estado Novo, principal inimigo, na presente etapa da democracia proletária, por que os marxistas revolucionários lutam dentro do regime burguês.
Essa frente única “dinâmica de ação”, não implica no compromisso de renunciarem os socialistas revolucionários à sua autonomia organizatória e à crítica de ideologia de seus aliados “circunstanciais” e deve manifestar-se, desde já, em atos concretos pela conquista das aspirações mais sentidas pelas massas populares. No plano eleitoral, pode atingir a forma de um acordo técnico, para conjugação de forças socialistas e radicais, sob uma legenda comum.
Os socialistas revolucionários declaram-se dispostos a lutar, ombro a ombro, com quantos o estejam “efetivamente” também, contra as manobras ditatoriais visando impedir as eleições, o que, “de fato”, redundaria na restauração das formas terroristas do governo com que o Estado Novo se sustentou até princípios de 1945.
Reivindicações imediatas
Entendemos que, como “objetivos imediatos”, o proletariado e as massas populares têm à sua frente as seguintes tarefas:
1º) Derrubada do Estado Novo e consequente abolição da “Constituição” de 1937, com todos os seus apêndices. Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto, extensivo a todos os maiores de 18 anos, aos praças e aos analfabetos.
2º) Liberdade de associação político-partidária sindical e cultural; liberdade de imprensa. Reconhecimento de existência legal dos organismos de locais de trabalho (comitês, grupos sindicais, seções partidárias, etc.).
3º) Irrestrito direito de greve.
4º) Elevação dos salários mínimos em 50% com a incorporação do abono e adoção da escala móvel de salários em correlação aos artigos de consumo. O salário, com o mínimo estritamente assegurado, segue, assim, o movimento dos preços.
5º) Supressão do Tribunal de Segurança e dissolução das polícias políticas e especiais.
6º) Escala móvel de horas de trabalho, “sem redução dos salários de oito horas”, tendo em vista as perspectivas de desemprego em futuro próximo. Seguro contra o desemprego.
7º) Melhora da legislação trabalhista e consequente revogação de todas as leis fascistas nesse domínio. Extensão de legislação trabalhista aos trabalhadores rurais.
8º) Melhora das pensões e aposentadorias, assegurando-se aos aposentados e beneficiários o recebimento integral dos salários, que devem acompanhar o movimento da escala móvel. Unificação dos Institutos e Caixas [previdenciários] e entrega da direção aos trabalhadores.
9º) Abolição dos impostos indiretos e confiscação dos lucros extraordinários, como uma das formas de luta “efetiva” contra a crescente carestia da vida.
A tarefa estratégica dos socialistas revolucionários não consiste em reformar o capitalismo, mas em suprimi-lo. Torna-se evidente, pois, que as reivindicações acima capituladas não constituem nosso “programa de transição”, já dado a público, e muito menos nosso programa máximo. Representam um corpo de aspirações “mínimas” e imediatas do proletariado e das massas populares, para cuja conquista no todo ou em parte o P.S.R. chama a classe operária à luta e as organizações socialistas e populares “à frente única de ação”.
Todo movimento reivindicatório ativo, na hora que passa, transforma-se em golpes acertados contra a ditadura e seus sustentáculos.
Tanto mais asseguradas estarão as eleições quanto mais o proletariado e as demais camadas do povo nelas interessadas se mobilizarem em ações concretas contra o Estado Novo e pelos seus interesses mais imperiosos.
Rio de Janeiro, julho de 1945.
O Comitê Central do Partido Socialista Revolucionário.
(Seção Brasileira da Quarta Internacional)