Dos arquivos do trotskismo brasileiro
O Partido Socialista Revolucionário (PSR)
Por Marcio Leandro Torres, junho de 2014
Temos a alegria de adicionar ao nosso Arquivo Histórico um artigo do extinto Partido Socialista Revolucionário (O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário, de agosto de 1945) e com isso atuarmos no sentido de contribuir com a recuperação de parte da história do trotskismo brasileiro – em grande medida esquecida ou negligenciada pelos grupos atuais que reivindicam nossa tradição.
PSR: encontro de duas gerações revolucionárias
O PSR foi fundado em 1939 e existiu até o começo da década de 1950. Durante esses anos, ele foi a seção brasileira da Quarta Internacional. A origem do PSR remonta às primeiras gerações de trotskistas brasileiros, que se organizaram em 1929 (apenas sete anos após a fundação do Partido Comunista do Brasil) com o nome de “Grupo Comunista Lenine” e que posteriormente formariam a Liga Comunista Internacionalista (LCI, seção brasileira da Oposição de Esquerda Internacional).
O PC brasileiro, fundado em 1922, era um partido extremamente heterogêneo em seus primeiros anos. Muitos de seus fundadores possuíam origens anarquistas e não só não haviam rompido por completo com tal tradição, como possuíam uma formação muito deficitária (afinal, grande parte das obras de Marx e Engels sequer estava disponível no país). Assim, sua unidade política era frágil (basicamente reduzida à simpatia pela Revolução Bolchevique) e logo alguns anos depois já se expressariam entre alguns de seus quadros dirigentes aspectos da vulgarização stalinista do marxismo, com seu programa etapista. Essa fragilidade inicial do PCB explica, em grande parte, o porquê de ter levado tão pouco tempo para surgir um núcleo trotskista em seu interior, em oposição ao rumo stalinista da direção – sem perdermos de vista, claro, a batalha travada pela Oposição de Esquerda Internacional, que se esforçava nessa época por alcançar as jovens seções da Internacional Comunista e que encontrou em dirigentes como Mario Pedrosa, Lívio Xavier, Fúlvio Abramo, João Pimenta e Aristide Lobo a ponte para ser ouvida entre a militância do PCB.
A repressão do regime Vargas contra a vanguarda do movimento operário, entretanto, não poupou os primeiros trotskistas brasileiros. Após alguns anos de trabalho realizado através do GCL e da LCI (1929-1935), essa primeira geração acabou se dispersando a força. Foi então que, em 1936, em uma tentativa de reorganizar as forças trotskistas dispersas pela repressão do Estado, membros da antiga célula do Rio de Janeiro da LCI se reagruparam e fundaram o POL – Partido Operário Leninista. Três anos depois, o POL se fundiu com uma ruptura do PCB originada em 1937 na seção regional de São Paulo e liderada por Hermínio Sacchetta – expulso do partido sob acusações de “trotskismo” e de promover lutas fracionais, ao liderar uma batalha interna contra a política da “Frente Popular” do Comitê Central e da Comintern. Tal ruptura, que contou com adesão de boa parte do Comitê Regional de São Paulo, deu origem à “Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária” que progressivamente aderiu aos pontos principais do programa trotskista. Assim, em 1939 foi possível a fusão do grupo de Sacchetta com o POL e sua adesão à recém-fundada Quarta Internacional.
Os atritos de Sacchetta com a linha oficial do PCB (ditada diretamente por Moscou) vinham desde meados de 1934 e tinham muito a ver com o trabalho desenvolvido então pelos trotskistas brasileiros. Nesse ano, a LCI impulsionou uma firme campanha em prol de uma Frente Única Antifascista entre as organizações operárias, com o objetivo de derrotar nas ruas a fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), que vinha então em um crescente. Na época, o PCB se opunha a conformar uma frente única com qualquer outro grupo, preferindo uma campanha “anti-guerra” politicamente estéril – posição que advinha da orientação ultraesquerdista que a burocracia soviética então seguia (durante o assim chamado “Terceiro Período”), igualando correntes reformistas do movimento operário com o fascismo sob o argumento de que ambas se pautavam pela manutenção do capitalismo (a tese do “social-fascismo”).
Entretanto, diferentemente da Alemanha, onde a política criminosa do PC stalinista permitiu a vitória nazista sem nenhuma resistência significativa do proletariado, o fascismo verde e amarelo recebeu uma firme resposta de classe ainda no seu nascimento. Apesar do abstencionismo do PCB, os trotskistas conseguiram promover uma série de comícios e reuniões antifascistas – em especial na cidade de São Paulo. Seu aliado principal nessa luta foi a tendência anarcossindicalista que então dirigia a FOSP (Frente Operária de São Paulo, uma alternativa à federação sindical dirigida pelo PCB – a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil).
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Página do “Diário Carioca” contendo o artigo resgatado pelo RR |
No dia 7 de outubro de 1934, a Frente Única Antifascista se preparou para sua maior investida contra a ABI: um ataque ao comício organizado na Praça da Sé, onde discursaria o dirigente fascista Plínio Salgado. Compreendendo a importância fundamental da iniciativa, principalmente depois da vitória de Hitler na Alemanha, Sacchetta usou sua posição de dirigente regional do PCB para fazer com que a militância do partido em São Paulo, rompendo com ordens expressas do Comitê Central, engrossasse as fileiras do contra-ato antifascista no último instante. A resistência operária foi heroica. Enquanto colunas de trabalhadores armados de porretes se dirigiram para a praça, cercando o comício fascista, outros tantos militantes se posicionaram nas janelas de algumas sedes de sindicatos localizados em prédios próximos e abriram fogo contra a escória reacionária. No desespero, os fascistas correram para todos os lados, arrancando seus uniformes verdes para que não fossem perseguidos pelos trabalhadores que os atacavam. O evento entrou para as manchetes de jornais e para os anais da história como “A Revoada dos Galinhas Verdes” – mas custou a Sacchetta seu posto de dirigente e seu prestígio entre a liderança do PCB. Certamente, tal evento foi fundamental para seu afastamento do stalinismo e sua progressiva aproximação com o trotskismo – da qual outros companheiros seus fizeram parte, como a conhecida feminista Patrícia Galvão, a “Pagu”.
Dessa forma, a fundação do PSR foi fruto do encontro de duas gerações de revolucionários: uma primeira que remontava à gênese da tradição trotskista no Brasil, construída a partir da luta contra as formulações teóricas do Comitê Central do PCB e da Terceira Internacional stalinista, e que então era representada pelo POL; e uma segunda, liderada por Sacchetta e fruto de um rompimento progressivo de setores da regional de São Paulo do PCB no fim dos anos 1930.
O cenário brasileiro no pós-guerra e o stalinismo
No momento em que foi publicado o artigo do PSR que reproduzimos, o país passava por um importante processo político: a completa ruína do “Estado Novo”, um aprofundamento ditatorial da experiência bonapartista instalada em início dos anos 1930, sob a liderança do caudilho latifundiário Getúlio Vargas. Seguindo a política (herdada da recém-dissolvida Comintern) de aliança com os “campos progressivos” da burguesia, desde a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial o PCB vinha dando apoio ao governo – mesmo esse tendo prendido e torturado diversos de seus quadros, incluindo seu Secretário Geral, Luís Carlos Prestes. Com o enfraquecimento da ditadura, o Comitê Central do PCB defendeu a criminosa política de uma transição constitucional que não removesse Vargas do poder, aliando-se ao assim chamado “queremismo” – movimento em prol de uma Assembleia Constituinte com Vargas no poder. Essa política foi duramente criticada pelo PSR no artigo que se segue.
Ao criticar a linha do PCB, o artigo do PSR dialoga diretamente com artigos e discursos de Prestes, principal dirigente e figura pública do partido à época. Seu discurso no Estádio Pacaembu (São Paulo), proferido em 15 de julho de 1945, pode ser encontrado transcrito em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/07/15.htm. Já seu discurso no Estádio São Januário (Rio de Janeiro), proferido em 23 de maio de 1945, pode ser encontrado em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/05/23.htm. Ambos são citados em determinados momentos do artigo do PSR e são muito reveladores da política defendida então pelos stalinistas brasileiros.
Além das duras críticas feitas à política de colaboração de classes do PCB, o artigo em questão possui alguns outros méritos, como uma delimitação e análise das forças políticas de então segundo critérios internacionalistas e de classe, demonstrando a relação das frações da classe dominante com o imperialismo. No plano nacional, veicula uma denúncia classista das forças políticas que se apresentavam então para o pleito eleitoral. O PSR também não poupa críticas à burocracia stalinista em Moscou, corretamente caracterizada como uma degenerescência parasitária que punha em risco a existência do Estado Operário soviético através de sua política de “coexistência pacífica” com o imperialismo.
Outra característica interessante do artigo é a firmeza com a qual o PSR trata a questão religiosa, deixando clara a incompatibilidade entre ideologias obscurantistas e o marxismo, ao criticar a perspectiva do PCB de negligenciar essa questão – algo comum em boa parte da esquerda brasileira atual, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela existência de uma classe trabalhadora consideravelmente religiosa.
Quaisquer que sejam as fraquezas do artigo que possamos detectar em retrospectiva, a adesão do PSR a perspectiva trotskista permitiu a tal grupo manter o quadro geral de uma linha revolucionária frente ao período do pós-guerra. E, conforme tal artigo demonstra tão bem, eles se encontravam em nítido contraste com os stalinistas.
A denúncia do PSR da política de colaboração de classes do PCB coloca em cheque o balanço histórico que muitos stalinistas atuais fazem do PCB. Aqueles que imaginam alguma suposta integridade política do partido ao longo de sua história, ao se depararem com as críticas trotskistas feitas tanto pelo PSR quanto por seus predecessores, encontrarão sérias dificuldades em sustentar tal mito.
Já uma série de stalinistas “ortodoxos” que se opõem à linha do PC soviético após seu XX Congresso (1956), encarando-o a partir de então como “revisionista”, tentam fugir do fato de que o oportunismo dos partidos comunistas pelo mundo teve sua raiz nas décadas de orientação de Stalin e da burocracia soviética desde meados da década de 1920. Além de não ter representado um rompimento consistente com as práticas burocráticas e colaboracionistas, tais correntes como os maoístas agrupados em torno do jornal “A Nova Democracia”, o atual PCR e alguns elementos isolados do atual PCB buscam jogar toda a culpa pelos erros e traições oportunistas que já não podiam esconder nas costas de alguns funcionários menores, sem jamais reconhecer no “grande organizador de derrotas” (Stalin) e em seus asseclas a causa das políticas criminosas seguidas pelos partidos comunistas oficiais. Para sustentar essa farsa, precisam fazer cambalhotas incríveis.
Atualmente os maoístas do jornal “A Nova Democracia”, por exemplo, fazem críticas à política do PCB no pós-guerra que são (inadvertidamente?) muito parecidas com aquelas expressas no artigo do PSR que reproduzimos aqui. Eles condenam o pacifismo do PCB e sua colaboração de classes, por apoiarem Vargas e defenderem uma transição prolongada e pacífica ao socialismo. Entretanto, não só fazem tais críticas muitas décadas depois, a posteriori (enquanto somente os trotskistas combateram esse oportunismo à época), como não são capazes de ligar tais posições ao stalinismo de forma geral, já que permanecem defendendo o legado podre de Stalin. Encaram que estas posições criminosas do PCB teriam sido “desvios browderistas” (Earl Browder foi um dirigente direitista do PC americano que foi feito de bode expiatório), e não teriam nenhuma conexão com as posições defendidas por Stalin e pelo governo soviético no pós-guerra, os quais “A Nova Democracia” segue considerando que eram “revolucionários”:
“O balanço superficial de 1935, tomado como um erro de tipo golpista, e a entrada do Brasil na guerra levam a direção do PCB a mudar a caracterização do governo Vargas, passando a considerá-lo um representante da ala ‘progressista’ da burguesia nacional, sendo um aliado da classe operária e cabendo ao partido apoiar setores progressistas no governo através da política de ‘União Nacional’. É de suma importância destacar desde já que esta tese da existência de ‘setores progressistas no governo’, devendo então os revolucionários ‘apoiar tal governo’, é a enfermidade que se tornou crônica no movimento popular e de esquerda no país, manifestando-se quase que como ato contínuo na vida do partido comunista, de suas frações e da ‘esquerda’ brasileira, no período mais recente e dias atuais. A influência do browderismo como reformismo fica evidente quando, com o PCB já na legalidade, Prestes, em seu famoso discurso no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, afirma: ‘Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda’.”
– Vitória sobre o nazi-fascismo, Conferência da Mantiqueira e as ilusões constitucionais. AND n. 82, de outubro de 2011. Disponível em:
Ao contrário do que crê “A Nova Democracia”, tais posições tem suas raízes no próprio Stalin e na liderança da Internacional Comunista stalinista, cuja política do “socialismo num só país” e posteriormente da “frente popular” conduziam à contenção da luta de classes em prol de uma unidade com partidos burgueses embelezados como “antifascistas”, “democráticos”, “progressivos”, “nacional-revolucionários” etc. etc. Isso é demonstrado pelo artigo do PSR através do paralelo traçado entre a política do PCB e a de Stalin, que também deu pleno estímulo na época à política traidora dos Partidos Comunistas europeus, como o francês e o italiano, em seu apoio aos fracos governos imperialistas “democráticos” estabelecidos após a derrota do nazismo. Achar que a política do PCB em 1945 estava de alguma forma em desacordo aos desígnios da liderança soviética é uma tentativa de falsificação com o objetivo claro de sustentar o mito de que o revisionismo só teria dominado o movimento comunista após a morte de Stalin. Os burocratas stalinistas sempre se utilizaram da tática de jogar toda a culpa por erros e oportunismos que já não podiam ser escondidos em burocratas locais, para se livrarem da sua responsabilidade, como fizeram com Browder nos EUA. Estamos diante de uma tentativa moderna (a posteriori) de fazer o mesmo.
As dificuldades e o fim da trajetória do PSR
Apesar do conteúdo correto do programa exposto no artigo do PSR em questão, ainda se sabe pouco a respeito das posições do partido em outras situações, o que impede a realização de um balanço crítico mais completo de sua história nesta nossa modesta contribuição. A maior parte das seções da Quarta Internacional na América Latina à época eram marcada por uma série de fragilidades políticas e organizativas e o PSR não escapou a esses problemas e dificuldades.
Existem algumas pistas, por exemplo, que indicam algumas de suas fragilidades já durante a Segunda Guerra Mundial. Mario Pedrosa, veterano trotskista que esteve presente desde a fundação do GCL e se tornou uma importante liderança local e internacional (chegando a ocupar um assento no Comitê Executivo Internacional da Quarta, após representar as seções latino-americanas em seu congresso de fundação), havia se alinhado à fração Burnham-Shachtman em 1940, com sua proposta de abandono da defensa revolucionária da URSS após o pacto Hitler-Stalin. Pedrosa não só tentara influenciar o PSR em torno dessa posição, como parece ter feito o possível para dificultar a comunicação do partido com a Internacional após deixar suas fileiras – momento a partir do qual Sacchetta se tornou seu principal dirigente. Conforme um relatório apresentado na Conferência de Emergência da Quarta Internacional, em 1940, pelo seu Departamento Latino Americano:
“O movimento pela Quarta Internacional no Brasil é um dos mais antigos no continente; ele foi organizado em torno de 1930-31. Desde sua formação, ele passou por diversas crises políticas e organizativas. Politicamente, ele tem sido um dos grupos mais ativos; mas devido à sua falta de uma liderança firme e estável, sua vida política assume uma forma desorganizada e se traduz, frequentemente, em crises organizativas. A ‘virada francesa’ [política de ‘entrismo’ em movimentos reformistas em meados dos anos 1930] acarretou em sua completa desorganização e levou um grande tempo para isso ser revertido. No momento, de acordo com as informações disponíveis, o grupo brasileiro apoia a posição dos desertores do SWP [fração Burnham-Shachtman]. Ele se constitui sob o nome de Partido Socialista Revolucionário. De acordo com um informe do Camarada Smith, ele possui cerca de cinquenta membros. Nós não temos relações diretas com eles, devido ao fato de Lebrun [Mario Pedrosa], seu representante, que desertou a Quarta Internacional, continuamente se recusar a nos entregar seu endereço.”
– Relatório à Conferência de Emergência da Quarta Internacional pelo Departamento Latino-Americano. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em:
Nesse sentido, a mesma Conferência adotou uma declaração desautorizando Pedrosa e outros membros do Comitê Executivo Internacional alinhados a Shachtman a seguirem falando em nome da Quarta Internacional. Esse documento menciona uma carta enviada pelo PSR à maioria do Comitê, no qual o partido reafirma (até segunda ordem) sua centralização frente ao programa da Quarta em relação à defesa da URSS, mas informa da existência de sérias divergências internas quanto à situação – o que demonstra que Pedrosa foi capaz de influenciar parte de seus membros:
“É importante mencionar que Lebrun [Mario Pedrosa] e Cia. já não representam absolutamente nada entre as fileiras da Quarta Internacional. (…) A autoridade de Lebrun residia sobre o mandato que lhe foi conferido pelo Congresso Mundial [1938], enquanto representante das seções latino-americanas. Todas as seções latino-americanas, até onde sabemos, se expressaram a favor da manutenção da posição de defesa incondicional [da URSS], isto é, de permanecerem leais às decisões do primeiro congresso mundial e aos princípios da Quarta Internacional. Até mesmo sua própria seção, a brasileira, em uma carta mencionada na declaração [da maioria do Comitê Executivo Internacional], se declarou pronta para continuar defendendo o slogan de defesa incondicional até que uma decisão internacional seja atingida, apesar de existir entre suas fileiras uma forte tendência derrotista. (…)”
– Declaração Suplementar do Comitê Executivo Internacional. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em:
Os historiadores do movimento operário brasileiro ainda não desenvolveram pesquisas acerca do PSR que sejam tão aprofundadas em termos de informações e documentação quanto as produzidas sobre as organizações que o antecederam – em especial a LCI. Entretanto, sabe-se que ele angariou o apoio de importantes personalidades – como a já citada Pagu, que rompeu com o PCB para se juntar aos trotskistas (sua carta de ruptura pode ser lida em http://www.ler-qi.org/Carta-de-uma-militante) – além de terem passado por suas fileiras algumas figuras que se tornariam intelectuais marxistas de relevo nos anos seguintes – como Florestan Fernandes e Maurício Tragtenberg.
Devido à atual insuficiência das informações disponíveis, ainda não se sabe com exatidão o que levou ao seu fim. É certo que o PSR passou por duros momentos de isolamento internacional após a ruptura de Mario Pedrosa, apesar de ter retomado contato no começo dos anos 1950. Em um documento aprovado pelo Terceiro Congresso da Quarta Internacional (1951), “Latin America: Problems and Tasks”, é mencionada a “seção reorganizada” do Brasil. Além das dificuldades em manter comunicações com o Secretariado Internacional após a saída de Pedrosa, o PSR parece ter passado por uma crise sem volta quando da ruptura entre pablistas e anti-pablistas na Quarta Internacional entre 1952-53.
Alguns anos depois (por volta de 1956), parte de seus membros, como Sacchetta e Tragtenberg, fundariam a Liga Socialista Independente, organização frequentemente caracterizada por historiadores como “luxemburguista”, da qual também fizeram parte conhecidas figuras, como Paul Singer e Michael Löwy (atual dirigente do Secretariado Unificado). Em 1952, era fundado no país um novo grupo reivindicando-se trotskista – o Partido Operário Revolucionário, sob coordenação de Juan Posadas, então dirigente do Birô Latino Americano da Quarta Internacional. Esse, entretanto, já é outra página da história do trotskismo brasileiro, que teve lugar já sob o manto do revisionismo pablista.
Conclusão
O artigo do PSR foi originalmente publicado em 1945 sob a epígrafe “A pedidos”, no Diário Carioca – um periódico de grande circulação do Rio de Janeiro e que na época fazia oposição ao governo de Getúlio Vargas. Em suas oficinas, certamente trabalhavam alguns militantes do partido, seguindo a tradição do trotskismo brasileiro de ter forte inserção entre os trabalhadores gráficos e jornalistas. Não podemos saber ao certo, mas é possível que sua publicação tenha sido fruto de pressão da União dos Trabalhadores Gráficos, dirigida pelo PSR tanto no Rio quanto em São Paulo.
Ele se encontra na edição número 5.263, de 12 de agosto, sob o título “O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário”. Sua transcrição e atualização ortográfica foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário a partir de um exemplar disponível no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ao que nos parece, tal artigo encontrava-se esquecido, pois não encontramos referências a ele mesmo em pesquisas de historiadores especializados no movimento trotskista brasileiro.
Cabe ressaltar que existe uma tradução de tal artigo para o inglês disponível já há alguns anos na Encyclopedia of Trotskyism Online (https://www.marxists.org/history/etol/). Essa versão foi originalmente publicada em abril de 1946 em Fourth International (revista teórica do SWP norte-americano), v. 7, n. 4, sob o título “The Political Situation in Brazil”, com algumas modificações em relação à versão original em português.
Sem a pretensão de termos esgotado as questões que cercam a existência do PSR, fica a nossa modesta contribuição à história do movimento operário brasileiro e à memória dos nossos antepassados programáticos, dos quais podemos tirar importantes lições para nossas lutas presentes.
ALGUMAS INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMO, F. e KAREPOVS, D. Na contracorrente da História – Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo: Brasiliense, 1987.
ALMEIDA, Miguel Tavares de. “Os trotskistas frente à Aliança Nacional Libertadora e aos levantes militares de 1935” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 83-117.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “Os intelectuais trotskistas nos anos 30” in REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e poder (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 letras, 2000, p. 137-152.
FERREIRA, Pedro Roberto. “O Brasil dos trotskistas (1930-1960)” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 11-58.
NETO, José Castilho M. Solidão Revolucionária – Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.