A teoria organizativa revolucionária
Em defesa do leninismo
Por Marcio Torres – Março de 2010, pelo extinto Coletivo Lenin
Todos os textos e panfletos do Coletivo Lenin apontam para a construção de um “Partido Revolucionário dos trabalhadores” e para a refundação da IV Internacional. Pois bem, o objetivo deste artigo é dar continuidade ao debate programático iniciado na primeira edição da revista Revolução Permanente, que focou no programa dos diversos grupos da esquerda brasileira, ou seja, o Governo Democrático e Popular. Nesse sentido, faremos uma visita ao passado para explicar o que entendemos por um partido revolucionário e porque defendemos a necessidade de uma organização internacional, o que está diretamente ligado à defesa do leninismo como a corrente revolucionária que se contrapôs à falência da social democracia e da II Internacional.
Partido e revolução
Apesar de o próprio Marx ter defendido a importância de organizações que atuassem no seio da classe trabalhadora com programas revolucionários, como fica claro no Manifesto do Partido Comunista (programa da Liga dos Comunistas) e posteriormente na sua participação na Associação Internacional dos Trabalhadores – a I Internacional –, é apenas em 1903 que toma forma um debate de extrema importância para a revolução: a consciência da classe trabalhadora.
No II Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), Vladimir Lenin polemiza com a concepção chamada “economicista” de um amplo setor do partido. Segundo esse setor, bastava impulsionar as lutas econômicas (ou seja, por salários, melhores condições de trabalho, etc.) que a classe trabalhadora desenvolveria a consciência revolucionária que a ela cabe no sistema de produção capitalista.
Diferente de tal setor, Lenin compreendeu a diferença dos termos “classe em si” e “classe para si” esboçada por Marx n’O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Para Marx, não necessariamente um grupo dentro da sociedade, tido como uma classe devido à divisão do trabalho imposta pelo modo de produção (uma classe em si) possui uma consciência do antagonismo existente entre ele e os demais grupos, ou seja, uma consciência de classe (o que o tornaria uma classe para si). Assim, a partir dessa compreensão, Lenin defendeu que o partido que luta pela revolução socialista não deve se limitar às demandas econômicas, mas sim disputar a consciência da classe trabalhadora através de uma intervenção metódica e permanente nos espaços de debate e militância. Resumindo: a consciência revolucionária não é algo que existe per se, mas sim que deve ser construído ao longo do tempo, vindo portando “de fora”.
Para possibilitar essa disputa ideológica, ele defendeu a necessidade de um partido centralizado, dirigido por quadros teóricos e que não se limitasse às demandas do movimento sindical. Segundo sua concepção, apenas uma organização que reunisse o melhor da vanguarda e cujos militantes agissem como “um homem só”, ou seja, defendendo metodicamente as mesmas bandeiras revolucionárias nos espaços públicos, seria capaz de disputar com a classe dominante a consciência do proletariado. Um partido descentralizado, com diversas correntes radicalmente diferentes se digladiado, sem independência financeira, com um programa frouxo e sem um corpo sólido de quadros e militantes profissionais jamais será capaz de disputar com a burguesia e todo o seu aparato de propaganda e repressão a consciência dos trabalhadores.
É dessa polêmica à cerca das tarefas do partido e de sua organização que surgiu a fração bolchevique do POSDR, a fração majoritária dirigida por Lenin e que funcionava através do centralismo democrático. Centralismo democrático foi o nome dado ao modus operandi segundo o qual todos os militantes devem ser centralizados a partir do que a maioria do partido decide, assim, a organização possui um monopólio político sobre o militante. Tal centralismo, porém, deve funcionar juntamente a um regime de ampla democracia interna, de outra forma, a organização se tornará uma seita burocratizada na qual apenas a direção delibera e formula as políticas. Essa democracia se dá pela existência de organismos internos, tanto de base quanto de direção, nos quais o debate é amplamente estimulado e há a possibilidade de se convocar frações e tendências a qualquer momento para disputar a linha política da organização ou até mesmo substituir sua direção através de um Congresso (desde que se submetendo publicamente às posições da maioria). Todos os cargos são eleitos e, se o organismo achar necessário, tem plena liberdade para destituir um militante do cargo que ele ocupa.
Foi baseado nesses conceitos que surgiu o partido bolchevique, aquele que dirigiu a classe trabalhadora através de um processo revolucionário do qual surgiu o primeiro Estado operário, a União Soviética. Além da defesa de uma organização revolucionária centralizada, Lenin também defendeu a fundação de uma nova internacional, visto que em 1914 a II Internacional degenerou em uma organização “social-nacionalista”, onde cada partido nacional defendeu sua burguesia na Primeira Guerra Mundial. A III Internacional, o Partido Mundial da Revolução Socialista, surgiu em 1919 como uma expressão internacional do leninismo, funcionando nos mesmos moldes do partido bolchevique (Partido Comunista da União Soviética – PCUS). Foi a III Internacional que dirigiu durante muito tempo a vanguarda revolucionária de diversos países, visando a construção do socialismo a nível internacional, a única maneira em que ele pode realmente existir.
Durante todo esse processo de constituição de um partido e de uma organização internacional voltados para a revolução socialista, para a derrubada do Estado burguês e a tomada do poder pelo proletariado, esteve ao lado de Lenin o revolucionário Leon Trotsky, que após o primeiro ter adoecido e se afastado da direção do PCUS, combateu ferozmente a degeneração stalinista.
Trotskismo e IV Internacional
Desde o momento em que Lenin ficou incapacitado de dirigir o partido, Joseph Stalin iniciou uma disputa programática contra Trotsky que se expressou de forma mais evidente na criação da Oposição de Esquerda. Liderando essa oposição, Trotsky visou combater a política stalinista de “socialismo em um só país”, que rompia com o internacionalismo e ressuscitava erros que há muito tempo o marxismo havia superado. Foi tal política que levou à degeneração e burocratização da URSS. Porém, a aliança de Stalin com a direita do PCUS, representada por Bukhárin e sua política de “socialismo a passos de tartaruga”, baseada na aliança com os grandes proprietários rurais (kulaks) levou a um sufocamento cada vez maior da Oposição. A situação piorou ainda mais quando Lenin morreu em 1924. Diversos dirigentes da Oposição foram expulsos do partido e forçados a se exilar para não serem assassinados pela polícia política stalinista, a GPU. Com Trotsky e seus aliados exilados, a Oposição foi dissolvida, ainda mais quando diversos militantes “trotskistas” foram mandados para os campos de concentração (gulags).
Tem início então um processo de estruturação da oposição a nível internacional, visando a disputa da III Internacional (então dirigida por Bukhárin). Em diversos países, militantes expulsos dos PCs se organizam como frações externas e visam disputar, mesmo que de fora, a política dos partidos e a consciência de seus militantes. Porém, com a inação da Internacional frente ao avanço do fascismo, através da recusa de formar uma frente-única com as organizações social-democratas (por considerá-las “agentes do fascismo dentro da classe trabalhadora”), leva os trotskistas a declararem a falência do Komintern e iniciarem a construção do que viria a ser a IV Internacional. Essa seria uma nova organização que, contrapondo-se ao menchevismo stalinista, fosse capaz de dar continuidade ao programa revolucionário do marxismo.
Apesar da sua enorme fragilidade, a IV cumpriu um importante papel de combate ao stalinismo e de defesa da revolução, como demonstramos nos textos sobre as revoluções políticas lideradas por sessões nacionais desta organização. Infelizmente para nós revolucionários, após a morte de Trotsky pelas mãos de um agente de Stalin, iniciou-se uma série de debates liquidacionistas dentro da IV que levaram à sua dissolução e fragmentação. O principal responsável por tal ocorrido foi o dirigente grego Michel Pablo, com sua teoria do entrismo sui generis, posteriormente adaptada para a realidade da América Latina por Nahuel Moreno, o “camaleão argentino”, entre muitos outros.
A continuidade do programa revolucionário nos dias de hoje
Pelo balanço das cisões que ocorreram no seio do marxismo, primeiro com a degeneração da social-demcoracia e posteriormente com a capitulação de Stalin ao programa menchevique, defendemos o trotskismo como o que há de mais atual em termos de programa revolucionário, ou seja, entendemos o trotskismo como a continuidade (melhorada através de novas teorias e práticas) do programa que teve origem em Karl Marx e Friedrich Engels.
Mais especificamente, defendemos o espertaquismo como a única tendência dentro do trotskismo que não capitulou ao anti-leninismo resultante da contra-revolução nos Estados operários do Leste Europeu. Por isso, encaramos a Tendência Bolchevique Internacional (IBT) como depositária do programa revolucionário nos dias de hoje [1] e defendemos a refundação da IV Internacional a partir de processos de fusão e ruptura que tenham a tenham como núcleo.
Para finalizar, não reconhecemos nenhuma organização da esquerda brasileira como sendo genuinamente revolucionária, apesar de valorizarmos experiências passadas como a LCI (década de ’30), a POLOP (década de ’60) e a OSI (meados dos anos ’80). Daí defendemos que a maior tarefa do Coletivo Lenin, na conjuntura reacionária aberta com o fim da URSS, seja acumular forças e cristalizar uma vanguarda comunista dentro do movimento de massas nacional, para impulsionar a fundação de um Partido Revolucionário de trabalhadores, capaz de dirigir o proletariado rumo à revolução socialista.
Construir o PRT para avançar na refundação do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional!
[1] Em dezembro de 2010, após 2 anos de discussões com a IBT (além dos 3 anos de discussões entre esta e o antigo CCI, que deu origem ao CL), rompemos relações com tal organização por entender que ela consistia em uma seita burocratizada, cujo elo entre seus burocratas e militantes de base é a defesa dogmática de um programa que hoje está correto, mas amanhã pode ser alterado de acordo com as necessidades de seus dirigentes de manter o poder e controle da organização (assim como veio a acontecer com a Liga Espartaquista, da qual a IBT rachou nos anos ’80). Para mais detalhes, confira Coletivo Lenin rompe relações com Tendência Bolchevique Internacional (IBT), de dezembro de 2010 (disponível em nosso site).