Por Pedro Abreu, outubro de 2019
Não adianta tapar o sol com a peneira: a aprovação da reforma da Previdência de Bolsonaro por 379 votos a favor (com 131 contrários) na Câmara dos Deputados foi uma tremenda derrota da classe trabalhadora, em vias de ser consolidada pelo Senado. É uma mudança na Previdência que irá obrigar o proletariado a trabalhar até a morte, que irá acabar com sua seguridade em caso de lesão grave, que ignora as diferenças sociais entre homens e mulheres, mas que mantém os privilégios dos políticos, juízes e militares. Isso vem depois de outras derrotas tão ou mais cruéis, como a reforma trabalhista de Temer, que elimina inúmeros direitos e garantias do trabalhador; a Emenda Constitucional da morte, que congela as verbas destinadas a todas as áreas sociais (reduzindo-as na prática); e a universalização de contratos de trabalho terceirizado, que em poucos anos deve tornar essa modalidade muito mais comum no setor privado e a regra no serviço público, cortando drasticamente direitos e salários.
Perdemos, e não só pelo resultado no Congresso, que já era esperado, mas principalmente porque foi uma derrota sem qualquer luta séria. Passados dois meses, os partidos identificados como “de esquerda” (PT, PCdoB, PSOL) e os movimentos sociais e centrais sindicais a eles associados seguem assistindo calados a esse desastre. Ficam sentados, limitando-se a uma “resistência” no parlamento e denúncia passiva. Esses movimentos e partidos, os únicos que na atualidade teriam forças para organizar uma ampla campanha de ações para deter o avanço de retirada de direitos e ataques contra os trabalhadores e o povo, recusaram-se abertamente a tal perspectiva. Sua resistência não sai das palavras e dos espaços da ordem constituída.
O motivo disso é que a perspectiva do PT, do PCdoB e também do PSOL é de um novo governo de conciliação nacional, coligados com parte significativa da classe dominante e seus partidos nas eleições de 2022. Eles já estão completamente focados nas eleições municipais do ano que vem, que veem como uma disputa preliminar. Não podem ousar enfrentar o conjunto dos capitalistas e das suas instituições, que é o urgentemente necessário. Por isso é que Haddad (PT) e Boulos (PSOL) consideraram a vitória eleitoral de Bolsonaro “legítima”, sendo que Haddad ainda por cima lhe desejou um “bom governo”. Na realidade, Bolsonaro fez uma campanha fraudada, com boatos de Whatsapp, apoiada no terror Judiciário e policialesco e que só foi possível pela prisão do então favorito, Lula; é pelo mesmo motivo que o PCdoB apoiou Rodrigo Maia (DEM) a se reeleger como Presidente da Câmara; e também pelo qual o PT deu seu aval ao Procurador Geral da República de Bolsonaro no Senado; é o que explica o fato de Freixo e Sâmia Bonfim, parlamentares do PSOL, se sentarem num clima de conversa amigável com figuras ultrarreacionárias do cenário político (Kim Kataguiri e Janaína Pascoal) com o objetivo de “ter uma conversa produtiva”, fazendo elogios e comentários diplomáticos em vez de os denunciarem como inimigos mortais do povo trabalhador; é pelo seu comprometimento com a ordem capitalista que os governadores do PT deram apoio à realização da reforma da Previdência!
Esse é o comportamento de dirigentes partidários privilegiados e parlamentares que esperam a oportunidade de alçar ao poder numa próxima eleição. A cada passo, dão respaldo ao sistema capitalista e ao regime político carcomido mal disfarçado de “democracia” que vivemos atualmente. Tais atitudes não refletem os interesses dos milhões que vão precisar trabalhar até morrer em empregos precários, nem dos milhões que se encontram desempregados, nem daqueles que veem sendo retirada sua oportunidade de cursar uma universidade pública, ou que perdem os benefícios sociais e seu já precário acesso a serviços de saúde pública, nem dos que estão morrendo nas favelas e periferias como parte da política de incentivo à morte dos governos estaduais. Participar do dito “jogo democrático” sem se insurgir contra o Estado capitalista e contra o sistema capitalista em si, contra as polícias militares e seus crimes; tudo isso é um tapa na cara do povo que precisa enfrentar essa realidade.
A burguesia está ditando o jogo. Enquanto isso, esses partidos ditos de esquerda se transformam em meros defensores do “Estado democrático de direito” que sempre foi uma mentira para os trabalhadores. Democracia verdadeira não são os números que digitamos em urnas, mas a organização do povo trabalhador para lutar por suas necessidades. Chega de passividade, chega de esperar eleições; nada de perder tempo falando em impeachment, um dispositivo que nada altera em tais instituições e tudo que poderia fazer seria colocar o General Mourão no poder. Não será Lula, nem Ciro Gomes, nem Tabata Amaral, nem Freixo, nem nenhum outro lobo em pele de cordeiro com discursos sem consistência, sem ação no interesse dos trabalhadores, que vai mudar essa situação a nosso favor.
Sabem por que nenhum deles está buscando organizar uma greve geral ou uma rebelião contra essas facadas que estamos recebendo, uma atrás da outra, em cada medida criminosa de Bolsonaro, Paulo Guedes, Weintraub? Porque eles têm medo de agir contra o sistema, e que os trabalhadores se insurjam contra o Estado e suas estruturas; tem medo de perder seus cargos, medo de perder suas cadeiras no parlamento, medo de perder seus aliados capitalistas, medo de os trabalhadores começarem a participar ativamente dos sindicatos e exigirem mais democracia e transparência nessas estruturas; têm medo de que comecemos a construir um mundo novo, no qual eles não têm lugar; têm medo da nossa vitória final, têm medo do socialismo!
Ao contrário do que pregam os reacionários, não estivemos nada perto da perspectiva socialista nos governos petistas. Para o PSOL e PCdoB, o socialismo é, no máximo, uma palavra bonita ao vento, que alguns dirigentes falam quando é conveniente; para o PT, nem isso. Para nós, é a diferença entre viver com dignidade ou morrer trabalhando, morrer esquecido, morrer sem ter vivido. Para eles, o que está em jogo é um cargo novo, um aparelho para se reeleger.
Como não temos nem queremos nenhum rabo preso com o Estado, com grandes empresários ou seus partidos, e nem com as instituições dessa falsa “democracia” que só serve aos ricos, falamos o verdadeiro caminho para os trabalhadores: organização de autodefesas coletivas para se defender da violência e dos abusos policiais; dissolução das forças policiais de repressão; criação de comissões especiais para julgar os crimes de juízes, da polícia e de políticos, e para puni-los exemplarmente; nenhum reconhecimento de legitimidade de Bolsonaro ou seus auxiliares; tomada sem indenização das grandes empresas, bancos e fazendas, a serem controladas pelos trabalhadores; transformação de prédios e apartamentos sem uso em moradias populares; cancelamento das dívidas dos trabalhadores com os bancos até determinado valor; que as grandes empresas, uma vez nas mãos dos trabalhadores, treinem e contratem até acabar o desemprego; instituição de um salário mínimo realmente capaz de suprir as necessidades do trabalhador; igualdade salarial e de direitos independente de gênero ou etnia para os mesmos trabalhos realizados; ampla construção de creches, restaurantes e lavanderias públicas para tirar o trabalho doméstico das costas das mulheres; cancelamento imediato de todas as “reformas” que tiraram direitos e investimentos sociais; estabelecimento de um governo de trabalhadores, baseado nas nossas organizações de luta, para a execução dessas medidas.
Trabalhador, organize-se e lute! Procure em seu bairro, escola, trabalho ou universidade por um comitê de luta e participe dele. Se não existir, tente construí-lo. Cobre do seu sindicato uma reunião aberta para debater um plano de lutas. Reúna-se com seus vizinhos. Está na hora de fazer greve, piquete, manifestação, bloqueio de rodovia, ocupação, assembleia em praças e empresas, enfim, na hora parar o país. Cobremos dos movimentos sociais a construção de uma frente de lutas para articular a resistência contra os ataques de Bolsonaro e dos capitalistas. Façamos a democracia de verdade, a nossa própria organização enquanto trabalhadores. Construamos um partido socialista de verdade, revolucionário, para pôr abaixo toda essa podridão e construir um mundo radicalmente novo!