Os problemas do MAIS e o legado do PSTU/LIT
É preciso romper com o morenismo para não ser “mais do mesmo”
Pablo Pedrosa, novembro de 2016
Ao completar 22 anos, o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) tem pouco a comemorar: o partido sofreu um enorme racha depois de perder vários membros nos últimos três anos. Com centenas de militantes, entre eles históricos dirigentes como Valério Arcary, o novo grupo lançou seu manifesto “Arrancar Alegria ao Futuro” e logo organizou-se com o nome de MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente Socialista). Há cerca de um ano, ex-militantes do PSTU também reuniram-se em um outro grupo, consideravelmente menor, o Movimento ao Socialismo (MAS). Esses dois movimentos romperam em momentos e contextos distintos, mas tinham algumas posições em comum. Em especial a discordância com a política nacional do PSTU, sobre o impeachment da presidenta Dilma – o PSTU dizia que o impeachment era “insuficiente” e lançou a palavra de ordem: “Fora Todos Eles, Eleições Gerais Já!”, dizendo que a saída de Dilma correspondia à vontade dos trabalhadores (independentemente de como se desse). E também a crítica ao isolamento do partido do restante da esquerda, especialmente a oposição da direção nacional a uma frente eleitoral com o PSOL em 2016. Ambos os rachas defendem oposição ao impeachment, sem se comprometer com o governo Dilma. Também defendem a formação de uma Frente de Esquerda contra a política de “ajuste fiscal”, aglutinando partidos como o PSOL, PCB, PSTU, movimentos como o MST e MTST e organizações sindicais como a CSP-Conlutas.
Enquanto o MAS formou a Nova Organização Socialista (NOS) junto a outros grupos e se afastou do morenismo que orienta o PSTU, o MAIS se manteve nas fileiras da internacional dirigida por esse, a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). A direção da internacional adotou uma posição “fraterna” em relação ao novo grupo, evitando assim a fragmentação destes militantes insatisfeitos, e o aceitou como seção simpatizante. O MAIS segue defendendo a trajetória e política da LIT, e no que poderíamos considerar uma posição mais coerente com os preceitos clássicos do legado morenista, defende a formação de frentes de colaboração política com a esquerda reformista, em oposição ao PSTU atual, que seguiu isolado na defesa deslocada do “Fora Todos” e de que nenhuma mudança desfavorável aos trabalhadores ocorreu com o impeachment, assim como insiste que não teria ocorrido nenhum golpe.
O que será do futuro?
O MAIS é, corretamente, crítico às políticas defendidas pela direção majoritária do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade):
“Rejeitamos qualquer tentativa de reeditar, trinta anos depois, a experiência reformista do PT, como faz hoje a direção majoritária do PSOL. A redução da luta de classes à luta parlamentar, as alianças com os setores supostamente progressivos da burguesia nacional, a transformação dos deputados, senadores e prefeitos em figuras todo-poderosas, que só devem satisfações a si mesmos – tudo isso já foi feito. E fracassou. Não trilharemos este caminho”
http://alegriaaofuturo.com.br/manifesto/
Mas defenderam formar uma frente com este partido para as eleições burguesas, bem como uma unidade programática com ele no movimento, indo muito além de uma unidade nas lutas:
“Para ser efetiva, essa saída precisa ser construída de fato por todas as correntes e organizações combativas do movimento social, por todos que desejam sinceramente conformar esse terceiro campo alternativo da classe trabalhadora. Defendemos a unidade deste terceiro campo também nas eleições municipais de 2016. Propomos ao PSTU, ao PSOL, ao PCB, às organizações políticas que não possuem legalidade e aos movimentos sociais a construção de uma Frente de Esquerda e Socialista, com um programa de ruptura com os planos de ajustes que são aplicados por todos os governos e prefeituras. Nos colocamos desde já a serviço dessas grandiosas tarefas.”
O grupo faz críticas corretas sobre até onde a vitória de candidatos do PSOL pode de fato trazer um resultado positivo na realidade da população. Também faz considerações críticas sobre os candidatos, forma de financiamento de suas campanhas e formação de suas coligações. Porém, nestas eleições municipais, o MAIS apoiou candidaturas do PSOL que fazem justamente aquilo que foi criticado, inclusive aquelas com “alianças com os setores supostamente progressivos da burguesia nacional”. Apoiou a candidatura de Luciana Genro em Porto Alegre, coligada com o fisiológico “Partido Pátria Livre” (PPL) e que recebeu dinheiro empresarial. Também apoiou as candidaturas de Erundina em São Paulo, que tem ampla ficha corrida de serviços prestados à burguesia brasileira, e de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, que não vê problema algum em governar “para todos”, supostamente atendendo tanto os interesses dos pobres e trabalhadores quanto dos empresários – portanto, sem qualquer delimitação de classe.
Essa “confusão” indica o caráter centrista do MAIS. Para revolucionários, a participação nas eleições burguesas serve como um momento para denúncia contra o regime, demonstrar suas contradições e a forma como o capitalismo é a razão principal de suas agruras, não personificado neste ou naquele representante deste sistema, como se fosse mera questão de gestão. Por isso nós do Reagrupamento Revolucionário somos contra o boicote às eleições por princípio (como fazem anarquistas, por exemplo), mas também somos contra apoiar candidatos que não fazem demarcação de classe e que não deixem claro que é necessário enfrentar o capital para melhorar a vida dos trabalhadores. Dar apoio a candidaturas assim é contraproducente para o projeto revolucionário, por disseminar ilusões nas instituições da burguesia e na possibilidade de um capitalismo mais “humano”. (Para mais detalhes, ver nossa declaração Os revolucionários e as eleições burguesas, de setembro de 2016: https://rr4i.milharal.org/2016/09/25/2114/).
O centrismo do MAIS se faz ver também na forma como ele concebe a relação com o restante da esquerda. Fazendo valer sua “inspiração” no morenismo, o grupo faz apelo pela formação de “Frentes de Esquerda”. Mas que frentes seriam essas senão a aglutinação de organizações, com ou sem registro eleitoral, em torno de um programa comum? Esses grupos têm, cada um, uma estratégia e uma política distinta. O PSOL, por exemplo, tem divergentes tendências internas, mas que em geral seguem uma perspectiva parlamentarista. O PCB tem uma perspectiva de “Poder Popular”, mas que poderia representar (de acordo com o próprio PCB) governos “progressistas” bolivarianos, por exemplo (Evo, Chávez etc.). O PSTU, como o próprio MAIS critica, tem uma posição oportunista na conjuntura contra o golpe, rejeita mesmo que estejamos num contexto de avanço das forças reacionárias.
Uma coisa é uma unidade de ação entre vários grupos diferentes para construírem uma luta em comum, deixando claras as suas diferenças e propostas de como levar a luta à vitória (a fórmula política da Frente Única, sintetizada na noção de “bater juntos, marchar separados”). Outra é um bloco político com grupos heterogêneos, com base em um programa comum – o que só poderá significar, se não em um silenciamento, pelo menos um “esquecimento” às críticas dessas correntes entre si, em prol da defesa de um programa misto, que não é de ninguém e de todos ao mesmo tempo (embora sempre prevaleça aquele dos setores maiores). Qual desses programas (PSOL, PSTU, PCB, programa “misto”) é capaz de responder às necessidades da luta? Será que da mera união desses grupos vai emergir um programa socialista coerente?
Tradicionalmente, o morenismo busca construir a liderança revolucionária justamente com base nesse tipo de aliança oportunista com outros grupos da esquerda que possuem uma série de incoerências programáticas (reformistas ou centristas). O foco do MAIS na “unidade da esquerda” mostra que ele pouco avançou para além da raiz de muitos dos erros do PSTU. (Para mais detalhes sobre alguns dos pilares do morenismo e sua diferença em relação ao legado de Leon Trotsky e da Quarta Internacional, ver Moreno e Trotsky: compare e contraste, de junho de 2016 https://rr4i.milharal.org/2016/06/18/moreno-e-trotsky-compare-e-contraste/)
O caráter eleitoral de uma frente do tipo que propõe o MAIS torna a questão ainda mais complicada. A participação dessas frentes nas eleições prioriza os “figurões” dos partidos principais, que se tornam a cara pública das mesmas. Exemplo disso é o caso de Freixo no Rio. Freixo defendeu o recebimento de “doações” de empresas privadas no passado, apoia o Estado de Israel, defendeu “criticamente” as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) até meados de 2013 e defende PPPs (Parcerias Público Privadas). E ele com frequência “ameniza” outras posições, na esperança de ganhar a “opinião pública” e, assim, se apresentar como alguém capaz de governar o Estado capitalista. Isso ficou evidente ao longo do segundo turno, com ele recuando cada vez mais, buscando o “diálogo” com a iniciativa privada e removendo de seu programa propostas como a de fim da superisenção de impostos das empresas de ônibus e a de IPTU progressivo. Para não mencionar a completa ausência de propostas básicas da esquerda socialista (até a reformista), como a de estatização do sistema de transporte e fim da gestão privada na saúde e educação.
Construir a frente em torno de candidatos que defendem uma gestão do capitalismo, ainda que “ética” e “humana”, determina os limites do programa da mesma. Apesar de ter feito algumas (poucas) críticas ao seu “prefeiturável”, o MAIS seguiu firme na campanha de Freixo. E o mesmo ocorreu em relação a Genro e Erundina. Qual foi a contribuição disso para o projeto socialista revolucionário, que demanda uma cotidiana e persistente luta para gerar a mais profunda desconfiança em relação ao Estado burguês e sua ordem capitalista? Tais campanhas, ao contrário, serviram para disseminar ilusões em ambos e o MAIS lamentavelmente auxiliou nisso, emprestando um verniz de vermelho para programas que sequer falavam em socialismo.
A frente que devemos formar neste momento é uma frente de luta, que combata as contrarreformas do governo Temer. Uma frente de ação prática, que traga às ruas a população e coloque em pauta suas reivindicações. Essa frente deve ser formada pela base, a partir da unificação dos vários setores que já se encontram mobilizados, através da eleição de delegados revogáveis e em número proporcional a cada categoria em greve, cada escola e universidade ocupada etc., de maneira a formar comissões operativas para tocar o dia-a-dia da frente. Mas ela não deve se limitar aos setores já mobilizados, deve também se pautar pela ativa tentativa de expandir a mobilização para outros setores, de forma que estudantes e professores em greve ajudem a trazer para a luta os terceirizados e desempregados; que os servidores públicos, garis e petroleiros ajudem a mobilizar os trabalhadores informais.
Uma frente dessas, urgente no atual cenário nacional, deve ter também vários eixos específicos dos diversos setores mobilizados, para além de seu eixo geral de unidade contra os ataques. E deve ser amplamente democrática, no sentido de abrir espaço para que se expressem as diferentes posições estratégicas e táticas das organizações políticas e militantes independentes sobre como atingir a vitória. Somente assim a consigna da “greve geral”, tão defendida no momento, pode sair da agitação abstrata e se tornar um norte concreto. E somente assim pode haver base para um “Fora Temer!” que não desague em mais um governo capitalista “ajustador”, mas com “legitimidade”.
Em uma frente como essa, pela qual nós do Reagrupamento Revolucionário vimos fazendo agitação desde o começo do ano, atuaríamos apresentando a bandeira estratégica de “governo revolucionário dos trabalhadores”, o que significa colocar a decisão dos rumos do país nas mãos da classe trabalhadora e liquidar o capitalismo, em oposição aos programas eleitoreiros, reformistas ou centristas.
O PSTU insiste em não enxergar o golpe e seus efeitos…
Na sua declaração sobre a ruptura do MAIS, o PSTU basicamente insistiu em todos os erros que levaram ao racha. Pôs um sinal de igual entre o governo do PT e a direita golpista, entusiasmada pela possibilidade de derrubá-lo, como se não houvesse um interesse claro dessa direita em atacar ainda mais duramente os trabalhadores – o que efetivamente estava em jogo. O PSTU se apoiou no sentimento de frustração de parte da população com o PT, mas sem perceber que tal sentimento não era fomentado por um instinto socialista, ou mesmo classista, mas pela investida reacionária da imprensa e dos movimentos golpistas:
“Os trabalhadores queriam que o governo saísse, e esse sentimento era correto e justo. O governo Dilma não era “progressivo” frente a uma alternativa burguesa qualquer, como Temer, por exemplo. Para os trabalhadores, eram iguais. Portanto, não há que se defender um contra o outro e sim lutar contra os dois. Fora Dilma, Temer Cunha e Aécio! Fora todos eles!”
http://www.pstu.org.br/node/22104
Com o impeachment de Dilma assumiu Michel Temer, com a missão de “acertar as contas”, logo aliando-se à antiga oposição, somando esforços com mídia, empresários e suas entidades, lançando seu pacote de medidas apelidado de “Ponte para o Futuro” e, na onda do “arrocho necessário”, formulando a nefasta PEC 241 (agora PEC 55), ou a “PEC do fim do mundo”. Diferente do que o PSTU defendia, não há sequer o espectro de qualquer vitória para os trabalhadores, sequer parcial ou “misto de vitória com sabor amargo” (http://www.pstu.org.br/as-ruas-fora-dilma-fora-temer-fora-todos-eles/). E porque não? Porque não foram estes, os trabalhadores, que botaram Dilma pra fora. Os deputados e senadores reacionários do Congresso seguem firmes em suas cadeiras. Para piorar, após as eleições municipais temos ainda mais prefeitos e vereadores alinhados aos esforços pela retirada de direitos. O judiciário reforça seus “superpoderes”. O PSTU fechou os olhos a quem estava liderando a queda de Dilma, negando o aspecto reacionário de quem utilizava-se da impopularidade do governo para impor uma alternativa ainda mais reacionária: um grave erro.
Dilma – assim como Lula – deu o pontapé inicial aos ataques, mas por conta do seu caráter conciliador de classes e sua fraqueza estes vieram de forma dissimulada e “por partes”. Agora Temer surge como o “reformador”, e para isso precisa pôr abaixo pequenas concessões oferecidas pelo governo petista no decorrer dos últimos 13 anos, “regalias” estas que seriam as responsáveis pelo déficit no orçamento (quando na realidade foi a transferência de suntuosas somas de verba pública para a iniciativa privada a responsável).
Corrupção, cooptação, e má gestão são outros argumentos usados pelo PSTU (e pela direita) para defender o impedimento da presidenta como algo positivo. Mas então o que temos como resultado? Os setores alinhados ao PT continuam defendendo a mesma política, só que agora extremamente enfraquecidos. Temer é uma velha raposa política, conhecido por sua íntima relação com empresários e facilidade em “conquistar” aliados. A gestão não muda, o Estado, a serviço dos capitalistas, segue defendendo seus interesses, agora com mais vigor. Vemos avançar com força a proposta de limitar gastos do governo no decorrer dos próximos anos como medida para garantir que o país será capaz de “honrar” sua dívida. Serão bilhões de reais desviados de áreas fundamentais como saúde e educação. Em relação à última há ainda a proposta pela reforma (MP 746) que reduzirá a formação dos estudantes de escolas públicas, levando à demissão de professores, fechamento de salas de aula, piora nos já ruins índices de educação e um distanciamento ainda maior do nível de ensino em colégios públicos em comparação aos particulares.
Esses são os resultados da saída de Dilma em um contexto em que quem entrou, e só quem poderia entrar dada a forma como Dilma saiu, foram os golpistas e o que há de mais reacionário da burguesia. O PSTU, em vez de ter alertado disso os setores da classe trabalhadora e da juventude que o seguem, se colocou “criticamente” ao lado do golpe, ao reivindicar o “Fora Dilma, fora todos” imediato e “já”, e afirmar que o problema do impeachment era apenas que ele era “insuficiente”.
Para piorar, o PSTU também condenou a participação em manifestações contra o golpe:
“por considerar que o ‘Não ao impeachment’ e a participação em atos da Frente Povo Sem Medo significava, na prática, a mesma postura política da campanha contra o suposto golpe, deflagrada pelo PT para tentar manter Dilma no governo. A Frente Povo Sem Medo, encabeçada pelo MTST e o PSOL, foi simplesmente a ala esquerda da campanha pelo ‘Fica Dilma’.”
De fato foi isso que ocorreu com a maior parte das mobilizações contra o golpe, mas esse caráter da Frente Povo Sem Medo deve-se à postura de capitulação de suas direções em relação ao antigo governo do PT. Essa posição oportunista do PSOL e da direção do MTST (assim como do PCO e dos ex-governistas da CUT, MST, UNE e UBES) não justifica, por outro lado, o abandono da luta contra o golpe. Dever-se-ia participar dessas mobilizações sempre que possível, diferenciando-se todas as vezes dos setores governistas e também daqueles que capitulavam ao governo. Foi o que nós do Reagrupamento Revolucionário defendemos em nossas intervenções e materiais ao longo dos últimos meses (ver, por exemplo, esse panfleto de março: https://rr4i.milharal.org/2016/04/11/panfleto-sobre-a-conjuntura-nacional-2/, e esse de junho: https://rr4i.milharal.org/2016/06/01/abaixo-o-governo-golpista/).
… e o MAIS insiste nas “Eleições Gerais”
No mesmo contexto, a Direção Nacional do PSTU bradava por “Eleições Gerais Já” como forma de “pôr para fora todos eles”. O partido defendeu organizar a população pela derrubada não só do falido governo Dilma, mas que se fizesse uma “faxina” na política brasileira. Além da presidenta, senadores, deputados e governadores deveriam ser destituídos e “eleições gerais” deveriam ser convocadas para tal. Apesar de ser contra a linha do PSTU de “Fora todos” como “resposta” ao impeachment, o MAIS manteve contraditoriamente essa política de “eleições gerais”:
“É preciso trocar tudo. E por isso estamos juntos com todas as organizações da esquerda socialista que estão propondo novas eleições gerais. Não porque acreditamos na saída eleitoral. Acreditamos que se for pela força da mobilização popular que isso se concretize, estará estabelecida uma nova correlação de forças, capaz de forjar um novo projeto que não repita o passado, um projeto de real enfrentamento com o capital e não de conciliação com ele.”
http://esquerdaonline.com.br/2016/09/05/por-que-defendemos-eleicoes-gerais-ja/
Para um partido que se reivindica revolucionário, defender que “eleições gerais”, mesmo que com “regras diferentes”, possam apresentar alguma alternativa de mudança real para os trabalhadores (“forjar um novo projeto que não repita o passado”) em um regime burguês é uma contradição. É possível defender “eleições livres” em regimes autoritários, como uma demanda democrática básica. Mas mesmo nesse caso, que não é o brasileiro, também não se deve espalhar ilusões de que eleições seriam suficientes para derrotar a burguesia e colocar no poder um projeto dos trabalhadores.
E no atual contexto nacional, quando há um crescimento da reação direitista, conservadora e anticomunista entre a população, defender a realização de “eleições gerais” não pode trazer resultados positivos, muito pelo contrário, como mostraram as recentes eleições municipais. Apesar de diferentemente do PSTU, o MAIS reconhecer o caráter reacionário de quem tomou a dianteira pelo golpe institucional, o grupo mantém seu apelo por Eleições Gerais, ou seja, deposita esperanças que dentro do regime, com poucas modificações que tornem os pleitos mais democráticos e fechados aos “corruptos”, a população possa ser “capaz de forjar um novo projeto que não repita o passado”. Aqui, mais uma vez, se faz presente a marca do morenismo, que busca se pautar por lutas de cunho “democrático” (a chamada “revolução democrática”), como a suposta antessala da revolução socialista (ver o material já mencionado, Moreno e Trotsky: compare e contraste).
A relação do MAIS com a LIT e o legado morenista
Os fundadores do MAIS são cautelosos ao falar de sua organização de origem:
“Reconhecemos o PSTU como uma organização revolucionária. Não pensamos que é menos revolucionário agora do que antes. Mas às vezes é impossível aos revolucionários pertencer a uma mesma organização. Apostamos na possibilidade de uma separação amigável, e portanto exemplar, muito diferente das rupturas explosivas e destrutivas que o passado tanto viu. Mantemo-nos, por isso, nos marcos da Liga Internacional dos Trabalhadores, na qualidade de seção simpatizante.”
Resta a dúvida: se o PSTU deve ser reconhecido ainda como uma organização revolucionária, por que romper, e com isso, enfraquecer uma organização tradicional no país em vez de somar esforços pelo seu crescimento? Romper com qualquer organização só deve ser tido como algo positivo quando as críticas feitas, discordâncias e contradições levem ao avanço das posições. É assim que deve formar-se o verdadeiro partido revolucionário dos trabalhadores.
Como dissemos, outra característica do MAIS é a sua condição de seção simpatizante da LIT. A Internacional foi leniente com o racha para que assim não perdesse forças no Brasil. Não fez nenhuma crítica ao grupo e, tanto o PSTU quanto o racha são diplomáticos ao tratar de suas críticas. Inclusive a nova organização está mais próxima das posições clássicas do morenismo do que sua seção oficial no país. Como é característico do morenismo, defendem aliar-se politicamente com setores “inconscientemente revolucionários” (a forma como Moreno se referia a reformistas e centristas com influências de massas), como o MAIS está fazendo em relação ao PSOL.
O PSTU é corretamente criticado por não reconhecer uma conjuntura de avanço da reação com o impeachment e por acreditar que a queda de Dilma foi progressiva independente de como se deu. Isso no Brasil. Porém, não é feita qualquer autocrítica sobre as posições tomadas pela LIT na sua política internacional nos últimos anos (muito menos historicamente) que assemelham-se muito a essa metodologia. O MAIS nada disse até o momento sobre a defesa escandalosa que na época seus líderes fizeram do golpe militar no Egito, ao afirmar que era uma “revolução democrática” vitoriosa, enquanto na verdade a conjuntura era perigosíssima aos trabalhadores (ver nossa polêmica de outubro de 2013: http://rr4i.milharal.org/2013/10/31/o-golpe-militar-no-egito-e-a-posicao-escandalosa-do-pstu-lit/). O mesmo pode se dizer com relação à Líbia, na qual apoiaram a derrubada do governo de Kadafi como supostamente parte de uma “vitória revolucionária”, apesar de ter sido conduzida pelos imperialistas (ver nossa polêmica de novembro de 2011: http://rr4i.milharal.org/2011/11/17/polemica-com-o-pstu-e-com-a-ler-qi-sobre-a-libia/). Ou no caso da Ucrânia, em que declararam “revolucionária” a saída do presidente corrupto por mobilizações hegemonizadas pela direita fascista e protofascista.
Há um íntimo vínculo entre essas posições internacionais do PSTU/LIT e a sua posição na conjuntura brasileira, mas o até o momento o MAIS não parece disposto a ir na raiz dessas posições. Não se pode “arrancar alegria ao futuro” com todas essas tragédias no passado. É necessário um balanço sério desse “vínculo”, que é precisamente o legado teórico e programático de Nahuel Moreno, nos marcos fundamentais do qual o MAIS se mantém.
A questão dos Estados operários burocratizados
Uma dessas situações em que o PSTU/LIT apoiou a derrubada de regimes como “progressiva” sem considerar quem os derrubava foi a destruição dos Estados operários deformados e degenerados do Leste Europeu e da URSS. De forma aparentemente contraditória ao legado do morenismo, o MAIS considera que o desmantelamento dos Estados operários burocratizados não foi uma “vitória dos povos contra o stalinismo” (como afirmou a LIT à época), mas sim uma ofensiva burguesa:
“Acreditamos que as dificuldades enfrentadas pelos revolucionários neste início de século 21 encontram sua explicação mais profunda no impacto reacionário da restauração capitalista na URSS, leste europeu, sudeste asiático e Cuba. A ofensiva política, econômica, social, militar e ideológica do imperialismo, os discursos sobre “o fim da história” e a adaptação da esquerda reformista à ordem burguesa não passaram sem consequências. O movimento de massas retrocedeu em sua consciência e organização. E os revolucionários sofreram os efeitos desses anos de confusão e crise.”
Aqui cabe questionar até onde o MAIS considera negativa a queda dos regimes burocráticos soviético e do Leste Europeu. Em seu manifesto o grupo não explica isso e até agora não abordou de forma profunda esta questão de como se posicionaria nas contrarrevoluções que triunfaram entre 1989-91. Assim como a sua organização “fraterna”, consideram que os Estados burocráticos remanescentes como Cuba, China, Vietnã e Coreia do Norte já “traçaram o caminho” em direção ao capitalismo. Mas, igualmente, não explicou até o momento como ou quando esses Estados teriam sido destruídos e Estados burgueses teriam se construído nesses países. O MAIS passa a impressão de repetir a fórmula do “reformismo ao contrário”, segundo a qual esses países teriam se “transformado” em Estado capitalistas por meio de contrarreformas graduais da burocracia, sem um momento preciso de mudança qualitativa ao nível estatal. (Esse tópico merece um texto à parte, mas para um comentário mais aprofundado, recomendamos nosso artigo de fevereiro de 2012 sobre a Coreia do Norte, e uma visita a nosso Arquivo Histórico, repleto de materiais sobre a questão: https://rr4i.milharal.org/2012/02/08/a-morte-de-kim-jong-il-e-o-futuro-da-coreia-do-norte/ e https://rr4i.milharal.org/documentos-historicos/)
Conclusão
Aqueles que romperam com o PSTU tem o mérito de terem combatido a posição absurda do partido com relação ao golpe e à conjuntura brasileira. Porém, ao não se aprofundarem em romper com o método do PSTU e o legado morenista, o que temos é um grupo comprometido em formar blocos políticos com setores reformistas/eleitoreiros, propondo o programa sem saída de “Eleições Gerais” na atual crise e que não fez, até o momento, nenhuma autocrítica das várias vezes em que a LIT apoiou movimentos reacionários como se fossem “objetivamente revolucionários”, ignorando seu caráter de classe e sua política. Portanto, esta nova organização não foi capaz de superar o legado teórico e programático oportunista do PSTU, o que é um obstáculo para contribuir com a construção de uma organização para liderar a revolução socialista no Brasil. Somente assim, rompendo decisivamente com o morenismo e suas consequências oportunistas, é que se evitará ser “mais do mesmo”.