A crise política brasileira e a necessidade de um programa classista e revolucionário
Fevereiro de 2017
[Pequenas alterações e correções neste texto foram realizadas no dia 18/02/2017]
Está consolidado o golpe de Estado realizado pelo Congresso e Judiciário, com auxílio chave da Polícia Federal. O golpe claramente veio para, dentre outras coisas, aprofundar em ritmo e intensidade os ataques à classe trabalhadora, os quais já haviam se iniciado sob a gestão de Dilma e do PT. A conclusão prática é que, pelo menos pelo próximo período político, a luta central deverá ter caráter defensivo, com o objetivo de resistir a tais ataques. Qualquer ilusão na possibilidade de anulação do impeachment de Dilma, ou ainda uma tentativa de emplacar um “volta Dilma” (como o que deseja o Partido da Causa Operária, PCO [1]) não só será infrutífera, como desviará criminosamente o foco da luta contra tais ataques.
As estimativas de que o governo golpista seria “fraco” entre aqueles que defendiam o “Fora Dilma” (caso do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados, PSTU [2]) não bateram com a realidade. O governo Temer é governo altamente impopular, segundo recentes pesquisas de opinião, e vem sofrendo sistematicamente com envolvimentos de seu alto escalão em diversos escândalos de corrupção. Além disso, há vários indícios de que o PSDB, que tem conquistado cada vez mais espaço nesse alto escalão, tem travado uma luta contra o PMDB por detrás das cortinas, com o apoio do judiciário, que o tem blindado ao mesmo tempo em que tem caçado diversos “caciques” peemedebistas país afora. Todavia, isso tudo não significa necessariamente “fraqueza” do governo quando ele é apoiado pelo grosso do grande capital nacional e imperialista e por praticamente todos os partidos burgueses, além de seguir sendo blindado pelo cada vez mais autônomo e superpoderoso STF. Dessa forma, tem conseguido aprovar sua agenda de ataques sem grandes dificuldades (no que a atual incapacidade da esquerda de erguer uma poderosa resistência classista também tem que ser levada em conta).
Essa força do governo golpista se justifica pelo fato de Temer, seus ministros, sua base parlamentar e seus “padrinhos” do STF estarem se colocando claramente como porta-vozes das necessidades de setores-chave da grande burguesia nativa e imperialista. Trata-se de uma verdadeira “frente única” da burguesia – o que não significa que não há divisões e disputas internas, mas que elas se colocam dentro dos limites de um plano conjunto de ação. Até o momento, essas disputas têm se dado de forma mais clara (ainda que muito por detrás das cortinas) entre o PSDB – que tem um bem definido projeto de longo prazo, de privatização e entreguismo ao imperialismo, e que vem galgando cada vez mais espaço no governo golpista – e setores do PMDB e dos partidos de aluguel do chamado “centrão”, cujos “caciques” vem sendo alvo de investigações e até de prisão, parte certamente dessa disputa interna e também de uma forma de “mostrar serviço” contra a corrupção.
Para traçarmos um plano bem sucedido de resistência e virarmos a correlação de forças é necessário não só uma análise acertada, como também um programa adequado. Certamente muitos militantes de outras organizações que se reivindicam socialistas revolucionárias terão acordo com as análises aqui desenvolvidas e o programa apresentado ao final, mas é necessário que se perguntem se suas respectivas organizações realmente fazem desse programa a sua política cotidiana. Nós dedicaremos outro artigo a esse debate com as demais organizações da esquerda socialista brasileira e a questão de se sua prática realmente reflete o programa e a estratégia que dizem reivindicar [3].
Continuidades e rupturas entre a era petista e o governo golpista
Um dos principais aspectos do novo governo tem sido o de extinguir os programas sociais da era petista, que disponibilizavam parte do fundo público para uma tímida (mas não desprezível) redistribuição de renda, para planos de obras de moradia popular e para investimentos em saúde e educação – o que era feito, cabe ressaltar, de forma a se reverter em consumo e parcerias com o capital privado, tendo gerado suntuosos lucros para os setores da burguesia então aliados do PT. Esse aumento no consumo também se beneficiou de políticas de crédito fácil, que endividaram milhares de brasileiros e fizeram a alegria dos bancos – os quais ainda ganharam enormemente com os juros da fraudulenta dívida pública, que o PT pagava religiosamente. Há uma clara ruptura do governo golpista quanto ao primeiro aspecto, mas quanto a esse segundo vemos continuidade: o único gasto público não afetado pela PEC 241/55 foi justamente o pagamento da dívida pública.
Outra ruptura importante se deu em relação aos programas de financiamento direto das operações de um limitado leque de megaempresas altamente monopolizadas e internacionalizadas, tidas como “campeãs nacionais” (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Correia, JBS-Friboi, Grupo Eike Batista etc.). Enquanto o PT usou o fundo público (via BNDES e fundos de pensão) para financiar parte das operações altamente lucrativas dessas empresas, a Operação Lava-Jato desferiu um pesado golpe em parte delas, cujas operações (especialmente no altamente lucrativo plano da construção de navios-sonda) está sendo absorvida por oligopólios imperialistas.
Há, portanto, continuidades e rupturas quanto aos interesses de classe em jogo – um rearranjo entre as frações das burguesias nativas e imperialistas. Esse rearranjo tem se expressado muito claramente no outro aspecto principal das medidas do governo golpista: a rapinagem sobre a saúde, educação e previdência, na forma de profundos cortes de direitos e de verbas, que tem a clara intenção de diminuir a presença estatal nessas áreas e beneficiar o setor privado de forma muito mais direta do que vinha acontecendo sob as gestões do PT. A justificativa dos golpistas, encampada e reproduzida à exaustão pelos grandes oligopólios midiáticos, é de que a gestão anterior “bagunçou as contas” do país e que agora é necessário “apertar os cintos” para “por a casa em ordem” – a velha ladainha sobre “austeridade”, que tem o claro objetivo de jogar a conta da recessão econômica nas costas dos trabalhadores.
Por um lado, há de fato um “rombo” das contas públicas, gerado pelas medidas adotadas pelo PT para sustentar os grandes banqueiros e o grande capital em crise após 2008, com enormes isenções fiscais, favorecimentos lícitos e ilícitos e “megaeventos”. Por outro, há muita mentira, como no caso do suposto “rombo da previdência”, setor que nos últimos anos gerou superávit bilionário. Assim, ao contrário do que dizem os porta-vozes da burguesia e a direita raivosa, os gastos não foram apenas “culpa do PT”, mas planos encampados por praticamente todos os que permanecem agora no poder. Enquanto a ultra-direita preocupa-se com as melhorias dadas para os mais pobres, como o Bolsa Família, o Mais Médicos e outros programas sociais, os reais gastos foram para manter todas as medidas de apoio ao grande capital.
Passada a farra dos gastos com o empresariado, o país se encontra em recessão e crescem as demandas da burguesia por mais acesso ao fundo público, redução dos custos com a mão de obra, juros ainda mais favoráveis etc. Daí a “reforma” de Ensino Médio, passada a toque de caixa por Temer (e que já havia sido gestada sob Dilma), a qual “desobriga” as escolas de ensinar várias matérias (o que será entendido por várias secretarias estaduais e municipais como regra para não contratar mais professores e cortar direitos); precarizará o ensino com a desobrigação de parte dos professores serem especializados; e impelirá milhões de jovens a “escolherem” entre manterem seus trabalhos ou abandonarem os estudos, graças ao estabelecimento do turno integral. Mas a “reforma” também abre brecha para força-los a sair do mercado informal e adentrar estágios em grandes e médias empresas, o que será muito bom para parte da burguesia. É essa também a razão para o corte de vários programas da saúde (comemorada inclusive pelo próprio ministro golpista Ricardo Barros!) e os projetos de privatização do SUS; da já aprovada “PEC do fim do mundo”, que vai limitar o gasto público à inflação anual por 20 anos – o que provocará desinvestimento maciço em todas as áreas sociais, atingindo os que mais precisam; e ainda da “reforma” da previdência, que tornará quase impossível ao trabalhador ter acesso à aposentadoria integral, o que disponibilizará mais recursos para o grande capital e ainda empurrará muitos a aderirem à previdência privada.
É preciso combater a narrativa de “economia consciente” dos golpistas e seus apoiadores. Pois enquanto realizam tais cortes, foram aprovados aumentos salariais do Judiciário (41%), que já recebe somas exorbitantes; aumento do repasse às grandes empresas de propaganda (que não à toa em muito ajudaram a consolidação do golpe); compra pelo governo de direitos de uso de softwares pagos a preços milionários onde antes eram utilizadas versões gratuitas; banquetes exorbitantes para senadores e deputados nas articulações dos cortes; aumentos de inumeráveis “auxílios” para parlamentares e juízes que já recebem dezenas de milhares de reais mensalmente; além da continuidade de uma verdadeira bagatela de cerca de 220 bilhões anuais em isenções de impostos ao grande capital e da proposta de entrega de 100 bilhões de dinheiro público para as companhias telefônicas (via PLC 79/2016, atualmente tramitando na Câmara). Onde está a “economia”? Pelo visto “economia” significa punir os trabalhadores que sustentam este país, que tudo produzem e quase nada usufruem. Enquanto isso, quase metade dos recursos captados pelo governo pagam empréstimos e amortizações e juros a banqueiros.
Outras batalhas virão na tentativa de reforma trabalhista que está sendo preparada por Temer, com possibilidade de cortes de direitos históricos, tais quais 13º salário, licença-maternidade, férias remuneradas e mesmo redução do tempo de almoço dos trabalhadores e aumento da jornada máxima permitida, além da generalização da terceirização (o que significará precarização). Mais uma vez, tudo que é exigido pelo grande capital para tentar se manter diante da crise do seu sistema, jogando a conta nas costas dos trabalhadores.
Estamos diante de uma dificílima conjuntura contra os trabalhadores. Trata-se de uma guerra implacável que vai se prolongar por, pelo menos, alguns anos. Em uma guerra, quem não se prepara e se organiza, invariavelmente sai derrotado. Porém, como temos apontado desde o começo dessa crise política, nessa luta não devemos ter nenhuma confiança no PT, que vai querer se fingir de aliado dos trabalhadores nos movimentos sindicais e populares, mirando nas eleições de 2018. Durante seus 13 anos no Executivo, foi conivente com muitos ataques semelhantes contra nós e se aliou a muitos destes que sempre foram nossos inimigos declarados. Por isso, é essencial denunciarmos esses ataques e nos mobilizarmos para detê-los, mas também é muito importante não permitirmos que se esqueça que cada um deles já vinha sendo pensado (ou mesmo parcialmente executado) pelo governo do PT. Dilma congelou milhões em recursos das universidades públicas em 2015, provocando uma onda de greves que se alastrou pelo país; também foi seu governo que introduziu as propostas de “reformas” da Previdência e do Ensino Médio, hoje defendidas pelos golpistas, envolvendo cortes de direitos de pensão e do seguro-desemprego; é importante lembrarmos das tentativas de repressão aos movimentos sociais, como a sua “Lei Antiterrorismo” (que o próprio Lula contraditoriamente denunciou na época em que surgiu, mas depois convenientemente se calou) e a participação direta na repressão às manifestações ocorridas durante “megaeventos” como a Copa do Mundo, em 2014. [4]
O giro dos golpistas na política internacional
O governo golpista representa uma ruptura com a era petista também sob o ponto de vista da política internacional. Mais especificamente em relação ao alinhamento do Brasil nesse período de conturbadas relações internacionais que envolvem a gradual decadência do domínio exclusivo americano do planeta e o crescimento dos apetites russos na Ásia e na Europa, além do peso comercial e produtivo da China. A escolha de José Serra (PSDB) para a chefia do Ministério das Relações Exteriores indicou claramente uma disposição de colaborar mais proximamente com o colosso imperialista do hemisfério norte. O esfriamento das relações de Temer com a Rússia e a China mostra que esses países que, por diferentes razões, escapam parcialmente aos interesses ditados pelos grandes imperialistas no mundo, não tem expectativa qualquer de que o governo Temer reflita sua agenda.
O governo de Dilma de forma alguma representou um freio ou oposição aos interesses imperialistas norte-americanos. Porém, sua diplomacia prezava a construção de uma multilateralidade para fortalecer interesses comerciais com os BRICS, especialmente com a China, que nos anos do PT tornou-se o principal parceiro comercial do país, e com o Mercosul. Para este bloco, a agenda dos golpistas também não é promissora. Serra se esforçou para articular a exclusão da Venezuela do Mercosul, não só como forma de fortalecer a oposição de direita que busca apear Nicolás Maduro do poder, mas para secundarizar essa forma particular de configuração capitalista “regionalista” e voltar à órbita direta dos Estados Unidos.
Aqui, mais uma vez, submissão aos interesses imperialistas não é exclusividade dos golpistas. Foi um acordo do então governo Dilma com a oposição liderada por Serra no Senado que aprovou a lei que permite a exploração do Pré-Sal por empresas estrangeiras. Em outubro, os golpistas na Câmara confirmaram tal lei, o que deve abrir novos lucros para as empresas americanas, canadenses e europeias à custa dos recursos naturais brasileiros e da exploração de nossos trabalhadores. Apesar de sua localização diferente na balança de forças internacional, nem os golpistas e nem o PT representam o que os trabalhadores realmente precisam e o que o povo brasileiro necessita, que é o controle democrático sobre a riqueza que nós produzimos.
O autoritarismo do Judiciário, continuação da Lava Jato e fortalecimento da extrema direita
Os três poderes têm se coordenado na realização dos ataques contra a classe trabalhadora, a juventude e o povo pobre. As heroicas ocupações estudantis contra a reforma do ensino e a PEC 55 e as diversas manifestações de ruas foram e continuam sendo atacadas por juízes e pelas polícias em todos os cantos do país e por todas as esferas de poder. Depois de dar cobertura “legal” ao golpe, o STF e outros tribunais não param de proteger também cada medida importante do governo Temer contra os trabalhadores, deixando de lado a máscara de “órgãos que interpretam as leis” e assumindo o papel de defensores de toda e qualquer arbitrariedade que permita aos golpistas seguirem em frente com seus ataques. O STF, em particular, vem atuando de forma cada vez mais super-poderosa, se colocando acima das outras esferas e tendo se transformado em um verdadeiro partido político pró “austeridade”, que chega a interferir em decisões do legislativo para acelerar os ataques e se blindar contra qualquer controle externo sobre si – o embrião de uma verdadeira “ditadura da toga”.
Ao mesmo tempo, a Polícia Federal segue seu trabalho de “limpeza”, prendendo figurões de vários partidos com a “Operação Lava Jato” de Sérgio Moro, que segue sendo aclamada pela grande imprensa como uma fonte maravilhosa de manchetes. Moro vem se tornando um “pequeno Bonaparte” ou “herói” que supostamente está acima da corrupção reinante dos meios partidários e institucionais. Nada se fala na grande imprensa das relações históricas de sua família com o PSDB ou do fato de que repetidamente abandonou investigações envolvendo esse partido e seus aliados, menos ainda do treinamento que recebeu de órgãos norte-americanos (Projeto Pontes), com os quais a Lava Jato tem cooperado de forma ilegal, entregando materiais colhidos nas investigações de forma comprometedora para a soberania nacional. Conforme Moro e seus aliados atacam cada vez mais quadros do PMDB e seguem blindando os tucanos – com a ajuda inestimável do novo “Arquivador Geral da República”, Rodrigo Janot – o PSDB só faz crescer seu poder no governo. Com a indicação por Temer de Alexandre Moraes (PSDB), atual Ministro da Justiça e braço direito de Geraldo Alckmin, à vaga no STF aberta com a morte de Teori Zavaski, os tucanos alçam voo ainda mais alto e se colocam em posição cada vez mais favorável para blindar seus quadros e aliados.
A cassação e prisão de Cunha, as tentativas de derrubar Renan, e a prisão de caciques como Sérgio Cabral, mostraram que, depois do golpe, a PF e os golpistas no Congresso precisam manter certa aparência de “imparcialidade”. Mas Lula continua sendo o principal alvo da Lava Jato, com a tentativa de impugnar sua possível candidatura em 2018, a mais forte entre as atuais pesquisas de opinião. Mais seriamente, a polícia e o judiciário realizaram recentemente prisões de lideranças do MST em três estados do país, sob acusações completamente fajutas, e já colocaram Guilherme Boulos, liderança nacional do MTST, na mira da repressão legal e policial – um conjunto de ataques que vai direto contra os movimentos sociais, ameaçando os mais caros direitos democráticos dos trabalhadores e dos oprimidos.
Enquanto isso, o grupo conservador travestido com máscara liberal MBL (Movimento Brasil Livre) e financiado por órgãos empresariais imperialistas (Students for Liberty / Atlas Foundation) atacava adolescentes nas escolas e universidade ocupadas, assumindo ares fascistas. E logo depois foi agraciado pela presença do juiz do STF, Gilmar Mendes, e outras figuras institucionais de peso em seu Congresso Nacional, de forma que ganharam um estímulo de legitimidade para continuarem atuando como tropa de choque do governo Temer contra setores dos movimentos sociais, no que tem sido acompanhados por grupos menores da extrema direita, abertamente fascistas e neonazistas. A isso ainda se soma o crescimento de figuras arqui-reacionárias no cenário nacional, como Jair Bolsonaro e sua família de parasitas. Bolsonaro foi o Deputado Federal mais votado no estado Rio de Janeiro nas últimas eleições nacionais e seu filho Carlos, que foi candidato a prefeito na cidade do Rio de Janeiro nas últimas eleições municipais angariou um número não desprezível de votos.
Enquanto há praticamente um consenso entre os três poderes e toda a grande burguesia sobre as medidas econômicas a serem tomadas, o mesmo não pode se dizer dos caminhos institucionais e do destino do país. A clara disputa ocorrida entre o STF e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e a caça aos caciques peemedebistas mostra que nem tudo está em paz sob o teto dos golpistas. Há uma crescente disputa por influência e responsabilidades entre os partidos e os poderes. Temer está “em cima do muro” diante dos imbróglios envolvendo o Judiciário/Polícia Federal e os caciques de seu partido (Cunha, Calheiros, Cabral e outros). Cala-se e não toma nenhum lado, com medo de pôr em risco o próprio pescoço.
Está claro que se dá um crescimento do autoritarismo contra os trabalhadores e o povo, tanto da parte de órgãos institucionais, quanto de velhos partidos da direita e de uma “nova direita” organizada nas ruas. O Estado brasileiro dá passos largos rumo a uma forma mais rígida, ocorra ou não uma mudança brusca de regime no futuro próximo. É preciso denunciar cada passo do Estado burguês na direção (ainda mais) autoritária, lutando contra superpoderes e autonomização de órgãos como o STF e disseminando entre os trabalhadores a mais profunda desconfiança na institucionalidade burguesa e seus diversos braços (PF, Judiciário, Congresso, Presidência etc.).
A exaltação da Lava Jato feita repetidamente por Luciana Genro e sua corrente, o Movimento Esquerda Socialista (tendência do PSOL) [5], mostra uma adaptação absurda à crença nas possibilidades da “Justiça” dos poderosos e deve ser repudiada como um perigo mortal. Enquanto isso, grupos como o PSTU – e lunáticos que não merecem sequer a caracterização de socialistas (como o Movimento Negação da Negação/Território Livre) – comemoraram a produção de supostas provas contra Lula pela Lava Jato [6]. Não é preciso ser um papagaio do petismo (papel assumido pelo PCO [7]) para perceber que essas movimentações contra Lula e também outros políticos reforçam os inimigos dos trabalhadores e devem ser vistas criticamente e com preocupação. É preciso denunciar os políticos corruptos da burguesia e suas maracutaias, mas também é preciso expor os falsos “heróis” supostamente imparciais como Moro, que nada tem a ver com os interesses do povo e só fortalecem suas próprias posições nos aparelhos policiais e jurídicos da classe dominante. Não se trata de tornar o capitalismo “ético”, o que é impossível, mas de expor que a corrupção é um de seus meios de funcionamento.
Em suma, a burguesia ainda não parece ter um plano claro e unificado de como prosseguir para além de Temer e da implementação imediata dos ataques aos trabalhadores, seus direitos e condições de vida. Há diversas possibilidades na mesa, como a remoção do presidente e a ascensão dos tucanos ao executivo, através das frentes legais que já vem eliminando diversas figuras da política institucional nacional; aguardar até 2018 para realizar essa transição por via eleitoral; apostar no caminho do populismo de direita dos Bolsonaros; ou ainda apostar em vias mais “amenas”, mas igualmente comprometidas com o projeto de austeridade, como a representada por figuras ao estilo Marina Silva. Isso caminha em paralelo a possibilidades de maior fechamento do regime, com a consumação do STF como poder principal e o uso sistemático da direita mobilizada ao estilo MBL para destruir nas ruas a possível resistência proletária e popular.
Eleições municipais: hegemonia golpista
As eleições municipais de 2016 mostraram uma falência generalizada do PT e uma hegemonia dos partidos golpistas. Verificando os resultados, podemos perceber que os partidos golpistas PSDB, PSD e PDT foram os grandes vencedores, pois aumentaram o seu número de prefeituras, além de conquistarem (junto com o PMDB) a maioria das capitais e grandes cidades. O PMDB praticamente manteve seu número de prefeituras, com um pequeno aumento. O PT foi reduzido a cerca de um terço do número de prefeituras que tinha anteriormente, além de perder São Paulo no primeiro turno.
Foram quase inexistentes candidaturas que expressassem uma linha de independência de classe e de propaganda pelo socialismo. As exceções foram, ainda que de forma deformada, alguns candidatos do PSTU em algumas poucas cidades (mas que sequer reconheciam a ocorrência do golpe e que não achavam que a conjuntura era reacionária), e outros ainda menos importantes do PCO (que não colocou nenhuma crítica séria ao projeto petista). Ambos tiveram resultados insignificantes. Outras correntes, como MAIS e NOS, concorreram pelo PSOL com um programa classista, com candidatos a vereador. Mas em geral, se colocaram a reboque dos grandes nomes desse partido, que meramente defendem “melhorar” o capitalismo (liberais reformistas), e não questionaram em nenhum momento o programa desses candidatos e a sua adaptação aos limites impostos pela classe dominante. Tais grandes nomes do PSOL foram uma decepção sob qualquer ângulo para socialistas revolucionários. Luciana Genro disse que defenderia parcerias do público com o grande capital e modalidades de terceirização em Porto Alegre; Marcelo Freixo buscou “diálogo” com o grande empresariado do Rio de Janeiro e disse que defenderia a Lei de Responsabilidade Fiscal; Edmilson Rodrigues se coligou com vários partidos burgueses (PV, PDT, PPL) em Belém, só para enumerar alguns exemplos. Por sua vez, os candidatos do MRT/Esquerda Diário (também concorrendo a vereador pelo PSOL) defenderam uma campanha anticapitalista e tiveram resultados interessantes com alguns milhares de votos, mas na última hora também decidiram apoiar Freixo no Rio de Janeiro. [8]
Continuamos acreditando que é possível usar taticamente as eleições burguesas (por serem um espaço no qual há maior atenção da população em geral para a política) para divulgar um programa revolucionário contra o capitalismo. Mas os altos números de abstenções e votos nulos mostram um “desencantamento” da população com a política burguesa. Isso não necessariamente é algo positivo, visto que não indica maior mobilização ou consciência política progressista, como reivindicam erradamente alguns grupos anarquistas ou que são permanentemente pelo “boicote eleitoral” ou pelo voto nulo. Mas este é um fator que não pode ser ignorado.
O que esse resultado confirma, acima de tudo, é o caráter das eleições como um jogo largamente manipulado pela grande mídia e pelos partidos da burguesia, com grandes financiamentos empresariais (sejam legais ou ilegais); restrição à participação da esquerda nos debates e no tempo de televisão e rádio; e uso para legitimação da ordem (“escolha democrática dos governantes”) enquanto ninguém pergunta ao povo sobre as decisões políticas que realmente interessam.
A hegemonia golpista saiu fortalecida. O PT nada fez para impedir isso, já que continuou a sua prática de coligação com todo o espectro político corrupto da burguesia, inclusive os partidos que o removeram do poder (prática essa imitada em menor escala pelo PSOL). Esperamos que isso faça refletir àqueles grupos que apontam entre suas demandas principais a realização de novas “Eleições Gerais / Diretas Já”. Essa é uma demanda progressiva quando não existe direito de eleição com sufrágio universal. O crescente autoritarismo no Brasil pode, em breve, torná-la uma demanda democrática da ordem do dia. Mas não é possível em momento algum defender essa demanda como algum tipo de “solução” ou caminho para resolver os problemas e as necessidades do povo trabalhador, que é como grande parte da esquerda a defende. Ela é uma demanda mínima, e portanto deve ser secundária no programa revolucionário mesmo nesses contextos em que é efetivamente significativa para permitir uma maior participação política, ainda que pequena.
Reforçamos: o momento é de disseminar entre a classe trabalhadora a mais ampla desconfiança na institucionalidade burguesa, não apresentar (falsas) saídas por dentro da ordem capitalista! A Lava Jato, ainda que não intencionalmente, colocou a nu o Estado burguês: ele é fundamentalmente, conforme Marx e Engels já haviam caracterizado no Manifesto, “o balcão de negócios da burguesia”. Acreditar que é possível ocupar postos chave nesse Estado, seja no executivo, legislativo ou judiciário, com fins de “humanizar” e “tornar ético” o capitalismo – ou ainda para alavancar uma transição gradual ao socialismo – é uma perigosa ilusão. E aqueles que o sabem, mas se colocam a reboque dos que espalham tal ilusão, como fizeram os candidatos liberal-reformistas do PSOL nesses eleições, não podem ser seriamente considerados socialistas revolucionários.
Elementos de um programa classista e revolucionário para a nova conjuntura
Na guerra de classes constante que estamos travando, um elemento importantíssimo será o programa – ou seja, a consciência do que queremos, como queremos, por quem e contra quem queremos. Nós do Reagrupamento Revolucionário temos defendido sistematicamente a necessidade de construção imediata de uma frente única, ou frente de lutas dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos, organizada democraticamente desde as bases que já se encontram mobilizadas e com espaço para que cada organização expresse seu próprio programa político. Não são poucos os setores atualmente em luta. O MTST tem protagonizado massivas manifestações de rua em prol de moradia; os servidores públicos do estado do Rio de Janeiro tem travado uma intensa luta em defesa do pagamento em dia de seus salários e contra o pacote de austeridade que o governo Pezão (PMDB), em sintonia com o Planalto, tem tentado passar no legislativo local; várias categorias em outras cidades e estados tem entrado em luta e/ou greve contra pacotes similares e atrasos nos seus salários; há poucos meses atrás os estudantes realizaram uma impressionante onda de ocupações de escolas e campi universitários por todo o país; operários tem resistido aqui e ali contra demissões; e por aí vai. Isso mostra que há disposição para a luta. O que falta é um instrumento capaz de unifica-las e coordena-las rumo à expansão e à vitória. E uma frente nacional de luta é precisamente esse instrumento.
Mas cabe ressaltar que essa frente que nós temos defendido é qualitativamente diferente do tipo de “Frente de Esquerda Socialista” que vem sendo defendida por organizações como o Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista (MAIS) / Esquerda Online e a Nova Organização Socialista (NOS). Diferente da frente única proletária que nós temos proposto, o que o MAIS e a NOS tem defendido e implementado é na realidade um bloco programático entre grupos distintos, muito mais focado em ser uma forma desses grupos compensarem seu pequeno tamanho ao adotarem um programa em comum, do que em ser um instrumento de unificação, difusão e organização das lutas em curso. [10] E igualmente diferente são as Frentes Brasil Popular (dirigida pela CUT, CTB e MST) e Povo Sem Medo (dirigida pelo MTST, com participação do PSOL), as quais são organizadas burocraticamente deste o topo (sem instâncias decisórias de base) e que tem sido incapazes de apresentar uma linha de independência classista em relação ao projeto petista de colaboração de classes, ou mesmo de ter uma agenda ativa de lutas, tendo se limitado a atos de rua ocasionais (bastante “carnavalescos”, no caso da primeira).
O ponto de unidade da frente que defendemos não deve ser uma estratégia que seja a amálgama do programa de seus grupos participantes, mas sim uma unidade de ação contra os ataques de Temer e do Judiciário, e de mobilização ativa para derrota-los: a PEC 55, a restrição ao direito de greves, os cortes de direitos trabalhistas e previdenciários, a reforma do ensino, os cortes de verbas de áreas e programas sociais, as tentativas de prisão e repressão aos movimentos sociais etc. A necessidade de barrar tudo isso é sentida pela população e a agitação em prol de uma frente de lutas pode estabelecer as bases para uma unidade e solidariedade de luta nesse momento em que o programa revolucionário ainda é desconhecido das massas e as organizações dos trabalhadores divergem consideravelmente em várias questões táticas ou estratégicas. Assim, além de ser um espaço de mobilização, essa frente também pode e deve ser um espaço para se confrontarem as diferentes saídas de fundo defendidas pelas diversas organizações da esquerda – para o que é fundamental que seja um espaço democrático.
Como indicamos ao longo do texto (e já adiantamos alguns elementos), ao mesmo tempo em que devemos organizar a luta imediata contra o governo golpista e suas medidas nefastas, é preciso debater e construir um programa que confronte abertamente o sistema capitalista e seu Estado. Medidas sentidas e necessárias para resolver problemas graves dos trabalhadores, apesar de absolutamente lógicas e realizáveis (e, portanto, nem um pouco “utópicas”), esbarram no poder que é mantido pelo grande capital e nas exigências da exploração. Defender um programa que dialogue com a realidade dos trabalhadores enquanto aponta a saída anticapitalista de sua resolução, falando claramente que é um programa contra o capitalismo, é um elemento imprescindível. Esse é o programa que nós do Reagrupamento Revolucionário defenderemos centralmente aqui. Também levamos em consideração as restrições crescentes às liberdades democráticas dos trabalhadores neste regime carcomido e a necessidade de defender e expandir tais direitos como forma de facilitar a luta contra o capitalismo.
* * *
(1) Em primeiro lugar, é preciso deter as arbitrariedades do Judiciário e do aparelho policial contra o povo e a juventude, como ficou patente com a operação policial contra o MST, os recentes ataques ao MTST e à sua liderança, bem como as várias decisões de reintegração de posse contra as ocupações estudantis e uso de violência policial contra grevistas e manifestantes. Os juízes, “representantes da Lei”, não foram escolhidos pelo povo e agem como verdadeiros “deuses”, recebendo salários altíssimos e mandando e demandando como bem entendem. Casos de seus “mandos” abusivos e autoritários não faltam em nossa história recente. A razão disso é que os juízes não representam a população trabalhadora, mas uma elite econômica e política. Eles próprios configuram um estrato burocrático e autoritário que, tal como é hoje, deve acabar.
Por isso, defendemos que os juízes devam ser escolhidos pelo povo e que possam ser retirados dos cargos a qualquer momento por mecanismos de controle popular, caso cometam arbitrariedades. Eles (assim como deputados e outros cargos de responsabilidade) também não devem receber nenhum salário ou “benefício” além daquele de um trabalhador comum. Os juízes e policiais que cometerem crimes contra o povo trabalhador, pobres, negros, a juventude etc. devem perder seus cargos imediatamente. Não é admissível que criminosos de farda ou de toga sigam atuando. Devem, inclusive, ser julgados por tribunais populares. Também é necessário demandar e lutar pela queda de todos os processos fajutos de perseguição política contra os lutadores das causas populares desde 2013 e a libertação imediata para Rafael Braga, vítima inocente da sede de sangue da repressão.
As polícias no Brasil funcionam como um verdadeiro exército contra a população, e matam em números chocantes, cometendo também inúmeros abusos e desrespeitos contra o povo (principalmente os negros e negras). Por isso, devemos defender o fim imediato de todas as tropas especializadas em repressão/guerra, como as Polícias Militares, a Força Nacional, os Batalhões de Operações Especiais e outros órgãos semelhantes, como um primeiro passo rumo ao fim de todas as polícias da classe dominante. Defendemos o direito dos movimentos sociais organizarem suas autodefesas para se protegerem de ataques policiais e bandos fascistoides (que sempre são protegidos pela polícia). Defendemos que a segurança do povo contra o crime, um problema candente na sociedade brasileira, fruto de um sistema social doente e com poucas perspectivas, deve ser assumido pelo povo, com guardas populares organizadas nas associações de classe dos trabalhadores e setores oprimidos para nos defendermos dos crimes (já que cada vez mais a polícia mostra que só protege os ricos e poderosos e parte das classes médias).
(2) Desemprego e inflação são dois medos da classe trabalhadora hoje. A insegurança de ficar sem trabalho (ou mesmo trabalhar e ficar sem pagamento, como tem sido comum entre os servidores públicos de diversas cidades e estados) é enorme. Também cresce a sensação de que os salários nada mais podem comprar e os trabalhadores se endividam cada vez mais com bancos. Ambos são elementos característicos do capitalismo e de suas crises cíclicas (como de 2008), que costumam ter repercussões globais e de longo prazo (como a atual recessão no Brasil). Porém, as coisas não precisam ser assim “por natureza”. Devemos lutar por um planejamento econômico nacional que garanta emprego (com plenos direitos trabalhistas) para todos.
As grandes empresas que cortarem custos e demitirem, sobrecarregando os funcionários, devem ser postas sob controle direto e sob propriedade coletiva dos trabalhadores (expropriadas), readmitindo os trabalhadores demitidos. Isso permitiria distribuir racionalmente o trabalho entre todos aqueles aptos, sem sobrecarregar e sem tirar direitos, acabando com o desemprego generalizado. O arrocho – que é a política de só dar aumentos salariais abaixo da inflação – é um desses mecanismos pelos quais os capitalistas diminuem o salário real dos trabalhadores para aumentarem seus lucros de forma disfarçada. É por conta disso que chegamos ao fim do mês cheios de dívidas ou passando necessidades.
Por isso, devemos exigir correções salariais todo mês, de acordo com a inflação (“gatilho salarial”), para impedir uma diminuição real dos salários. Isso é algo mínimo, pois sequer representa um “aumento”, apenas uma equiparação ao aumento real médio dos preços. Porém, os capitalistas nem isso podem oferecer. Será necessário acabar com seu poder para praticar essas duas demandas de forma garantida.
(3) Outra insegurança diz respeito aos serviços sociais. O trabalhador teme não ter ajuda quando precisar, com um sistema de saúde que é público, mas que vem sendo precarizado há décadas, com cortes de gastos e de programas, com corrupção dos burocratas estatais com a intenção de favorecer os empresários com a privatização e concessão da infraestrutura e/ou gestão do sistema de saúde. Nossos familiares morrem na espera quando não podemos arcar com procedimentos caros nos hospitais privados. As aposentadorias, por sua vez, atrasam e os trabalhadores aposentados ficam muitas vezes desamparados, além dos valores medíocres após décadas de trabalho. Temer, que se aposentou aos 55 anos com um vencimento de 30 mil por mês, quer que trabalhemos até os 65 anos ganhando 1 ou 2 salários-mínimos (que não conseguem suprir as necessidades básicas de ninguém).
Hoje, de acordo com o cálculo do DIEESE, um salário-mínimo de verdade (capaz de pagar as necessidades constitucionalmente previstas) estaria em torno de R$ 3.400 (cálculo feito em novembro de 2016). Enquanto isso, militares e políticos (e seus herdeiros) recebem aposentadorias e benefícios altíssimos. O governo alega existir um “rombo” na previdência, mas, conforme constantemente denuncia a Auditoria Cidadã da Dívida, ele na verdade faz malabarismos matemáticos para esconder que ela é superavitária e, assim, desviar recursos para iniciativa privada e tornar mais difícil o acesso dos trabalhadores aos benefícios do INSS.
Segurança na doença e na velhice são coisas mínimas que os trabalhadores merecem, mas que o capitalismo não conseguiu garantir no Brasil. Um passo grande pode ser dado estatizando todo o sistema de saúde e pagando um salário digno, com plano de carreira, aos profissionais da área. Os recursos necessários serão obtidos com a estatização dos planos de saúde e hospitais privados, cuja estrutura será posta a serviço de todo o povo, e taxando progressivamente as grandes fortunas (que hoje são praticamente isentas de impostos) para expandir as clínicas e hospitais públicos. Isso possibilitará também criar serviços para atender melhor aos idosos, crianças e mulheres. Medidas similares (estatização controlada pela população e taxação das grandes fortunas para financiar serviços públicos) podem ser adotadas nas áreas da educação, cultura e transporte, que deveriam ser para beneficiar a todo o povo e não somente aos que podem pagar. Na área da educação, isso permitiria um acesso crescente dos negros e dos setores mais pobres a uma educação de qualidade em todos os níveis, direito que foi negado pela dinâmica do acesso restrito a universidades públicas ou privadas de qualidade.
Na questão da moradia, o número de imóveis desocupados supera o número de pessoas em condições de insegurança habitacional (altos aluguéis, sem-teto, desalojados por catástrofes). Os grandes donos de imóveis, que lucram com a especulação da miséria alheia, deveriam perdê-los imediatamente e esses imóveis poderiam ser revertidos para quem precisa, quase sem custo adicional. A juventude trabalhadora não deve ficar sem emprego, dependente dos pais e sem educação de qualidade, como se dá atualmente. É necessário reduzir a jornada de trabalho (sem redução de salários) para que se crie novos postos e se erradique o desemprego. As medidas que já listamos vão diminuir muito o apelo a “maus caminhos” (como dizem os mais velhos) e garantir aos jovens uma perspectiva de futuro.
(4) Um dos setores da população trabalhadora mais afetados por esses problemas são os negros e negras. Há vários dados que indicam que esse setor é majoritário nos locais de moradia de pior infraestrutura, como as favelas e bairros pobres, onde não há saneamento básico e serviços de iluminação, água, gás etc. são fornecidos de forma precária e muitas vezes controlados pelo tráfico de drogas e milícias. Também são a maioria entre os moradores de ruas. A expropriação das moradias hoje utilizadas para fins de especulação deve atender principalmente essa camada da classe trabalhadora, cuja vida está com maior frequência em risco. Esse setor também seria o maior beneficiado com políticas de fim do desemprego, uma vez que é a maior entre os desempregados e trabalhadores precários, como aqueles do chamado setor “informal”, ou trabalhadores temporários, terceirizados etc. Defender o fim da desigualdade de salários e direitos a que esses trabalhadores são frequentemente submetidos em relação aos trabalhadores brancos é urgente. Assim como é urgente o fim do vestibular, através da expropriação das empresas privadas de ensino e expansão da rede de universidade públicas, para que haja acesso a todos que queiram se qualificar e obter empregos melhores.
A defesa intransigente do fim das polícias, sem nenhuma ilusão de que policial é aliado potencial dos trabalhadores, também é uma questão de vida ou morte para essa parte da população, que se encontra submetida a um verdadeiro genocídio em nosso país. Da mesma forma, é necessário mudar completamente a legislação de drogas, que hoje serve para encarcerar os negros e negras em cadeias e penitenciárias onde reinam condições sub-humanas e constantes massacres, uma vez que a maior parte da população carcerária do Brasil é negra e composta de pessoas que sequer foram ainda julgadas, ou que cometeram pequenos delitos. Legalizar o consumo de drogas e coloca-las sob o controle da população é uma medida não só de saúde pública, mas de por fim à “guerra aos pobres” disfarçada de “guerra às drogas”, onde os grandes barões do tráfico ficam intactos enquanto moradores de locais pobres são exterminados ou encarcerados cotidianamente, vivendo em verdadeiras zonas de guerra. Apenas através da aliança entre trabalhadores negros e brancos, sob um programa socialista revolucionário, é que essas demandas poderão ser conquistadas e o racismo eliminado em sua raiz.
(5) As mulheres não devem mais ser massacradas pelo trabalho doméstico, o que ocorre na nossa sociedade machista (levando a uma dupla ou tripla jornada). A alimentação, limpeza e cuidado com os filhos devem ser socialmente organizados, com funcionários homens e mulheres, bem pagos, que realizem esse trabalho em larga escala. Restaurantes, creches, lavanderias, serviços de conservação e limpeza públicos populares vão descarregar as mulheres e permitir que elas se dediquem, por um lado, aos seus próprios trabalhos e, por outro, que desfrutem da vida como indivíduos.
As diferenças salariais enormes entre homens e mulheres (especialmente as mulheres negras) favorecem aos capitalistas, pois reduzem salários e pressionam todos eles para baixo. Devemos exigir sempre igualdade salarial para os mesmos trabalhos. O direito ao aborto até os 3 meses de gestação, quando não há redes neurais no feto, é um direito democrático reconhecido na maioria dos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Somente a influência nociva dos interesses religiosos reacionários, incluindo a “Bancada da Bíblia”, impede o acesso gratuito a esse procedimento de saúde para as mulheres trabalhadoras. Afinal, as mulheres ricas não têm nenhuma dificuldade em pagar clínicas extorsivas ou viajar para o exterior. Somente as mulheres trabalhadoras continuam morrendo em abortos mal feitos ou mantém gestações indesejadas. É preciso acabar com o peso obscurantista da religião, que quer mulheres “submissas”, como afirmam muitos ícones da reação.
O começo desses serviços pode ser financiado taxando as grandes religiões organizadas, que têm uma grande isenção de impostos e funcionam como verdadeiras empresas, que arrecadam milhões. Assim como em relação à população negra, a saída para o fim do machismo passa necessariamente pela aliança entre mulheres e homens da classe trabalhadora, contra a opressão de gênero sob um programa socialista revolucionário que de fato emancipará as mulheres da opressão do machismo aproveitada pelo capital.
(6) Defendemos também expropriar, sob controle dos trabalhadores, todas as grandes empresas estrangeiras (como as do petróleo, as indústrias e as financeiras) que atualmente exploram os recursos humanos e naturais do país. Não se trata aqui de “nacionalismo”, pois nos países onde há empresas brasileiras explorando os trabalhadores e a natureza, também somos a favor de sua expropriação pelos trabalhadores locais, sejam eles bolivianos, moçambicanos ou canadenses.
Somos a favor da solidariedade internacional entre os trabalhadores de todos os países. Trata-se de acabar com a espoliação do país nos interesses de parasitas estrangeiros, que também exploram os trabalhadores em suas próprias terras. A “globalização” não é solidariedade econômica internacional, e nem tampouco “integração”, mas sim a busca desenfreada dos capitalistas por força de trabalho mais barata e recursos naturais a serem consumidos em sua ganância por lucros que está destruindo o planeta. É preciso pôr um fim a isso. Solidariedade econômica real entre os povos só poderá ser realizada quando a economia for planejada e racional, no interesse da grande maioria. Tal medida também liberará recursos produtivos valiosos, que permitirão melhorar a vida do povo e reduzir os impactos ambientais como o de Mariana (MG), investindo também em formas de energia menos impactantes para a natureza.
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Nenhum elemento desse programa é “irrealizável” ou “fantasioso”, como tentam fazer parecer os demagogos da burguesia e os burocratas sindicais, adaptados ao sistema capitalista. Ao contrário, quase todas as medidas listadas podem ter início e efeito imediato (embora algumas levassem algum tempo até serem plenamente atingidas). São o caminho para prosperidade verdadeira, pois não se trataria mais de um “crescimento” que só enriquece grandes empresas, bancos e fortunas enquanto aumenta a desigualdade entre eles e os trabalhadores. É o caminho para a resolução dos problemas e das privações no povo e pelo povo. Mas esbarra no sistema capitalista e no seu Estado. Por isso, retomamos o grito levantado pelos que, em 1938, se lançaram numa tentativa de formar uma organização revolucionária internacional dos trabalhadores, a Quarta Internacional: “Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, então que morra!” (Programa de Transição). No poder, os trabalhadores farão muito melhor!
NOTAS
[1] Ver Anulação do impeachment ilegal: a única saída constitucional para o golpe, de dezembro de 2016, disponível em :
http://causaoperaria.org.br/anulacao-do-impeachment-ilegal-a-unica-saida-constitucional-para-o-golpe/ e http://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/270381/Anula%C3%A7%C3%A3o-do-impeachment-ilegal-a-%C3%BAnica-sa%C3%ADda-constitucional-para-o-golpe.htm
[2] Ver editorial Se 2016 foi de lutas, 2017 precisa ser maior!, de dezembro de 2016, disponível em http://www.pstu.org.br/se-2016-foi-de-lutas-2017-precisa-ser-maior/.
[3] Ver A esquerda ante a crise brasileira, de março de 2017, disponível em: https://rr4i.milharal.org/2017/03/10/a-esquerda-ante-a-crise-brasileira/
[4] Ver nosso artigo de março de 2016 A agenda do governo e a resposta necessária da classe trabalhadora, disponível em:
http://rr4i.milharal.org/2016/03/06/cafe-da-manha-com-dilma/.
[5] Ver matéria da Revista Fórum de 19 de outubro de 2016:
http://www.revistaforum.com.br/2016/10/19/luciana-genro-comemora-prisao-de-cunha-e-da-vivas-a-lava-jato/.
[6] Ver a declaração de 15 de setembro de 2016 do principal dirigente do PSTU, Eduardo Almeida:
https://www.facebook.com/dayse.gomes.144/posts/1278320355533068 e o editorial do MNN/Território Livre, A esquerda precisa defender a prisão de Lula, de 29 de setembro de 2016: http://www.movimentonn.org/?p=1147.
[7] Ver nossa polêmica As capitulações do PCO ao governismo, de julho de 2014:
https://rr4i.milharal.org/2014/07/17/as-capitulacoes-do-pco-ao-governismo/.
[9] Para mais detalhes sobre a atuação desses grupos nas últimas eleições e sobre nossas posições, ver Os revolucionários e as eleições burguesas, de setembro de 2016: http://rr4i.milharal.org/2016/09/25/2114/.
[10] Ver Frente de Esquerda Socialista X Frente Ampla (MAIS), de novembro de 2016, disponível em http://esquerdaonline.com.br/2016/11/30/frente-de-esquerda-socialista-x-frente-ampla-importante-discussao-entre-os-que-lutam-contra-governo-ilegitimo-de-temer/ e A Nova Organização Socialista e a reorganização da esquerda (NOS), de julho de 2016, disponível em http://novaorganizacaosocialista.com/2016/07/26/a-nova-organizacao-socialista-e-a-reorganizacao-da-esquerda/. Para um argumento mais detalhado, ver artigo da nota 3.