Todo dia 31 de dezembro, nós do Reagrupamento Revolucionário, gostamos de encerrar o ano com uma publicação de estímulo a vontade revolucionária. Para 2017 escolhemos a seguinte crônica escrita por Alexandra Kollontai em 1922. Nela, a revolucionária russa conta uma história do Natal no mundo após a vitória do Comunismo. Esperamos que esse texto possa trazer um pouco de esperança nos tempos incertos de hoje e lembrar todos os lutadores de que a vitória ainda virá para todos os trabalhadores.
Desejamos à classe operária, e a todos que lutam por um mundo mais justo, um 2018 de muitas lutas e conquistas!
Em breve (No tempo de 48 anos)
Alexandra Kollontai, 1922
[Traduzido pelo Reagrupamento Revolucionário em dezembro de 2017, a partir da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/kollonta/1922/soon.htm]
7 de janeiro de 1970. Está quente e claro, e há uma atmosfera animada e festiva na “Casa do Descanso”, onde os veteranos dos “Grandes Anos” da revolução mundial passam seus dias.
Os veteranos decidiram que, no dia em que um dia foi o Natal, eles recordariam sua infância e juventude decorando uma árvore. Um verdadeiro pinheiro, tal como nos anos anteriores às perturbações mundiais. As crianças pequenas e as garotas e os garotos mais velhos estavam entusiasmadas com a ideia. Especialmente quando ouviram que a “Avó Vermelha” ia contar histórias sobre os grandes anos de 1917. Não houve dificuldade em conseguir a árvore. Eles chegaram a um acordo com o homem encarregado da conservação florestal, persuadindo este vigilante guardião do reino vegetal de que a floresta não seria arruinada pela perda de uma árvore roubada para um festival tão estranho e incomum. Conseguir as velas foi mais difícil. O novo método de iluminação, usando raios de luz refletidos, não só havia acabado com as lâmpadas de querosene de uma vez por todas, mas havia banido a eletricidade para as províncias distantes, onde as últimas novidades ainda não tinham sido introduzidas. A geração mais nova nunca viu velas, e os veteranos dos “grandes anos” tiveram que explicar com a ajuda de diagramas. Uma conferência especial de pessoas que foram membros do Conselho Econômico do Povo durante o período revolucionário foi convocada para discutir as formas de produzir as velas. Os jovens, com suas cabeças inteligentes e mãos inteligentes, estavam lá para ajudar.
Depois de uma série de falhas, mal-entendidos e dificuldades inesperadas, eles conseguiram enfeitar a árvore com decorações de papel de várias cores, com doces, nozes, suculentas laranjas, maçãs rosadas e velas caseiras em castiçais caseiros. Os veteranos e as crianças foram unanimemente da opinião de que a Comuna Dez não via um festival tão original e interessante há muito tempo. Os jovens se divertiram como os jovens sempre fizeram. Eles riram e brincaram. Havia músicas, jogos e danças.
Mas você precisava dar uma olhada nas meninas e meninos para ver como eles diferiam dos jovens que haviam lutado nas barricadas durante os “Grandes Anos” e daqueles que viveram sob o jugo do capitalismo. Os jovens da Comuna Dez eram saudáveis, seus corpos eram bons e flexíveis. As meninas tinham tranças longas e luxuosas, que arrumavam com cuidado. Pois a comuna seguiu estritamente a regra de que cada membro deveria ter tempo para relaxar e cuidar de sua pessoa. Os comuneiros adoravam beleza e simplicidade, e não forçavam nem distorciam a natureza. Os jovens vestiam roupas atraentes que permitiam a livre circulação. Suas mãos eram obviamente fortes e capazes. Não havia um rosto doente, pálido ou esgotado entre todas as pessoas que se reuniram para o festival do “pinheiro”. Seus olhos brilhavam e seus corpos eram fortes e firmes. Sua risada feliz encheu o salão luminoso e festivo, e essa foi a mudança mais alegre de todas. Os jovens da Comuna Dez amavam a vida e adoravam rir. Eles apenas franziam a testa quando se tratava de lutar contra o único inimigo, a natureza. No entanto, eles não franziram a testa porque a luta não era do seu gosto, mas para se concentrar melhor e escolher a melhor maneira de ganhar.
A luta de homens e mulheres para controlar seu ambiente ainda estava em progresso. Quanto mais vitórias ganhavam, mais mistérios haveriam de ser resolvidos. Mas os jovens não tinham medo da batalha. O que seria a vida sem luta, com a necessidade de esticar a mente e avançar para o desconhecido e o inalcançável? A vida na comuna seria maçante sem ela.
A vida da comuna é organizada da maneira mais racional. Todo mundo tem uma profissão e todos têm uma meta favorita. Todos trabalham por sua própria vocação durante duas horas por dia, contribuindo desse modo para o funcionamento da comuna. No resto do tempo, o indivíduo é livre para dedicar suas energias ao tipo de trabalho que ele ou ela gosta – para ciência, tecnologia, arte, agricultura ou ensino. Homens e mulheres jovens trabalham juntos nas mesmas profissões. A vida é organizada para que as pessoas não vivam em famílias, mas em grupos, de acordo com suas idades. As crianças têm seus “palácios”, os jovens suas casas menores; os adultos vivem juntos em comum nas várias maneiras que lhes convêm, e os velhos juntos em suas “casas”. Nas comunas não há pessoas ricas e pessoas pobres; as próprias palavras “ricas” e “pobres” não têm significado e foram esquecidas. Os membros da comuna não precisam se preocupar com suas necessidades materiais, porque estão providos de tudo: comida, roupa, livros e entretenimento. Em troca disso, o indivíduo fornece duas horas de trabalho diário para a comuna, e o resto do tempo as descobertas de uma mente criativa e inquisitiva. A comuna não tem inimigos, pois todos os povos e nações vizinhos se organizaram desde há muito tempo e o mundo é uma federação de comunas. A geração mais nova não sabe o que é a guerra.
Os jovens insistiram que os veteranos dos “Grandes Anos” lhes falassem sobre as batalhas entre os Vermelhos e os Brancos. Mas os veteranos não estavam ansiosos para falar sobre a guerra no “dia do pinheiro”. Eles achavam mais apropriado falar sobre os líderes das revoluções. Eles prometiam começar as histórias quando as velas houvessem queimado e todos recebessem seus doces. Os jovens se apressaram a trazer os carrinhos de copos para o corredor. Os doces que tanto gostavam estavam dispostos em tigelas alegremente coloridas, artisticamente decoradas. Quanto antes tivéssemos nossos doces e as velas na árvore de pinheiro acabassem de queimar, melhor, pensaram as crianças. Mas os veteranos viram as chamas queimando com uma sensação de tristeza. As velas os lembravam, é verdade, daquele velho e esquecido sistema capitalista, que tinham tão odiado na sua juventude; mas o passado tinha sido enobrecido por sua grande tentativa de progresso. Seus sonhos foram cumpridos, mas a vida agora estava passando por eles e seus corpos antigos não podiam alcançar os voos ousados dos jovens. Grande parte da vida e muitas das aspirações dos jovens eram incompreensíveis para eles.
“Vovô, eu sei o que a palavra ‘capitalista’ significa”, se vangloriou um rapaz animado que estava preso à torta especial do feriado. “E eu sei o que é um rublo e o que é dinheiro”.
“Nós vimos dinheiro em um museu. Você teve dinheiro, Vovô? Você o carregou em uma pequena bolsa no bolso? E então havia pessoas… como é mesmo que se chamavam? … Ladrões … era isso, não é? E tiravam dinheiro dos bolsos de seus companheiros. Quão estranho deve ter sido”.
E todos riram do passado estranho.
Os veteranos da revolução se sentiram incômodos e envergonhados pelo passado, quando havia capitalistas e ladrões, dinheiro e senhoras. A última das velas piscou, e os carrinhos foram empurrados para um lado. Os jovens se reuniram impacientemente em torno dos contadores de histórias.
“Avó, Avó Vermelha, conte-nos sobre Lenin. Você o viu, não é? Ele viveu como todos os outros? Ele comeu e bebeu e riu? Lenin já olhou para as estrelas, Avó?”
Esses jovens tinham sua própria maneira de olhar tudo. O que as estrelas tinham a ver com isso? Quando Lenin estava vivo, havia muito a fazer na própria Terra. Havia fome e exaustão. Guerra e fome … fome e guerra. Um tempo de sofrimento e de derramamento de sangue, mas também de bravura, abnegação e heroísmo, e de tremenda fé na vitória da revolução e na justiça da luta. “Avó Vermelha” queria que os jovens compreendessem a grandeza da luta social. Mas os jovens ouviram tal como os veteranos um dia ouviram a história de Natal: “capital”, “lucro”, “propriedade privada”, “frente”, “CHEKA”, “especulação”, “soldados” – tudo isso era tão somente “vocabulário histórico” que as crianças ouviram na escola quando estavam aprendendo sobre os “Grandes Anos da Revolução”.
Os jovens da comuna mundial têm sua atenção voltada para o cosmos; o céu os acena. Eles não entendem a grandeza das lutas antigas. Eles não podem apreciar a excitação ou os medos e ansiedades do passado.
“Você realmente atirou em pessoas, atirou em pessoas vivas?”
Os olhos dos jovens mostraram surpresa e provocaram repreensão e perplexidade. A vida era sagrada.
“Nós estávamos lutando por nossas vidas, no entanto. Nós sacrificamos tudo pela Revolução”, disse a avó vermelha em justificação.
“Assim como nos dedicamos à comuna”, foi a resposta orgulhosa dos jovens.
A Avó Vermelha ficou em silêncio. A vida tinha avançado. Os “Grandes Anos” agora eram apenas história. A geração mais jovem não podia reagir como eles às histórias das barricadas mundiais e “a Luta Final”. A questão social foi resolvida. As ideias do comunismo se justificaram. A humanidade estava livre da escravidão do trabalho de destruição para os outros, da dependência material e da luta pelo pão de cada dia. Problemas novos e maiores encaravam a humanidade, desafiando o espírito de busca de homens e mulheres. Em comparação com esses horizontes, a luta anterior contra as forças sociais pareceu aos jovens de 1970 uma questão fácil.
“Fome? Você ficou com fome? Você deve ter sido muito desorganizado e ignorante.
“Ignorante”, “desorganizado” – os jovens não podiam fazer um julgamento mais severo sobre os contemporâneos da avó vermelha.
“Mas sem nós e nossa fé firme no triunfo do comunismo, sem nossa luta feroz e decidida contra o capitalismo e os inimigos dos trabalhadores, você nunca teria conhecido os benefícios da organização universal e a alegria do trabalho criativo livre”.
“Nós entendemos. Mas nossas tarefas estão em uma escala ainda maior”.
Os jovens levantaram a cabeça, encarando o futuro corajosamente. Eles viraram os olhos para as estrelas e para o preto escuro do céu, visíveis pelas amplas janelas da sala do festival.
“Você conseguiu seus objetivos, e nós alcançaremos o nosso. Você subjugou as forças sociais; nós subjugaremos a natureza. Cante com a gente, avó vermelha, o novo hino da luta com os elementos. Você conhece a melodia. É a sua própria ‘‘internacional’’, mas as palavras são novas. Elas nos chamam para lutar, para alcançar as coisas, para avançar. Deixe o pinheiro queimar. Nosso festival está na nossa frente. Nosso festival é uma vida de tentativa e descoberta.”