Janeiro de 2021
2020 foi um ano de profunda crise capitalista, econômica e social, que coincidiu e foi aprofundada pela emergência da pandemia global associada à COVID-19. Foi também um ano de resistência para os trabalhadores contra a intenção da burguesia de lançar todo o ônus dessa crise sobre nós, e de luta contra o racismo estrutural, com a eclosão de novas rebeliões populares em alguns países. Contudo, vivemos ainda um período histórico reacionário, o que não é diferente no Brasil de Bolsonaro. Porém, isso exige dos marxistas, ainda mais coragem e energia para manter viva a nossa bandeira e perspectiva, em vez de adaptação ao “possível” no cenário político desesperador ao qual somos apresentados. Devemos buscar uma solução que passe pela superação desse sistema e no interesse dos trabalhadores, pois a revolta da nossa classe tende a adquirir feições explosivas. Com esta retrospectiva, queremos lembrar alguns temas e acontecimentos que marcaram o ano passado, e algumas de nossas análises e intervenções.
Janeiro
O ano se iniciou com o imperialismo americano realizando uma provocação contra o Irã, ao assassinar o general Suleimani, das forças armadas iranianas, de forma rasteira. Embora não fôssemos partidários nem de Suleimani e nem do regime iraniano, denunciamos essa ação como uma tentativa de criar condições para uma guerra ou intervenção do imperialismo dos EUA contra o Irã, à qual nos opomos. Escrevemos um texto sobre esse tema:
Março
Em março, a OMS declarou que o coronavírus havia se tornado uma pandemia global. Nós debatemos os vários aspectos sanitários e sociais causados pelo vírus e alertamos como, no capitalismo, diante de uma catástrofe como essa, os patrões iriam mais uma vez tentar jogar os custos sobre as costas dos trabalhadores – ainda que isso custasse nossas vidas, saúde, renda e empregos. Defendemos desde o início a realização de medidas de isolamento social efetivo (lockdown) para deter o avanço da doença; investimento em vacinas e garantia de renda, custeados pela confisco dos lucros dos capitalistas; rejeição de qualquer demissão em massa ou corte de salário para os trabalhadores; e isenção de contas e aluguéis. Essa seria a única forma de minimizar os enormes impactos humanos da pandemia e salvar as vidas dos trabalhares.
A crise do sistema capitalista diante do coronavírus – Qual é a saída para os trabalhadores?
Esse mês também marcou dois anos desde o assassinato político da vereadora do PSOL carioca, Marielle Franco, que ainda carece de esclarecimento e respostas quanto a seus mandantes. Alertamos num panfleto sobre a necessidade de uma investigação independente e da importância de não se confiar na polícia nem para resolver crimes como esse e nem para proteger os trabalhadores contra outros futuros.
Caso Marielle Franco: Dois anos sem respostas (panfleto)
Também em março, nossos camaradas australianos do projeto Bolchevique-Leninista lançaram a sua plataforma programática, que nós traduzimos para o português:
Por um núcleo marxista na Austrália! (tradução)
Abril
Em abril, iniciou-se o debate na área da educação sobre o que fazer diante da pandemia. Nós do Reagrupamento Revolucionário defendemos que as aulas presenciais e provas nacionais como o ENEM fossem cancelados até que houvesse uma vacina e segurança sanitária. Também propusemos em assembleias sindicais do ensino básico ações para exigir o controle dos trabalhadores da educação (juntamente com responsáveis e estudantes) sobre a reorganização dos conteúdos e do ano letivo quando fosse viável retornar. Ao mesmo tempo, estivemos contra as cobranças obrigatórias de formas de ensino remoto num país como o nosso, em que os estudantes do ensino básico têm acesso precário ou nenhum acesso a recursos tecnológicos. A postura dos governos e prefeituras foi marcada, ao longo do ano, por pressão para o retorno das aulas presenciais em plena a pandemia (sob a influência dos donos de escolas da rede privada) e da tentativa de qualificar o ensino remoto como “novo normal”, passando por cima dos interesses e das vozes dos trabalhadores. Veja nossas publicações sobre essa questão da educação durante a pandemia:
Ensino à distância na educação básica significa exclusão e exploração – Diga não!
Também nesse mês, começamos a participar do podcast “Peão na Pandemia”, construído conjuntamente por nós do Reagrupamento Revolucionário e por companheiros independentes, com a intenção de debater diversos aspectos da pandemia sob o ponto de vista dos trabalhadores, geralmente ignorado pela grande mídia. Ouça aqui os oito episódios do podcast que foram produzidos:
Peão na Pandemia (Spotify) / Peão na Pandemia (YouTube)
Maio
Em maio, uma onda de massivos protestos contra o assassinato de George Floyd por um policial varreu os Estados Unidos, demandando justiça contra essa instituição racista. Protestos de solidariedade aconteceram em todo o mundo, mostrando a disposição de internacionalismo da nossa classe. Nós traduzimos e escrevemos sobre essa questão, além de participarmos de manifestações de solidariedade no Brasil:
Pelo fim da polícia, pelo fim do capitalismo racista, pelo socialismo!
Nesse mês também publicamos um artigo sobre o cenário político brasileiro, no qual discutimos as posições da classe capitalista – do negacionismo criminoso e assassino de Jair Bolsonaro e dos militares, ao jogo de marketing de governadores como o paulista João Doria, que dizia se preocupar com a população. Mostramos que o consenso da burguesia era em torno de poder demitir, cortar salários, e não em compromisso com auxílio emergencial digno, criação de filas únicas de atendimento (o que exige tomar os hospitais privados para uso da população) e realização de isolamento social coletivo com garantia de renda aos trabalhadores informais e desempregados. Comentamos também a postura vergonhosa da dita “oposição” do PT e PCdoB, que queria um bloco com o setor da direita que meramente reconhecia a pandemia e chegou a convidar Rodrigo Maia (DEM), Dias Toffoli (STF) e outras figuras para o ato online de 1º de maio da CUT. O PSOL, por sua vez, colocou todas as expectativas em pedidos ao Congresso e ao STF para que retirassem o presidente e que governassem por conta própria, não na necessária organização dos trabalhadores ou nas suas necessidades. Apesar disso, importantes manifestações dos trabalhadores ocorreram diante da pandemia, como paralizações de entregadores, de trabalhadores de telemarketing contra condições sanitárias insalubres e da comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, contra a total ausência de assistência médica e social.
A situação política nacional na crise do coronavírus
Junho
Demissões não pararam de acontecer durante toda a pandemia, fazendo a taxa de desemprego bater em 14 milhões de pessoas, para não mencionar aqueles entre nós que só conseguem trabalhos informais, e que somam 40 milhões. Um dos casos foi o da empresa aérea LATAM, que anunciou a demissão de 4,7 mil funcionários no Brasil. Escrevemos essa nota em repúdio ao processo de demissão, exigindo dos sindicatos e centrais ações para garantir manutenção de todos os empregos sem nenhuma redução salarial e readmissão de todos os trabalhadores demitidos. Outro foi o dos profissionais da educação da Universidade Positivo, no Paraná, que como os de outras escolas e universidades, foram postos na rua por patrões milionários, para que eles continuassem lucrando sem parar no meio da pandemia.
A precarização do ensino da Universidade Positivo de Curitiba
Julho
O mês de julho trouxe uma nova rodada de ameaças imperialistas contra o Estado operário burocratizado da China, com a criação de um plano militar bilionário encampado pelo governo australiano para expulsar a presença chinesa no Mar do Sul da China. Nós traduzimos o artigo sobre essa questão escrito pelos nossos camaradas australianos. Veja também o extenso artigo analisando a China que nós escrevemos em abril desse ano:
Ameaça contrarrevolucionária à China no Mar da China Meridional (tradução)
No dia 1º aconteceu o “breque dos aplicativos”, uma paralização em todo o país dos trabalhadores de aplicativos de entrega e transporte, a primeira vez em nosso país que um movimento como esse teve amplitude nacional. Os trabalhadores demandaram que as empresas provessem equipamento de segurança para pandemia, pagassem salários melhores durante esse período de alto risco e tivessem maior transparência quanto ao desligamento de funcionários. Defendemos que todos os trabalhadores de aplicativo sejam reconhecidos como funcionários das empresas e que recebam todos os benefícios previstos (férias, 13º salário, etc.) como uma demanda mínima.
Breque dos APPs (página do Reagrupamento Revolucionário no Facebook).
Agosto
Em agosto, foi realizado o aborto de uma menina de 10 anos que havia sofrido estupros por anos no estado do Espírito Santo. O caso, um dos poucos em que a legislação brasileira permite a realização de aborto, foi ainda a assim cercado de ataques de grupos religiosos reacionários que se colocaram contra o direito de essa criança abortar. Nós defendemos o direito ao aborto seguro e gratuito para todas as mulheres, e exigimos a tomada de todos os recursos e propriedades das religiões-empresas que tomam esse tipo de postura criminosa, para que sejam revertidos em casas de apoio, auxílio psicológico e campanhas de conscientização contra o machismo e a homofobia. Defendemos nossa perspectiva nesse panfleto mais antigo (2018) sobre a legalização do aborto e divulgamos nessa ocasião o nosso livreto sobre a opressão e superexploração das mulheres trabalhadoras:
Marxismo & Emancipação da Mulher (Livreto)
Setembro
Nesse mês, publicamos o manifesto programático do Reagrupamento Revolucionário, intitulado “Organizar um núcleo marxista proletário internacional”. Leia aqui:
Plataforma Programática do Reagrupamento Revolucionário
Setembro foi também o mês em que nossas discussões com um grupo trotskista da Coreia do Sul chegaram ao fim, sem que tenha sido possível uma aproximação entre as duas organizações. Publicamos um balanço das nossas discussões, que acreditamos terem sido importantes e educativas apesar do desfecho, bem como a correspondência que foi trocada ao longo do tempo em que mantivemos um diálogo:
Balanço das discussões com o grupo Bolchevique da Ásia Oriental
Outubro
Um ano após o início das massivas manifestações no Chile, foi realizado em outubro de 2020 o plebiscito para decidir sobre a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, em que venceu o “Sim”. Já havíamos alertado sobre os limites de uma Constituinte para resolver os conflitos sociais e demandas dos trabalhadores que haviam dado origem à revolta chilena, e de que é necessário construir um amplo movimento de trabalhadores, em questionamento ao poder da classe dominante, para obter sucesso. Assim como 2019, 2020 foi marcado por rebeliões populares em diversos países. Apesar das muitas diferenças, esses processos mostram a força da classe trabalhadora e das camadas populares em geral quando resolvem dizer basta para as arbitrariedades e ataques do Estado burguês e dos patrões. Nesse artigo, também debatemos sobre como fazer tais revoltas avançarem.
A nova onda de revoltas populares pelo mundo e o caso chileno
Outubro foi o mês também com os maiores incêndios da história do Pantanal, antes um dos biomas mais preservados do país, e que afetaram gravemente espécies animais e a vida humana na região. Em nossas publicações recentes, alertamos para o fato de que os efeitos do aquecimento global e da destruição ambiental recairão sobre os trabalhadores, com os custos e prejuízos empurrados a nós pela burguesia, e que é necessário um movimento que confisque lucros e recursos das grandes empresas exploradoras para evitar e mitigar novas catástrofes como essa, causadas tanto pelo colapso ambiental quanto pelo desmonte deliberado pelo governo Bolsonaro das agências de proteção ambiental. Veja nossas publicações sobre a questão ecológica:
A questão ambiental e a questão da terra (seção do nosso manifesto programático)
Revolução socialista: a solução para a questão da mudança climática (panfleto)
Na Bolívia, Luís Arce (do Movimento ao Socialismo, o mesmo partido de Evo Morales) venceu as eleições para presidente depois de o MAS ter sido retirado do poder por um golpe de Estado em 2019. Essa vitória de Arce não representou, entretanto, que os golpistas tivessem sido derrotados, removidos do poder ou perdido seus privilégios. Ao contrário, Arce prometeu “pacificar o país” e conciliar com esses próprios golpistas. Portanto, afirmamos que essa não foi nenhuma vitória para os trabalhadores bolivianos, ao contrário da grande maioria da esquerda reformista brasileira.
Nenhum apoio do movimento dos trabalhadores a Luís Arce! Derrotar a burguesia e os golpistas por meio da luta de classes! (página do Reagrupamento Revolucionário no Facebook).
Novembro
Novembro foi o mês de eleições nos municípios no Brasil. O bolsonarismo se enfraqueceu eleitoralmente, para benefício da velha direita burguesa, que abocanhou as principais capitais, e o PT definhou de vez. O PT, PCdoB e mesmo o PSOL se coligaram com os partidos burgueses em centenas de municípios. PT e PCdoB realizaram muitas coligações até com partidos da base bolsonarista. Essa imensa falta de princípios se refletiu em programas para servir aos capitalistas, mal disfarçados de projetos de “governo para todos”, velha ladainha eleitoral. O PSOL foi para o segundo turno em Belém e São Paulo, ganhando a primeira. Teve um crescimento tímido em bancadas de vereadores, mas a campanha de Boulos teve repercussão nacional. Apesar disso, foi marcada por compromissos com a burguesia paulistana, inclusive com visitas dele à Associação Comercial, e compromissos em manter a lei e a ordem. No segundo turno, Boulos se coligou com PT, PCdoB, PDT, Rede e outros partidos burgueses, deixando claro que não faria um governo para o povo trabalhador (para quem quisesse ver). Apesar disso, não só os reformistas, mas mesmo a maior parte da esquerda que se diz revolucionária (mas que é centrista) apoiou sua candidatura. Nós fizemos uma análise do cenário, reiterando que não são as eleições que vão mudar o caráter de classe do Estado, mas que uma campanha efetivamente comunista deveria denunciar a falsidade dos candidatos burgueses e servir para insurgir o povo e popularizar o programa comunista sobre as questões que afetam a realidade dos trabalhadores. Inicialmente, chamamos um voto crítico no PSTU, pois sua campanha avançava sobre algumas dessas questões, mas não deixamos de denunciar as incoerências desse partido, que logo depois revelou claramente sua disposição a apoiar candidaturas capitalistas “de esquerda”.
Boulos e PSOL consolidam sua frente popular com a burguesia
Também ocorreram eleições nos EUA, em que Joe Biden do Partido Democrata derrotou Trump, embora este não tenha aceitado o resultado. A democracia norte-americana também está em vertigem. Reformistas e liberais (inclusive muitos na esquerda brasileira) apoiaram a vitória de Biden e alimentam ilusões nele, como um suposto “retorno à democracia”. Mas foi o mesmo partido que, sob Obama, conduziu inúmeras guerras e golpes criminosos contra regimes de países do Terceiro Mundo (inclusive dando suporte ao golpe no Brasil em 2016, ao reconhecer prontamente o governo Temer). Também é o partido que não cessou de perseguir imigrantes, encarcerando-os como animais, e nem mitigou o racismo escancarado da polícia, ou deixou de servir e apoiar aos magnatas imperialistas. Nessa ocasião, reafirmamos que Biden não merecia um pingo menos de oposição dos trabalhadores do que Trump e nenhum tipo de apoio. Leia também nossa crítica (de 2017) ao apoio que boa parte da esquerda americana presta (de forma aberta ou velada) ao Partido Democrata:
A incoerente esquerda reformista apoiou a vitória de Arce, mas também a de Biden (página do Reagrupamento Revolucionário no Facebook).
A resposta da esquerda dos EUA a Trump e às eleições de 2016
João Alberto, um homem negro de 40 anos, foi espancado até a morte por dois seguranças em um supermercado do grupo Carrefour no dia 19 de novembro, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra. Isso levou a protestos de revolta contra o supermercado, que já esteve envolvido em outros crimes fatais e inúmeros casos de racismo envolvendo vigilantes e ex-policiais. Nessa ocasião, divulgamos nosso livreto, “Marxismo e Questão Negra” e membros do nosso grupo participaram das ações contra o Carrefour:
Dezembro
Dezembro viu a continuidade e piora da pandemia do coronavírus, ao mesmo tempo em que acabava o auxílio emergencial, que já era de um valor muito abaixo do necessário, mas que impediu milhões de brasileiros de caírem na pobreza ao longo de 2020, diante do desemprego e da informalidade. O ano terminou totalizando o número de 200 mil brasileiros que estão agora mortos (apenas os números oficiais) por conta da COVID 19. A inflação esteve em forte alta, sobretudo para produtos básicos da alimentação, como o arroz, afetando gravemente as famílias trabalhadoras.
A situação do país entra numa espiral de desastre enquanto os representantes reconhecidos da dita “esquerda” ignoram completamente as mazelas do povo trabalhador e entram em conchavos de todo tipo com a classe dominante, a direita tradicional e até com o bolsonarismo. 2021 é um ano que promete explosão e revolta. Precisamos urgentemente de um polo revolucionário que possa catalisar a ira que o trabalhador sente em torno de um projeto político novo, comunista e revolucionário, que questione o poder da podre e racista classe dominante brasileira, que viu o povo morrer impassível para manter seus lucros. Que seja um ano de muitas lutas, rebeliões e avanços na organização da nossa classe!