A biografia da liquidação
[Um dos principais documentos da “Tendência Vern-Ryan” do SWP dos EUA. Escrito por Dennis Vern em 26 de fevereiro de 1953, esse material foi originalmente publicado no vol. 15, n. 5 (p. 18-36) do Boletim Interno (Internal Bulletin) do SWP, em março de 1953. Possuímos um acordo geral com a posição do autor sobre os acontecimentos do pós-Segunda Guerra e a caracterização da burocracia stalinista, assim como sua crítica aos erros da direção da Quarta Internacional e do SWP. Porém, não aderimos acriticamente a todos os argumentos ou formulações secundários do texto. Para uma síntese das posições internas da Quarta Internacional diante da crise que é abordada neste artigo, veja O movimento trotskista internacional e as revoluções do pós-guerra (1944-63). Documento traduzido pelo Reagrupamento Revolucionário em fevereiro de 2017 a partir da versão original em inglês, disponível em: https://www.marxists.org/history/etol//document/swp-us/idb/swp-1946-59/v15n05-1953-ib.pdf]
Na política, assim como na natureza, não existe desperdício: na vasta luta entre classes, todos os restos e dejetos no quintal de uma classe são inevitavelmente usados no ataque do seu inimigo de classe. Por esse motivo, a política tem uma óbvia e evidente lógica própria; e em última análise é a única ciência que a tem.
As decisões do Terceiro Congresso Mundial [da Quarta Internacional, de 1951] foram adotadas de forma praticamente unânime. O CN [Comitê Nacional] do SWP aprovou a linha geral das resoluções do congresso sem um voto contrário sequer. Entretanto, a história levou do congresso unânime ao confuso e debilitante racha da seção francesa. No SWP, duas frações principais estão se formando e há rumor de que um período de luta fracional se encontra à nossa frente. Claramente, a unanimidade não é tudo.
A disputa fracional no SWP, formalmente diz respeito à questão de se devemos ou não trabalhar na periferia dos stalinistas; se devemos ou não – e como – participar da atividade eleitoral; ao conflito entre os “jovens” e os “velhos” e entre os eficientes e os ineficientes.
Porém, é evidente para os camaradas que essas questões não são as verdadeiras questões, mas apenas manifestações de ainda outras diferenças que os faccionalistas não expressaram. O partido nunca se opôs ao trabalho na periferia stalinista, e se possível no próprio PC [Partido Comunista], com o objetivo de construir o partido marxista. Se esse trabalho foi feito ou não, essa era uma questão inteiramente prática de forças e oportunidades, na qual sempre há mais destas do que daquelas. Ambas frações consideram, eu tenho certeza, que um partido que não lute para participar em quase toda eleição possível não é digno do nome de partido. Nós precisamos não apenas da atividade e do entusiasmo revigorante dos mais jovens, como também da experiência dos mais velhos. E eu suspeito que a qualidade da eficiência (no que?) dificilmente é a característica exclusiva de qualquer uma das frações.
Por trás do racha na França e da divisão fracional no SWP estão questões políticas de grande importância. Eu não acho que os faccionalistas saibam disso, mas isso não altera a sua verdade. E a atitude dos faccionalistas sobre essas questões vai determinar que tipo de luta eles vão conduzir no SWP. Na política marxista, seus melhores amigos vão lhes expor: em conformidade com esse papel, eu vou resumir as verdadeiras questões que agitam e irritam aos camaradas.
Nossa geração viu a revolução proletária triunfar na Iugoslávia e ou triunfar ou se desdobrar (eu digo que triunfou) na China. Vimos a burocracia soviética manter a URSS contra o ataques de Hitler. Na Europa Oriental, vimos tal burocracia, por trás de frágeis formações domésticas, realizar uma expropriação política e econômica da burguesia.
Muita tinta foi gasta a respeito desses eventos. Nos disseram que os partidos comunistas iugoslavo e chinês não eram realmente partidos stalinistas. E nenhum crédito, escutamos, deveria ser dado à burocracia soviética por seu papel na Europa Oriental: afinal, foi Wall Street quem forçou a burocracia a se opor à burguesia. (Por essa lógica, a General Motors também merece o crédito pelas greves de ocupação: afinal, eles não forçaram os trabalhadores a se organizar?).
Essa ambiguidade falhou em seu propósito (o que, de certa forma, é ruim, já que a intenção era certamente louvável). Mas a verdadeira questão não era se os PCs iugoslavo e chinês eram partidos stalinistas – (na minha opinião eles são ambos partidos stalinistas no único aspecto decisivo: ambos subordinam a luta de classes a um aparato governamental que não é marxista) – a verdadeira questão surge do fato de que os eventos revolucionários da nossa época não foram realizados por um partido marxista, mas por formações que não o eram, ou mesmo eram antimarxistas.
O que encaramos em todos esses eventos foi a revolução proletária não-marxista ou mesmo antimarxista; a revolução proletária que foi, por causa de sua liderança não-marxista, inconsciente até certo ponto. Encaramos uma revolução proletária inconsciente, e tivemos as mesmas tarefas que os marxistas sempre tiveram diante da luta de classes primariamente inconsciente: (1) localizar no processo inconsciente as leis que determinam a história e (2) demonstrar a necessidade e a possibilidade de fazer história conscientemente.
O instrumento para a realização desses dois objetivos interligados é o partido marxista.
O atual alinhamento fracional no SWP reproduz, com uma ou outra pessoa destoante, o alinhamento que se desenvolveu a respeito da revolução proletária inconsciente. Por um longo período, o grupo Cannon-Weiss [dirigentes do SWP] negou a revolução primariamente porque ela era inconsciente. (Vejam o relato do camarada Stein ao pleno de 1949 – aprovado pelo CN – ao documento do camarada Wright, e a oposição que o camarada Cannon declarou às teses de 1950 do camarada Marcy). Diante da revolução proletária inconsciente, o grupo de Cannon insistiu que, porque era inconsciente, não poderia ser uma revolução.
Os camaradas associados ao companheiro E.R. Frank [Bert Cochran] foram, sem dúvida, muito mais rápidos em reconhecer a natureza fundamentalmente revolucionária do que ocorreu. O memorando de Frank em 1949, seu documento de 1950 e as Teses do camarada Marcy, todas apresentadas no SWP – como uma posição de minoria, além disso – tinham a linha que seria depois adotada no Terceiro Congresso.
No começo dessa discussão, eu, pessoalmente, e depois com os camaradas Ryan e outros, apoiamos as conclusões nas quais o camarada Frank e o CEI [Comitê Executivo Internacional] haviam chegado. (Eu até mesmo me adiantei a eles em alguns pontos). Mas eu fui cuidadoso em apontar que a metodologia que eles haviam empregado não era uma metodologia marxista, e que ela levava, direta e indiretamente, à liquidação do método e do partido marxista. (Veja a resolução R.P.V.L. de julho de 1951).
Eles renomearam o velho conceito de Estado de duas classes com o nome de “poder dual” e usaram-no para apresentar as mesmas concepções que o reformismo sempre havia apresentado nos seus Estados de duas classes ou sem caráter de classe. Eles nos disseram que a revolução proletária havia triunfado na Iugoslávia… quando um ministro capitalista se demitiu do governo! Nos países da zona para-choque [termo usado para se referir aos países do Leste europeu ocupados pela URSS ao fim da guerra], onde eles negaram que houvesse ocorrido qualquer revolução proletária, eles descobriram um “status intermediário” que não era nem gato nem lebre e representava um conceito que o camarada Trotsky tinha especificamente, em muitas ocasiões, rejeitado como utópico. No curso desse “status intermediário”, o CEI ensinou que os Estados burgueses mantidos pela burocracia soviética na Europa Oriental haviam simplesmente se estatizado até a morte.
Por rejeitar esses conceitos, eu não pude, embora concordando com muitas das suas conclusões, aceitar a linha do camarada Frank e do CEI. A revolução proletária inconsciente, assim como a luta de classes inconsciente, segue as leis do marxismo. De outra forma, o marxismo seria apenas uma inspiração e não uma ciência. Se o marxismo não é uma ciência, então o partido marxista é desnecessário: qualquer coleção de trapos e remendos que consiga a liderança das massas pode servir.
Essas, camaradas de ambas frações, são as questões que os estão irritando. Os camaradas viram o triunfo da revolução proletária inconsciente. Ela não pode e não será ignorada. Ela deve ser reconhecida como uma revolução proletária. Mas a sua ausência de consciência não deve se tornar a nossa regra. Se há verdadeiras diferenças políticas entre as frações, eu diria, de forma geral, que o grupo do camarada Cannon é um grupo vagamente sectário, inclinado, como todos os sectários, a negar certos aspectos da luta de classes pela ausência de uma liderança marxista na luta; e que o CEI e o grupo do camarada Frank é um grupo de forma geral oportunista, que se tornou mais e mais fascinado pela falta de consciência da revolução proletária inconsciente.
O sectarismo e o oportunismo sempre foram duas manifestações dos mesmos erros. No nosso próprio caso, isso é bastante claro. Ambas as posições surgem de uma concepção incorreta e não-dialética que foi há muito introduzida no nosso partido por ambas frações. É a noção de que a burocracia soviética é “completamente reacionária” (observe-se a violação da dialética ao se dizer “completamente”). A doutrina não-anunciada de muitos camaradas de que o stalinismo pode se tornar “completamente progressivo” nasceu desse terreno. A dialética mais de uma vez pregou esse tipo de peça aos formalistas.
Eu vou resumir a seguir a biografia da liquidação.
A crise da estratégia leninista da revolução proletária começa com a revisão do marxismo sobre o Estado, que é representado pela concepção de que a burocracia soviética é “completamente reacionária”
A estratégia leninista da revolução proletária se baseia no papel fundamental que é desempenhado pelo aparato repressivo que existe na sociedade. Nos seus primeiros escritos, Lenin se refere a tal máquina de supressão como governo. Em anos posteriores, ele tomou o termo usado por Engels, e passou a referir-se a ele como Estado. Nossos atuais “trotskistas” falam do aparato de Estado, um termo sem sentido, já que o Estado é um aparato, uma máquina de supressão que consiste de corpos de homens armados com prisões etc.
Seja como for chamado, e não existe um bom motivo para revisar a terminologia de Engels, Lenin e Trotsky, o aparato repressivo que existe em uma sociedade e age como instrumento de classe é o objetivo estratégico central na estratégia leninista da revolução proletária. Não pode haver mudança fundamental na sociedade ou na economia a não ser que a máquina de supressão seja arrancada da burguesia e uma máquina de supressão seja organizada como instrumento do proletariado. Por esse motivo, Lenin considerava o partido marxista uma organização de combate.
A social-democracia sempre se opôs a isso. Kautsky e Vandervelde defenderam, contra Lenin, a concepção de que o Estado é “a nação como um todo” (ver o apêndice ao livro de Lenin, A Revolução Proletária) e na prática negaram que o governo, a reunião de cúpula do aparato de repressão, fosse um instrumento de classe.
A história, como escreveu Trotsky, estabeleceu um veredito claro e inextirpável na disputa entre Lenin e a social-democracia. Em vários países, a social-democracia chegou formalmente ao poder governamental, e é inquestionável que eles usaram esse poder para fazer mudanças importantes na sociedade e na economia. Mas eles deixaram o aparato repressor, a máquina de supressão que existe na sociedade, o Estado, nas mãos da burguesia. Em razão disso, eles foram incapazes de expropriar a classe capitalista e eventualmente viram todos os seus ganhos arrancados pelo Estado burguês.
Na revolução, Lenin arrancou a máquina de supressão dos exploradores e criou um novo aparato repressivo como instrumento do proletariado; e por meio desse aparato repressivo, Lenin e seu partido também fizeram mudanças na economia e na sociedade; e a mais importante dessas mudanças continua a existir até hoje apenas porque Lenin primeiramente destruiu o Estado burguês.
A estratégia leninista da revolução proletária faz do poder de Estado o seu objetivo central, e define o Estado como o aparato repressivo que existe na sociedade.
O Estado que Lenin criou se degenerou. Embora a economia russa tenha atingido virtualmente a coletivização completa e tivesse um desenvolvimento sem precedentes, o Estado degenerou. Quando nossa geração de marxistas olha para a Rússia, vemos como aparato repressor existente na sociedade transitória da Rússia o Exército Vermelho burocratizado, a polícia secreta, os campos de trabalho forçado, a prisão Lubianka, a “Justiça” de Vishinsky e os campos de concentração. Olhe-se para onde quiser na máquina de supressão da Rússia, tudo o que se vê é um ou outro instrumento burocratizado do despotismo de Stalin.
O camarada Trotsky insistiu vez após outra que a URSS era um Estado operário. Será que o camarada Trotsky realmente pensava que a URSS era um “país” dos trabalhadores, uma “economia” dos trabalhadores ou uma “sociedade” dos trabalhadores? Geralmente, o Velho não precisava que ninguém mais explicasse o que ele “realmente pensava”; o camarada Trotsky conhecia idiomas e palavras, e também Lenin; e ele nunca disse economia, país ou sociedade; ele disse que a URSS era um Estado operário.
Nossa liderança não concorda com o Velho nesse ponto. Eles viram ou leram sobre os expurgos de Moscou, o regime totalitário e o assassinato do camarada Trotsky. Claramente, pensam eles, um aparato repressor tão revoltante e terrível quanto o de Stalin não poderia ser um Estado operário!
Mas isso levanta um problema deveras importante: Lenin definiu o Estado como uma máquina de supressão; Trotsky insistiu que a URSS era um Estado operário. Nossos camaradas não querem se opor nem a Lenin e nem a Trotsky. Mas eles estão ainda mais determinados em não considerar o terrível aparato repressivo de Stalin como um Estado operário (e a existência do Senador McCarthy, é claro, nada faz para enfraquecer tal determinação). O aparato repressor de Stalin seria “completamente reacionário”! Mas e quanto a Lenin e Trotsky?
Eles revisaram Lenin (e também Trotsky, já que Trotsky era um leninista consistente). O Lenin deles, aparentemente, precisa de alguém para explicar o que ele “realmente” pensava. Nossa liderança evita a desagradável e impopular obrigação de considerar a burocracia de Stalin, o aparato repressor na URSS, como um Estado operário ao declarar que o termo Estado não se refere à máquina de supressão na sociedade: que se refere à economia (nacionalizada) ou à sociedade (de transição ao socialismo). Dessa maneira, eles podem repetir as palavras de Trotsky: a URSS é um Estado operário; mas eles a interpretam agora com um conteúdo diferente: a URSS é um país operário ou uma economia operária etc. A URSS seria uma economia operária na qual residiria um aparato de Estado “completamente reacionário”, variadamente descrito como burguês, pequeno-burguês ou sem caráter de classe. (Que isso os leve para perto da clássica posição dos democratas pequeno-burgueses é apenas uma feliz coincidência).
Qualquer que seja a motivação, e capitulação à pressão burguesa não é a única motivação, o fato permanece: eles revisaram Lenin sobre a questão do Estado.
Os camaradas podem conferir isso lendo Lenin: “Vamos à formulação teórica da questão. O Estado, mesmo em uma república democrática” – (O Estado, observe-se, está na república, a nação como um todo) – “nada mais é que uma máquina para supressão de uma classe por outra” (página 105, Revolução Proletária).
Compare isso com o camarada Pablo: “Marxistas usam o termo Estado em um sentido muito preciso: para indicar a sociedade etc.” (Sobre a natureza de classe da Iugoslávia, pág. 27). Em um artigo subsequente, Iugoslávia e o resto da Zona Para-choque, Pablo torna esse conceito de Estado bastante claro: “A sociedade iugoslava deixou de ser um Estado capitalista”. (pág. 2, minha ênfase).
Essa também era a concepção do camarada Pierre Frank no Congresso. No seu relato ele falou da “Evolução de distintas sociedades humanas, entre elas os Estados operários”. O Estado, portanto, torna-se simplesmente outro nome para sociedade, o Estado operário é simplesmente outra sociedade.
A mesma concepção de Estado está contida no documento de E.R. Frank. Este é muito longo para citar aqui, mas a conclusão de Frank poderia ser resumida essencialmente como a de Pablo e Pierre Frank: um Estado operário é uma sociedade na qual existe uma economia coletivizada.
O que Lenin diferenciava, nossos camaradas identificam
Os camaradas revisaram Lenin e Trotsky sobre a questão do Estado. Isso não é apenas uma inovação tecnológica. Ao reagir subjetivamente contra o Estado de Stalin, os camaradas tendem a ir além e revisar a concepção leninista de revolução proletária. Falar de sociedade onde Lenin e Trotsky falavam de Estado é uma coisa; focar a atenção na sociedade e ignorar o papel fundamental do aparato repressivo é outra coisa. Considerar que a URSS é “progressiva” enquanto o Estado na URSS é “completamente reacionário” é entender e propagar uma concepção de revolução proletária que é distintamente não-leninista.
Essa revisão de Lenin sobre a questão do Estado se manifesta como revisão do conceito de revolução proletária
A estratégia de Lenin de revolução proletária é uma unidade dialética de dois opostos: revolução no aparato repressivo e evolução na sociedade e em sua economia. A Revolução de Outubro triunfou em Petrogrado e Moscou em aproximadamente 24 horas e se estendeu para toda a Rússia no curso da Guerra Civil que se seguiu. Por um ano depois de outubro, a economia não foi transformada. Durante o período da NEP, os esforços do regime se concentraram em estender a propriedade burguesa, não em liquidá-la. A completa coletivização na URSS, na extensão na qual existe hoje, ocorreu apenas no período 1930-33 (e conseguida, além do mais, pelo regime “completamente reacionário” de Stalin).
Um socialista que falhe em perceber o significado decisivo do aparato repressivo não é um leninista, mas um socialista pequeno-burguês (nisso, é preciso compreender que o socialismo pequeno-burguês é uma ponte entre o proletariado e a burguesia e que o movimento nessa ponte vai nas duas direções, e que não é determinado pelas intenções dos viajantes). A essência do socialismo pequeno-burguês é sua incapacidade de distinguir as tarefas da revolução das tarefas de reforma. A base dessa incapacidade não é a intenção do socialista pequeno-burguês, mas sua incapacidade de compreender e lidar com o significado decisivo do poder de Estado.
A revolução, então, desaparece, ela tem que desaparecer. A economia e a sociedade podem ser transformadas apenas por evolução, por reforma, em um processo gradual que faz coletivização por coletivização, uma mudança social após a outra, e eventualmente produz uma sociedade socialista. Se nosso olhar se fixa teimosa e exclusivamente na sociedade ou na economia, então não pode haver nem necessidade e nem sentido na revolução. Apenas percebendo o papel fundamental do aparato repressivo, o Estado, pode-se conceber a necessidade da revolução.
O Estado passa de burguês a proletário em uma transferência brusca, repentina, claramente demarcada que pode ser localizada no tempo em uma hora e minuto exatos; a sociedade passa de burguesa a socialista em uma evolução gradual, primariamente não-violenta que ocorre por décadas (possivelmente, mesmo “séculos”).
Essa foi a concepção leninista de revolução proletária. Ela se contrapôs às políticas estritamente evolutivas da social-democracia, e das políticas formalmente estritamente revolucionárias do anarquismo. Mesmo uma familiaridade limitada com Lenin, Engels ou Trotsky vai substanciar isso.
A concepção leninista da revolução proletária é o marxismo da época de guerras e revoluções. O marxismo é uma doutrina científica. As concepções de Lenin não são simplesmente a “melhor maneira” de atingir o socialismo ou “boas ideias”. O marxismo é a expressão consciente de um processo histórico inconsciente. Qualquer revolução proletária, consciente ou inconsciente, vai se desenrolar de acordo com as concepções de Lenin. É isso que faz do marxismo uma ciência. Se o proletariado compreende as concepções de Lenin ou não, isso não vem ao caso aqui: o proletariado e suas várias lideranças têm participado da luta de classes há séculos sem saber que estava fazendo isso, algumas vezes até negando que o que estivesse em jogo fosse de fato a lei do marxismo sobre a luta de classes. O proletariado e sua liderança podem participar na revolução proletária da mesma forma, que é inconscientemente. Apesar disso, a revolução proletária vai proceder de acordo com o esquema marxista.
A tarefa dos marxistas é encontrar no processo inconsciente as leis conscientes do marxismo, usar essas leis para clarificar o processo inconsciente, e assim tornar possíveis ações mais efetivas na defesa da luta.
Nossa liderança agiu diferentemente. Eles estenderam o termo Estado para significar o país como um todo. Eles ignoram o papel da máquina de supressão que existe no seio da sociedade: eles consideram a União Soviética como “progressiva”, mas insistem que o aparato repressivo que existe nela é “completamente reacionário”. Eles vislumbram a transformação da economia e da sociedade nos países para-choque de maneira muito nebulosa, nunca sonhando que tais mudanças podem ser feitas somente por um Estado, e que o Estado nos países para-choque mostra, em razão dessas ações, que em algum momento antes dessa ação os Estados devem ter sido transformados de burgueses a proletários. A resolução do CEI e a declaração de Wright-Warde diz que a economia e o aparato de Estado foram transformados “em um processo paralelo”.
Essa noção de um processo paralelo que teria transformado ambos a economia e o aparato de Estado foi a concepção que a social-democracia defendeu contra Lenin ao se opor à revolução proletária. Nossa liderança está implicitamente dizendo que o reformismo funcionou nos países para-choque (e na Iugoslávia e na China).
O reformismo nunca “funciona”. O reformismo não é a expressão consciente do histórico processo. O reformismo joga com relação ao marxismo um papel similar ao que a religião tem diante da ciência. A religião jamais consegue explicar o mundo.
O fato de que hoje os países para-choque são sociedades de transição entre o capitalismo e o socialismo deve-se ao fato de que o Estado expropriou a burguesia e organizou uma economia planejada; e o fato de que o Estado fez isso deve-se ao fato de que o Estado é um Estado operário; e o fato de que o Estado era um Estado operário se explica e só pode ser explicado por um motivo: a revolução proletária triunfou, não da mesma forma como triunfou em Petrogrado e Moscou, mas exatamente da mesma forma como triunfou em Tsaritzyn, na Geórgia e em toda a Rússia asiática. Vinte e cinco anos são, para a história, o mesmo que um instante é para a vida de um homem. A luta que foi conduzida por Deniken, Kolchak e Wrangel [generais do Exército Branco] contra o Exército Vermelho de Trotsky foi continuada pelo “super Wrangel”, Hitler, contra o Exército Vermelho de Stalin. A diferença não está na essência do processo, mas na consciência dos participantes: Trotsky era um marxista consistente; Stalin não é.
Sem compreender o marxismo sobre a questão do Estado, a revolução proletária inconsciente é tão inexplicável para a nossa direção quanto a luta de classes inconsciente sempre foi para não-marxistas.
Isso está claramente ilustrado pela análise do CEI sobre a China. Não faz muito tempo, declarou-se que a China também estava “no caminho” para a assimilação estrutural. Com um trocadilho, a forma mais baixa de humor e de política, o Congresso Mundial jogou toda essa bagagem. Mas a China hoje, como os países para-choque e a Iugoslávia ontem, é declarada ser um “poder dual”. Isso não se referia à coexistência de Mao e Chiang (a única verdadeira “dualidade de poderes” que existia na China). O CEI chama o atual Estado chinês de poder dual em razão da forma do “aparato de Estado”, porque há representantes burgueses no seu interior e porque a economia ainda não foi nacionalizada.
Isso é dizer, na verdade, que o Estado em sua totalidade representaria tanto os trabalhadores quanto os burgueses. Um Estado de duas classes. Por que não dizê-lo abertamente? O fato de que o PC chinês lutou até chegar ao poder não teria feito diferença aqui: ele poderia ter sido pacificamente eleito, assim como formações similares foram eleitas em outros países, e a forma do Estado e a presença de políticos burgueses no seu interior, nada seria diferente do que é hoje. Se a China de hoje é um poder dual, então há muito mais dualidade de poderes do que Lenin e Trotsky perceberam.
Com a concepção efetiva de que o Estado chinês seria um Estado de duas classes (ou sem caráter de classe), o CEI espera que a revolução triunfe na China exatamente da mesma forma como o reformismo sempre esperou que a revolução acontecesse: o “governo operário e camponês” de Mao Tsé-Tung (ou os “governos socialistas” [social-democratas ou trabalhistas] de Ebert, Blum, MacDonald ou Attlee, na terminologia reformista) vão expurgar, gradual ou repentinamente, os representantes burgueses do governo, e em um processo inevitavelmente gradual, coletivizar a economia e a sociedade.
Esse é o prognóstico declarado do CEI. Obviamente, o reformismo está prestes a “funcionar” de novo. Quem sabe, talvez os políticos burgueses facilitem o triunfo da revolução burguesa na China ao renunciar de seus postos!
Na minha opinião, a revolução proletária já triunfou na China e esse triunfo é tão definitivo quanto poderia ser, dado o não-marxismo, centrismo e oportunismo da liderança do proletariado e campesinato chinês. Os elementos de dualidade de poderes que existiam no Estado chinês entre 1926-27 foram forçados pelo golpe de Estado de Chiang Kai-Shek a se tornar poderes reais. O lado operário dessa dualidade de poderes não foi inteiramente aniquilado: ele recuou das cidades, marchou pela China e manteve sua existência como Exército Vermelho chinês.
O que a linha de Stalin e Bukharin foi incapaz de alcançar em toda a China – a substituição do governo do Kuomintang por um aparato repressivo proletário – foi alcançado, inconscientemente, e em uma escala muito menor, nas áreas ocupadas pelo Exército Vermelho chinês. O Partido Comunista Chinês se tornou um partido-exército, e o exército tinha o poder em certas áreas geográficas; ou seja, o exército era um Estado. Esse Estado operário inconsciente e renegado existiu no instante histórico representado pelo período entre 1928 e 1945. Seu desenvolvimento foi paralelo à degeneração do Estado russo nesse mesmo período, e ele conduziu o mesmo tipo de guerra contra os japoneses e contra Chiang que Stalin conduziu contra Hitler.
O colapso de Chiang e a incapacidade do proletariado urbano de agir (sem partido, sem ação política) permitiu que esse Estado operário degenerado estendesse seu poder por todo o território continental chinês. A terceira revolução chinesa está, portanto, baseada na continuação da segunda. Nós não aprendemos que o hoje é apenas o ontem de amanhã?
A incapacidade da direção da Quarta Internacional em compreender a revolução proletária inconsciente em seu essencial leninista flui inevitavelmente do fato de que ela revisou o marxismo sobre a questão do Estado.
Mas não é possível parar por aí. Se a história não tem leis, então a participação consciente na história é impossível. Se as leis marxianas estão erradas, se o reformismo está funcionando, então um partido leninista é desnecessário. Qualquer conjunto de trapos e farrapos que obtenha a liderança das massas vai funcionar.
A crise da estratégia leninista torna-se a crise do partido marxista.
Eu acredito, sem ser capaz de provar nesse momento, que o racha na França foi causado pelo fato de que a maioria francesa, disposta a fazer trabalho fracional no PC francês para construir seu próprio partido, não estava disposta a se liquidar no PCF e se orientar por uma revolução francesa no esquema da iugoslava. A linha da maioria francesa, assim como a linha do CEI, não está clara desde os seus documentos; mas é impossível justificar o racha na França meramente pela rapidez com a qual as frações opostas se movimentaram para uma entrada no PC francês.
A tática de entrismo, para ser efetiva, deve ser orientada firmemente para a construção de um partido marxista revolucionário e não para a reforma do PC francês. Tentar enganar as massas francesas a seguir a Quarta Internacional ao dizer que elas estão seguindo a Terceira – ou na Inglaterra a Internacional Dois e Meio – significa a liquidação do marxismo. É uma atividade desnecessária e infrutífera: se a história continuará a ser inconsciente, se a revolução proletária inconsciente é a nossa norma, então não é necessário para nós – os marxistas – fazer absolutamente nada, nem entrar no PC, nem estudar Lenin, nem defender Trotsky ou mesmo escrever documentos.
Mas a participação consciente na história é impossível sem um partido marxista. Ele deve ser não apenas marxista, ou seja, a expressão consciente do processo histórico inconsciente, mas ele também deve ser um partido.
Uma vez que causou feridas profundas na certeza do partido de que o marxismo realmente é a expressão consciente da história, o CEI logicamente está impelido a ir além e começar, na França e na China, a liquidação do partido marxista.
Isso está bastante claro na China. O CEI resolveu: “A Quarta Internacional e os trotskistas chineses darão apoio crítico ao governo de Mao Tsé-Tung”. Sobre o Partido Comunista Chinês, o CEI declarou: “É mais provável que essa liderança [o PC chinês]… vá manter sua unidade aparente.. e conduza, em sua grande maioria, a transformação do PC chinês em um partido centrista de esquerda”. Falando pela posição do CEI sobre a resolução, o camarada Germain [Ernest Mandel] declarou: “Nossos camaradas chineses… serão capazes de superar o pessimismo e o ceticismo apenas tendo uma visão clara sobre as perspectivas da Terceira Revolução Chinesa. Assimilando a análise e as perspectivas da Internacional, eles compreenderão que a fase decisiva, a fase da demonstração do poder proletário, está diante de nós… essa fase não vai desabrochar em oposição ao PC, mas sob sua liderança e aparentemente sob sua iniciativa. Pressionar o PC, suas organizações partidárias, as organizações de massa, e as próprias massas à frente nesse caminho para completar a revolução… essa é a tarefa dos trotskistas chineses nos meses e anos à frente” (minha ênfase).
Como o camarada Jacques, um oposicionista presente na discussão, declarou: “… Nós devemos, junto com o trabalho dentro das organizações stalinistas, continuar a conduzir nosso trabalho independente… Eu sou da opinião de que deveríamos trabalhar para derrubar o governo de Mao enquanto tendo atenção em defendê-lo, ao mesmo tempo, de ataques imperialistas.” (A opinião de Jacques sobre Mao não é importante nesse contexto).
Entretanto, o camarada Germain respondeu: “… Tais palavras são absolutamente irresponsáveis. Tais ideias, apesar de todas as fórmulas restritivas sobre a necessidade de defender Mao contra o imperialismo, são objetivamente, eu devo dizer, ideias contrarrevolucionárias” (minha ênfase).
Aí está. Muito claro e abertamente. O marxismo foi obviamente considerado inadequado na China. A história da China, além do mais, não teria seguido as leis marxianas. O período da demonstração do poder do proletariado vai desabrochar, não sob a bandeira do marxismo, mas sob a liderança do PC chinês. (Eu aposto a minha cópia do “Estado e a Revolução” que o CEI vai se mostrar completamente e inegavelmente errado nesse prognóstico. Eu posso prever uma série de novos trocadilhos vindo. “Desabrochar?”, “Demonstração?”, “Poder proletário?”. O CEI dá apoio crítico, não a uma medida específica, mas a um governo. A melhor que eles podem postular para o PCC é a sua transformação em um partido centrista de esquerda. Entretanto, “trabalhar para” derrubar Mao seria contrarrevolucionário. Os marxistas chineses não deveriam lutar pelo poder: eles deveriam “pressionar” o PC e as massas.
Aí está, camaradas! Uma capitulação clara, atual e descarada ao stalinismo, a mesma política e concepções que são representadas na Inglaterra pelo processo de afundar o partido marxista na ideologia do Bevanismo [referência a Aneurin Bevan, político do Partido Trabalhista] e ao difundir ilusões sobre o Partido Trabalhista Britânico (“um voto no Partido Trabalhista é um voto contra a guerra imperialista e a escravidão salarial capitalista”; “se os conservadores ganharem, a guerra estará mais próxima” etc.).
Aí está. Essa concepção começou com a ideia de que a burocracia soviética era “completamente reacionária”. Essa ideia se transformou lógica e inevitavelmente, na China, na ideia de que o stalinismo é ou pode se tornar “completamente progressivo”. Isso não é surpreendente. As duas concepções não são inteiramente diferentes: “completamente progressivo” é somente “completamente reacionário” virado ao avesso. Não há uma partícula de marxismo em qualquer das duas concepções.
É interessante lembrar, em relação a isso, que o camarada Germain, o relator do CEI, estava disposto, há apenas três anos, a dar apoio “incondicional” a um país capitalista contra a URSS no caso da “completamente reacionária” burocracia soviética tentasse destruir a sua autodeterminação. Nisso ele foi apoiado implicitamente pelo nosso CN e explicitamente pelo camarada Breitman. Hoje, Germain diz que “trabalhar para” a derrubada de Mao é contrarrevolucionário. (Mao e Stalin sem dúvida vão concordar). As políticas de Germain não são duas: são manifestações diferentes dos mesmos erros.
Em Los Angeles, os membros do CN fizeram de mim uma persona non grata contra minha vontade nos últimos três anos com uma acusação constante, desleal e desonesta de que eu sou “pró-stalinista”, “neo stalinista”, “um capitulador do stalinismo” etc. e assim por diante ad nauseaum; Isso porque eu insisti que a burocracia soviética jogava um papel dual, progressivo e reacionário, que era um Estado operário e capaz, em certas circunstâncias, de criar outros Estados operários etc. Tudo isso era “pró-stalinista”.
Agora temos uma verdadeira e inegável capitulação ao stalinismo (ou oportunismo, ou centrismo) do Partido Comunista Chinês, e essa capitulação vem, não de um camarada isolado defendendo o trotskismo, mas do CEI da Quarta Internacional. Obviamente, nossos heróis deveriam aparecer agora. Se eu não ouvir nada dos camaradas Myra e Murry Weiss, Clarke e Kirk [principais representantes da direção do SWP na Califórnia] contra a resolução sobre a China e o relato do CEI, eu serei forçado a concluir que as suas condenações não passaram de calúnias.
Essa é a verdadeira, não imaginária, biografia da liquidação. Por reagirem subjetivamente contra o aparato repressivo de Stalin, eles revisaram o marxismo sobre o Estado. Por revisarem o marxismo sobre o Estado, eles foram incapazes de manter as concepções leninistas sobre a revolução proletária. Por não terem as concepções leninistas sobre a revolução proletária, eles são incapazes de manter ou construir um partido marxista. Essa é a biografia da liquidação.
O CEI está viajando na estrada da liquidação. Seus colaboradores mais próximos, sem dúvida, pressionam mais agressivamente nessa direção. Eles querem trabalhar nos movimentos stalinistas, não para construir o partido marxista fora da periferia stalinista, mas com a concepção de que o stalinismo (ou Bevanismo) pode ser reformado em um partido marxista, ou ao menos em um substituto para este. Eles tem a mesma linha para a burocracia sindical: afinal, se a revolução proletária inconsciente pôde triunfar em outros lugares, por que não aqui também? O que é, portanto, uma possibilidade histórica remota, e também largamente indesejável, transforma-se então num prognóstico e em uma norma. O CEI e seus colaboradores mais próximos nesse país caminham para a extinção.
A oposição a eles é feita, principalmente, por aqueles que negaram, enquanto puderam, a realidade revolucionária da revolução proletária inconsciente. Esse grupo quer manter um partido independente… ao menos neste país. Mas eles apoiaram o CEI contra a maioria francesa. Na Inglaterra, eles apoiam a linha de subordinação a Bevan (com Bevan subordinado a Attlee e Attlee subordinado a Churchill). Para a China, eu considero improvável que esses camaradas se oponham à subordinação dos nossos camaradas ao partido e ao governo de Mao (que é ele próprio subordinado a Stalin). Apesar de tudo isso, eles são raivosos em afirmar a natureza “completamente reacionária” do stalinismo.
Ambos os grupos caminham para a extinção. De um lado, a liquidação do marxismo no stalinismo, titoísmo ou Bevanismo (ou em um partido trabalhista nesse país, possivelmente). Do outro lado, uma seita, incapaz de entender a história do seu tempo, incapaz de manter o marxismo, e sempre à beira da história. Essas são as posições básicas que aparentemente existem na Quarta Internacional e que são responsáveis pela fricção fracional dentro dela.
Eu não acho que nenhum dos grupos no SWP vai desenvolver sua linha até sua conclusão. Nesse sentido, os Estados Unidos também são, obviamente, a terra escolhida do marxismo: não existe movimento stalinista nem qualquer Partido Trabalhista no qual a liderança possa nos dissolver.
Mas essas, de qualquer forma, são as posições principais. O CEI e seus apoiadores caminham rumo à extinção. Eles vão de foguete ou de jatinho. Já os seus opositores, preferem ir de carro de boi. Isso, naturalmente, gera alguma fricção.
* * *
A dificuldade começa com o julgamento não-dialético e idealista da burocracia soviética. Essa burocracia não é apenas reacionária, ela também é progressiva. Um dos equívocos que foi cometido a esse respeito é frívolo, mas revelador. De acordo com Murry Weiss, essa burocracia é completamente reacionária… mas realiza algum serviço progressivo. Da minha parte, como marxista, eu sempre considerei que “progressivo” e “reacionário” como julgamentos dados, de forma materialista, de acordo com o “serviço” realizado, ou seja, pelas conexões e interconexões no mundo real. Se a burocracia realiza algum serviço progressivo, então como é possível considerá-la “completamente reacionária”? Reacionária? Sim. E com base no trabalho que ela realiza. Completamente reacionária? Não!
O julgamento de Murry claramente não foi construído com base no trabalho da burocracia, seu papel no mundo real. Além do mundo real, há apenas os vários espirituais. Murry definiu a burocracia como “completamente reacionária” com base, não no nosso mundo real, mas de um ponto de vista derivado de algum outro lugar, um mundo muito similar ao de Grace Carlson? [proeminente militante do SWP que deixou o partido em 1952 por conflitar com suas crenças no catolicismo].
Murry concordaria que a burocracia soviética realiza um trabalho “reacionário”. E como! Já que ela também realiza algum trabalho progressivo, nós a definiremos, com base no papel que ela cumpre, como progressiva e reacionária. A burocracia soviética, portanto, desempenha um papel duplo e esse papel é progressivo e reacionário.
Esse papel duplo da burocracia soviética não deriva das suas intenções ou ideias, mas do que ela é. As suas ideias e intenções é que derivam disso. O que ela é então? A burocracia soviética é o aparato repressivo que existe na União Soviética. É a única máquina de supressão que existe na Rússia. A burocracia soviética, portanto, é o Estado na Rússia. Ela é uma extensão desse Estado, daquele aparato repressivo que foi estabelecido pela Revolução de Outubro como o novo Estado na União Soviética. É o mesmo Estado neste aspecto: é um aparato repressivo proletário; mas, ao mesmo tempo, é de um tipo vastamente diferente: o atual Estado soviético não é marxista. Um Estado pode involuir de marxista para centrista ou oportunista; ele só pode passar de proletário para burguês por meio de uma contrarrevolução.
A burocracia soviética é um aparato repressivo degenerado (não-marxista e antimarxista). Seu caráter proletário está estabelecido pelo critério de Trotsky: a natureza de classe do Estado está determinada basicamente por sua relação com as formas de propriedade nos meios de produção principais. A relação que o Estado de Stalin tem com a propriedade estatal é evidente: o aparato repressivo que existe na Rússia defende e mesmo estende a propriedade estatal, e essa relação identifica o Estado de Stalin, a burocracia, como um Estado operário.
O não-marxismo desse Estado não é um acidente. Ele não deriva das “más intenções” de Stalin e seu bando. Nos últimos escritos do camarada Trotsky, uma biografia de Stalin, ele declara que se Stalin soubesse em 1925 onde seu rumo o levaria, ele teria indubitavelmente voltado atrás. Hoje, dizia Trotsky, Stalin acredita de maneira geral que suas ações são necessárias para fortalecer o Estado soviético e assim construir o socialismo em um só país.
O problema da degeneração do Estado soviético não pode ser resolvido no reino da demonologia. De forma alguma.
O papel duplo que a burocracia soviética desempenha é simplesmente a manifestação, na Rússia, de um papel duplo que qualquer Estado operário, em qualquer lugar, terá de desempenhar. O Estado operário estabelece e defende a coletivização da indústria, a forma de propriedade inescapável para a transição ao socialismo. Mas não existe nenhum país no mundo hoje que possa produzir o suficiente para que a escassez de todo tipo possa ser eliminada (as garantias do camarada Wright no The Militant [jornal do SWP] de que a URSS não é uma economia de escassez são ridículas). Mas a abundância é uma precondição necessária para o socialismo. O Estado operário, portanto, tem a função adicional de expandir a produção.
A produção só pode ser expandida suficientemente fazendo crescer as forças produtivas. Esse “trabalho morto”, novas forças produtivas, só pode ser obtido do trabalho vivo. Os trabalhadores devem ser levados a trabalhar mais, e devem ser impedidos de consumir tudo o que produzem. Em adição a isso, cientistas, técnicos, engenheiros etc. treinados principalmente pelo capitalismo (ou em um mundo em que o capitalismo predomina) devem ser ganhos para servir ao Estado operário.
Para atingir esse objetivo, o Estado operário tem que recorrer aos métodos consagrados do capitalismo. A força de trabalho é paga, não necessariamente por seu valor, mas em proporção ao seu valor. Os altamente qualificados e altamente produtivos recebem recompensas maiores do que os não-qualificados e não-produtivos. Quem não trabalha, não come. Quem trabalhar bem, viverá bem. Manter essencialmente as normas burguesas de distribuição é uma função odiosa, mas inescapável do Estado operário.
Privilégios no consumo não tem sentido a menos que sejam garantidos. A minoria de qualificados e produtivos deve ter seus privilégios no consumo protegidos. E por quem? Pelo Estado operário. Desde seus primeiros dias, o Estado operário tem a função: (1) de defender e expandir a propriedade estatal, e (2) defender uma minoria privilegiada no consumo contra a maioria da nação.
Essa função inevitável do Estado operário é a causa básica para a degeneração do Estado soviético em condições de isolamento e atraso. (Nesse ponto, eu chamo os camaradas a estudarem os dois capítulos de A REVOLUÇÃO TRAÍDA, “Socialismo e o Estado” e “O Termidor Soviético”. Esses capítulos seriam excelentes artigos para a Quarta Internacional).
Na URSS, a forma democrática, soviética, de Estado operário entrou em conflito com uma das funções do Estado. A defesa dos privilegiados no consumo é obviamente uma tarefa que não pode ser realizada democraticamente: a maioria não poderia, durante um período longo, manter os privilégios de uma minoria. A democracia foi substituída pelo burocratismo, ou seja, coação em nome de uma minoria.
Ao mesmo tempo, e pela mesma razão, o marxismo foi destruído como política e concepções dos burocratas de Estado. Foi um desenvolvimento inevitável dada a derrota da revolução internacional. Foi inevitável porque mesmo os marxistas mais determinados e completos não podem pensar de forma marxista e agir de forma burocrática por um longo período de tempo; e a defesa das normas burguesas de distribuição é uma função essencialmente burocrática. Um Estado operário dirigido por Murry Weiss, George Clarke (ou Dennis Vern) iria inegavelmente ser algo maravilhoso; mas também esse Estado desempenharia uma função dupla, e uma dessas funções é uma função burocrática e eu apostaria que, pelo menos dois ou três de nós, durante um desenvolvimento longo, generalizariam nossa função burocrática em uma revisão do marxismo.
Essa revisão do marxismo provavelmente não se tornaria, em circunstâncias favoráveis, a coisa monstruosa que a URSS se tornou. Mas isso aconteceria.
A burocracia de um Estado operário desempenha uma dupla função. Uma de suas funções, a realização e manutenção da propriedade estatal, pode ser realizada de forma marxista pelos métodos da luta de classes (Rússia 1918-1919) ou de forma stalinista, burocraticamente (Rússia 1930-33 e países para-choque 1943-50); mas a outra função do Estado operário, a defesa das normas burguesas de distribuição, só pode ser realizada burocraticamente. (Essa análise não é alegre e nem trágica; ela simplesmente chama as coisas pelos seus nomes e assim compreende).
A falha em entender o Estado, com sua consequente incapacidade de entender o Estado operário, está na base das duas concepções idealistas da burocracia soviética e do stalinismo: que é “completamente reacionário” ou pode se tornar “completamente progressivo”. O método é idêntico. Cada um toma um aspecto do Estado operário, infla-o além de suas proporções e então contrapõe essa concepção inflada ao verdadeiro Estado.
Na estranha e curiosa “dialética” de Myra Weiss (na verdade ecletismo), a burocracia soviética é o “antípoda” do proletariado e, portanto, reacionária, mesmo completamente. Que qualquer Estado operário em qualquer lugar teria esse aspecto, em maior ou menor escala, nunca ocorreu a essa camarada. Mas outros camaradas tomaram outro aspecto do Estado russo, sua defesa da propriedade estatal. Claramente a burocracia é o antípoda da burguesia e, portanto, “progressiva”, se não completamente, ao menos perto o suficiente disso para não fazer diferença.
Ambas posições estão formalmente corretas. Mas defendidas isoladamente, elas constituem meias-verdades e uma meia-verdade é frequentemente mais perigosa do que uma mentira. A burocracia soviética, ou os burocratas de Estado em qualquer Estado operário, estão contrapostos ambos à burguesia e ao proletariado. Se vencido pela burguesia em uma contrarrevolução, o Estado operário é derrubado; vencido pelos trabalhadores na transição para o socialismo, o Estado operário desvanece.
Nossos camaradas notaram, no período de 1923 a 1941, como o Estado soviético, generalizando sua função burguesa, desenvolveu mais e mais em antagonismo com o proletariado. Ah rá!, nós dissemos, um agente óbvio do imperialismo! Isso era verdade. Mas ao se concentrar nesse papel da burocracia, perdemos de vista o fato de que a burocracia desempenha outro papel. Os erros que todos nós cometemos em relação às revoluções iugoslava e chinesa, em relação à evolução dos países para-choque e em relação à natureza de uma Terceira Guerra Mundial são todos rastreáveis ao fato de que consideramos a burocracia soviética de forma não-dialética, fora de contato com o mundo real; nos concentramos em um aspecto do papel da burocracia e não pudemos entender a história quando a burocracia estava cumprindo seu outro papel.
Essa posição foi responsável pela crença, tão difundida no começo da discussão sobre a zona para-choque: “O stalinismo não pode criar Estados operários”; “Se o stalinismo pode criar Estados operários, qual é a necessidade da Quarta Internacional?” etc.
Uma ampla seção do partido, uma maioria talvez, ainda defende esse absurdo. Eles se apegam a isso apesar do fato de que essas concepções contradizem especificamente a linha do Terceiro Congresso em relação aos países para-choque e à China, onde considera-se que o stalinismo criou, ou está em processo de criar, Estados operários.
Eu acredito que essa contradição é responsável pelo completo silêncio mantido pela maioria da liderança do SWP pelos últimos três anos. Cada prognóstico que eles fizeram sobre os países para-choque, Iugoslávia e China foi completamente aniquilado pela história. Em vez de reconhecer seus erros, rastreando-os até a sua raiz, como marxistas, e dessa forma aprendendo com eles (e ganhando o respeito do partido nesse processo), a liderança preferiu manter um silêncio confortável mas traiçoeiro, quebrado apenas com anátemas: “capitulador ao stalinismo!” (O senador McCarthy conseguiu mais do que pensava).
Eu sei, e outros também, que a posição trotskista (rotulada de posição Vern) não pode ser refutada sem que se fuja clara e obviamente do marxismo. Se alguém acha que essa análise pode ser refutada, seria apropriado tomar papel e caneta e refutá-la.
Em vez de uma correção honesta e objetiva dos erros cometidos e propagados, nós temos, de um lado, um silêncio cadavérico (e eu espero que isso seja uma figura de linguagem). Mas do outro lado, temos camaradas que sabem que a burocracia não está desempenhando o papel de agente do imperialismo como seu papel principal no tempo presente. Eles sabem que essa burocracia e o stalinismo não são “completamente” reacionários: só um avestruz poderia continuar a afirmar isso. Esses camaradas rejeitaram essa fobia. Eles acreditam que essa análise poderia esclarecer o mundo e não confundi-lo. Eles acreditam, aparentemente, na razão e não na fé. E eles defendem que a teoria é um guia para a ação. Todos traços muito bons.
Mas alguns deles – certamente o CEI e provavelmente os colaboradores mais próximos do CEI neste país – não reagiram como um radar, mas como um pêndulo. Eles se afastaram do conceito de que o stalinismo é “completamente reacionário” e balançaram para o conceito de que o stalinismo pode se tornar “completamente progressivo”. Onde antes nós perdemos o equilíbrio ao nos concentrarmos exclusivamente sobre o papel burguês da burocracia, esses camaradas correm o risco de erros tão sérios ou ainda mais sérios, ao se concentrarem apenas no papel proletário da burocracia. A burocracia soviética e o stalinismo estariam agora contra o imperialismo e a burguesia mundial. Ah rá!, dizem eles, claramente um agente do proletariado.
Ambas as posições são pequeno-burguesas em sua metodologia básica: um aspecto da análise marxiana é tomado de forma idealista, expandido a um nível não encontrado no mundo real, e então contraposto ao marxismo como um todo. É um velho e familiar procedimento, ainda mais perigoso porque cada posição é composta de uma meia-verdade que pode se disfarçar, diante do incauto, como verdade.
Alguns camaradas nunca vão entender a declaração de Marx de que tudo que vive merece perecer. O Estado operário é algo muito importante. Mas não é a única coisa importante no mundo, e tampouco a mais importante. Um Estado operário é o fim da nossa luta em um dado momento apenas para se transformar, em outro momento, no seu meio. Mas não é o único meio necessário para a transição socialista. O Estado, por sua própria natureza, é um meio de uso da força ou para ameaçar usá-la. Isso, por vezes e em determinadas circunstâncias, pode desempenhar um papel muito importante na história. Mas em longo prazo, a força por si só não é decisiva.
Nós devemos entender, não apenas que a burocracia soviética não é “completamente reacionária”, mas que nenhum Estado operário em qualquer lugar pode ser “completamente progressivo”. Uma organização coercitiva (um Estado) é inferior, em importância histórica, a uma organização de ciência e de consciência (o partido). Onde um Estado operário deve inevitavelmente generalizar seu papel duplo em uma outra doutrina não-marxista (centrismo), o partido marxista pode manter a necessária distinção entre o princípio e a necessidade, basear-se firmemente nos interesses históricos das massas e assim assegurar a continuidade da ciência e da consciência.
A transição ao socialismo na China, Rússia, nos países para-choque, na Iugoslávia e outros do mesmo tipo, terão como sua dinâmica básica, sem a menor dúvida, a luta entre o partido marxista e o Estado operário. É por isso que a política do CEI para a China é tão – temos de dizê-lo – criminosa. Dar ao governo de Mao defesa material em uma luta contra o imperialismo é uma obrigação elementar dos trotskistas chineses. Dar apoio político a certas medidas específicas do governo do PC chinês é, igualmente, necessário. Mas um partido que dá apoio crítico a um governo ou partido não-marxista está simplesmente se desculpando por sua própria existência (e dando um largo passo para a inexistência).
É certamente possível que o governo de Mao execute um giro à esquerda e complete a expropriação da burguesia. Isso é possível, mas não é garantido. Mas, assumindo esse “melhor” cenário como variante, como o governo de Mao e o PCC vão realizar essa expropriação? De forma marxista, organizada para levantar e reforçar consciência dos trabalhadores chineses? Pensar isso é basicamente não compreender a natureza do Estado de Mao, um Estado operário degenerado, oposto por sua natureza não apenas à burguesia, mas também às massas.
Uma analogia histórica se impõe: a URSS no período imediatamente após a NEP era muito similar à China no presente momento. Elementos burgueses extensos se hospedaram no aparato de Estado da URSS. A burguesia tinha considerável poder econômico. Os fazendeiros capitalistas desempenhavam um importante papel na agricultura. E o Partido Comunista russo, consideravelmente mais próximo do marxismo do que está o partido chinês, era, entretanto, controlado pela panelinha centrista de Stalin.
Nessas circunstâncias, Stalin realizou o que o camarada Trotsky se referiu como uma revolução suplementar. O Estado operário sobreviveu. Mas o marxismo na Rússia recebeu golpes dos quais ele nunca se recuperou: um grande número de quadros da Oposição de Esquerda se reconciliou com o stalinismo e foram eventualmente destruídos como marxistas revolucionários.
A linha do CEI, em circunstâncias muito similares, é a linha, não de Trotsky, mas de Radek e outros “capituladores”. Enquanto Trotsky considerava que a luta contra o centrismo dominante era a mais importante tarefa para um marxista, Radek e os capituladores consideravam que o que estava sendo feito era mais importante do que como estava sendo feito, por quem e por que motivos; deram seu apoio a Stalin, criticamente, é claro, abandonaram a luta para manter a Oposição de Esquerda, e terminaram em um ala prisional sob a “Justiça” de Vishinsky. (Certa vez o camarada Wright produziu, no contexto errado, algumas citações sobre esse assunto; talvez ele pudesse republicá-las agora quando elas são apropriadas).
O governo de Mao vai conduzir uma luta contra um ataque imperialista ou contra a contrarrevolução interna. Stalin também lutou contra Hitler. Defender o Estado de Mao contra o ataque imperialista, lutar sob o comando do governo de Mao (até ser capaz de substituí-lo) é inquestionavelmente o dever dos trotskistas chineses. Mas Mao vai depender quase exclusivamente de meios militares. As únicas medidas políticas que ele pode tomar são as medidas apropriadas para um partido centrista de esquerda, hesitante, indeciso, burocrático. Nós temos, ou deveríamos ter, muito pouco em comum com tais medidas.
A chave para essa situação está em perceber que qualquer “trabalho” para o marxismo é também um trabalho para a eventual derrubada de Mao. Mao provavelmente entende isso muito melhor do que o camarada Germain. Não se pode instruir as massas chinesas, ou participar efetivamente com elas, sem afirmar os fundamentos do marxismo. Deve-se inevitavelmente contrapor “classes” a “intelectuais”; uma sociedade transicional ou o socialismo à “Nova Democracia”; democracia soviética ao burocratismo. Em resumo, contrapor o trotskismo à versão stalinista ou maoista do socialismo pequeno-burguês. Isso tudo leva, não importa quão cuidadosamente se observe a “linguagem”, a um conflito e controvérsia com o governo de Mao e o PC chinês.
O PC chinês não será reformado em um partido marxista. O marxismo vai se desenvolver na China, não lado a lado com o PC chinês, ou em apoio crítico ao governo de Mao, mas em luta contra o PC e seu governo. O PC chinês é o partido do governo; o Estado que ele dirige desempenha um papel duplo; e uma de suas funções só pode ser realizada burocraticamente. Como pode este Estado ser marxista? Se o Estado controla o partido, como o partido pode ser marxista?
Ou será que de forma alguma essa é a proposta do CEI? Pois bem, mas a construção de um partido marxista na China vai inevitavelmente colidir com o governo do PCC. E então? Em longo prazo, e esse longo prazo pode ser relativamente curto, os trotskistas chineses só poderão construir o marxismo preparando a substituição do governo de Mao. Rotular o trabalho para essa substituição de “contrarrevolução” equivale a atar pés e mãos dos camaradas chineses por anos. Os trotskistas na China devem contrapor o marxismo ao socialismo pequeno-burguês. Eles devem contrapor, não necessariamente de uma forma suicida, o partido marxista ao PC e ao governo. A forma dessa luta – existência clandestina, guerra civil ou luta entre partidos soviéticos – não cabe a nós decidir.
Na minha opinião, as únicas concepções que podem manter os marxistas chineses nos trilhos são a defesa contra o imperialismo e a revolução política contra o governo de Mao.
Nós não somos o partido do governo. Nós somos o partido da oposição irreconciliável, mesmo na URSS, China, nos países para-choque da Europa Oriental e na Iugoslávia. Nós realizamos nossas tarefas, não por meio de Estados operários não-marxistas, mas exclusivamente pela instrução das massas, por meio da sua luta, explicando a elas o que elas devem defender e o que devem derrotar. Para fazer isso, nosso instrumento não é um Estado não-marxista, mas o partido marxista. Quando nossas ideias forem vitoriosas, tomaremos a responsabilidade e a liderança.
Tal política não trará resultados miraculosos imediatos. Mas nós não fingimos ser, eu espero, obreiros milagrosos. Mas essa política trará resultados. Em longo prazo, é a única política que os trará.
* * *
Eu considero que o que foi dito acima constitui, não apenas as perguntas básicas, mas as respostas marxistas para a situação política do nosso tempo. Se houver uma luta fracional no SWP, eu acredito firmemente que essa questão básica sobre a solidez histórica, não da Quarta Internacional, mas do marxismo de forma geral, seja a sua causa de fundo.
Solidez histórica não é algo com que nós nascemos, camaradas, como uma marca de nascença, mas algo que se desenvolve, como músculos. Uma solidez histórica limitada, sem dúvida, se prende às formações stalinistas que lideraram a revolução proletária inconsciente. Mas a revolução não tem que ser inconsciente. Ela não quer ser. A revolução proletária consciente é impossível a não ser que compreendamos e apliquemos as leis da história. Isso é marxismo.
Embora a história avance, solidez histórica definitiva não existe separada da ciência marxiana. As massas do mundo buscarão e alcançarão plena consciência, ou seja, o marxismo. Elas a adquirirão apenas por meio do partido. Nesse sentido, o partido (marxista) internacional será a raça humana. Isso será solidez o suficiente para qualquer um.
Dennis Vern
26 de fevereiro de 1953
Los Angeles
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Uma carta sobre a revolução boliviana, junho de 1952
A Colaboração de Classes Ganha um Recruta, agosto de 1953
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