A Frente Comunista dos Trabalhadores: um ótimo exemplo de como NÃO se deve construir um partido
Pedro Abreu, setembro de 2015
Recentemente, diversas pequenas correntes pretensamente revolucionárias da esquerda brasileira se uniram, depois de formar um “Comitê Paritário”, numa organização chamada Frente Comunista dos Trabalhadores (FCT). São elas a Liga Comunista, o blog Espaço Marxista, a Tendência Revolucionária (corrente interna do PSOL), o Coletivo Socialistas Livres [*]e os nossos velhos conhecidos do Coletivo Lenin [1]. A base política dessa unidade é expressa por seus membros mais ou menos da seguinte forma:
1) No segundo turno das eleições presidenciais defendemos o voto em Dilma para derrotar Aécio e a direita golpista, manipulados pelo imperialismo, e fizemos a crítica ao voto nulo sectário da esquerda (PSTU, PCO, PSOL, PCB, etc.). O voto na candidatura de Dilma no segundo turno não implicou em qualquer acordo com o programa burguês desta candidatura, nem qualquer apaziguamento de nosso combate contra seu governo neoliberal. O giro à direita no governo Dilma, produto da pressão golpista, já havia sido previsto por nós ainda durante a campanha. Nossa defesa heterodoxa do voto em Dilma segue a nossa política geral de combate ao golpismo pró-imperialista e se inspira na política dos bolcheviques de “apoiar a burguesia contra o tzarismo (na segunda fase das eleições ou nos empates eleitorais, por exemplo) e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário burguês, os ‘socialistas revolucionários’, que eram denunciados como democratas pequeno-burgueses que falsamente se apresentavam como socialistas.” (Lenin, “Nenhum Compromisso?” em Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, 1920).
2) A atual articulação golpista no Brasil é movida diretamente pelo imperialismo, no Brasil, como na Venezuela e Argentina, a exemplo dos golpes já impostos em outros países da América Latina, como Honduras e Paraguai). As experiências recentes “bem-sucedidas” ou parciais na Líbia, Síria, Ucrânia, demonstram que o imperialismo não se furta de recorrer ao armamento de mercenários, bandos fascistas e massacres sangrentos para impor seus objetivos. Trata-se de um contra-ataque para recuperar o terreno perdido após a crise de 2008 para o bloco capitalista Eurásico, nucleado a partir da expansão comercial da China e da Rússia. Trata-se de uma nova guerra fria que atravessa todos os atuais conflitos de envergaduras mundiais, como a reorientação da tática dos EUA em relação a Cuba, tentando simultaneamente cooptar a burocracia dirigente do Estado operário com o fim do bloqueio e acelerar a restauração capitalista.
3) Mesmo que a primeiro momento o Golpe de Estado não se apresente na forma de um golpe militar, mas como um “golpe parlamentar”, um impeachment articulado entre o Legislativo e o Judiciário para estrangular uma Dilma cada vez mais isolada, qualquer que seja sua forma inicial, o resultado do processo será de maior repressão militar e policial contra a esquerda em geral e a população trabalhadora e oprimida nacional, para derrotar qualquer foco de resistência à recolonização imperialista do Brasil.
Socialistas Livres ingressam no CP, 22 de março de 2015.
http://lcligacomunista.blogspot.com.br/2015/03/socialistas-livres-ingressam-no-cp.html
A FCT adotou o jornal que até então era da Liga Comunista – a Folha do Trabalhador. No entanto, os grupos mantiveram suas páginas na internet e publicações próprias. Nós do Reagrupamento Revolucionário não concordamos nem com a plataforma de união dessa nova organização e tampouco com o método usado para impulsionar tal unidade. Ambos oferecem um exemplo de como não proceder na luta pela construção de um partido revolucionário.
Uma “unidade” enganosa
Não é preciso ser nenhum grande observador para perceber que a esquerda mundial, em especial a que se reivindica revolucionária, está atomizada e isolada, com diversas pequenas organizações envoltas em polêmicas intermináveis, muitas com desonestidade e burocratismo. Nós do RR também reconhecemos esse cenário (e a necessidade de sair dele). Mas de qual forma? Para contribuir com o ressurgimento de uma organização revolucionária internacional em meio a muitas variantes oportunistas e centristas, é necessário defender intransigentemente um programa revolucionário coerente. Estamos de acordo com a tradição política do marxismo revolucionário que luta para construir o partido através da hegemonia do programa revolucionário na vanguarda, disputando-a politicamente com o revisionismo. Não desejamos uma “unidade” que esconda diferenças programáticas importantes, acordos que isentam de críticas os “aliados” reais ou desejados. O isolamento não é nenhuma virtude, mas tampouco o é uma “unidade” artificial, que é só o que esses métodos podem produzir.
O método empregado na construção da FCT não é novo. Já existiram inúmeros casos de organizações que se agruparam em torno de programas de “menor denominador comum” e invariavelmente esses blocos terminaram em fracasso [2]. Existem diversas táticas para a construção do partido, mas elas não devem nunca envolver negociações de programa ou se basear em alguns poucos pontos de conjuntura, que nada revelam do método e das perspectivas dos distintos grupos. Todas as organizações que compõem a FCT apresentam uma série de divergências. Vamos mencionar apenas algumas mais aparentes e graves, que mostram que não foi feito qualquer esforço de chegar a um acordo político mais profundo sobre importantes questões políticas.
A Tendência Revolucionária/PSOL foi (com razão) contrária ao voto em Dilma Rousseff no segundo turno [3], posição oposta à dos demais grupos da FCT. Isso não configuraria um “voto nulo sectário da esquerda” (conforme afirmou o Coletivo Socialistas Livres)? O Coletivo Socialistas Livres, diferentemente dos outros grupos da FCT, não defende o centralismo democrático [4]. Portanto, sequer existe um acordo sobre qual deve ser o formato da “organização”. O blog Espaço Marxista fala dos “esforços (antigos!) dos EUA no sentido de fazer soçobrar a Revolução Bolivariana” [5], mas essa “revolução” não é reconhecida pela Folha do Trabalhador e rejeitada pelos companheiros do Coletivo Lenin. Por meio dessa posição, seria possível deduzir que a FCT aposta tanto em uma revolução socialista contra o Estado burguês quanto na possibilidade de uma estratégia “bolivariana”. O Coletivo Lenin afirma ser contra a reivindicação de “melhores condições” para os policiais militares e civis, mas o Coletivo Socialistas Livres defende melhorias para os agentes armados do Estado burguês [6].
Como uma organização construída com base em tantas diferenças pode intervir com coesão nas lutas de classes? Por enquanto, o método da FCT tem sido o de colocar as divergências para debaixo do tapete. A FCT se reivindica enquanto uma “organização com tendências”. Mas obviamente não se tratam de tendências temporárias surgidas de divergências conjunturais. As “tendências” da FCT são a continuidade dos seus grupos formadores, cada um com sua coleção de posições políticas distintas entre si. Que diferença existe entre uma “unidade” aonde cada grupo possui posições próprias e a não-existência da unidade? De fato, a FCT é muito mais um “guarda-chuva” de organizações que mantém sua existência separada (algumas na mesma cidade!) para parecer um bloco de maior tamanho. A sua “unidade” baseada em alguns pontos não é suficiente para sustentar uma organização séria. Um documento interno publicado recentemente por alguns companheiros do Coletivo Lenin confirma esse diagnóstico:
“A FCT está hoje presente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Ceará. É uma organização com tendências.”
Esperamos ter deixado claro que a FCT não é uma organização. A mera existência desse documento prova que não pode haver organização enquanto as divergências não forem devidamente discutidas. E também sobre como funcionaria tal organização visto que as divergências não serão sanadas na base do convencimento.
“A FCT possui mais de seis meses de existência. Internacionalmente, a FCT é seção do Comitê de Ligação pela IV Internacional, tendência internacional composta também pelo Socialist Fight britânico e pela Tendência Militante Bolchevique argentina com que as tendências da FCT passam a estabelecer relações fraternais.”
Há algo de “longe demais” neste trecho. A FCT, além de organização, é agora uma seção nacional de um Comitê que nunca tivemos qualquer contato antes da FCT. Relação de seção é algo muito sério que não pode ser simplesmente estabelecido com uma frente. A frente está aberta para qualquer militante ou organização que tenha acordo com os seus princípios mínimos, mas não está aberta para se tornar seção de outra organização. Além disso, o Coletivo Lenin não passou a estabelecer relações fraternais com quaisquer dessas organizações. Essa discussão não foi levantada dentro do CL. Relações fraternais, apesar do nome legal, exigem de fato, relações fraternais e não somente reconhecimento público. Pouco conhecemos do programa e atuação de tais organizações. E do que conhecemos, temos sérias discordâncias.— O que é e para onde vai a FCT?, 14 de agosto de 2015.
http://coletivolenin.blogspot.com.br/2015/08/o-que-e-e-pra-onde-vai-frente-comunista_14.html
Nós, enquanto revolucionários, defendemos a fusão com outras organizações sempre sobre marcos de programa bem claros e amplamente discutidos. Organizações devem se fundir quando as diferenças existentes entre elas não justificam que continuem existindo separadamente, podendo ser resolvidas ao longo do trabalho político conjunto. Esse claramente não é o caso do que acontece com a FCT, aonde o desejo de se agrupar, impulsionado por marcos programáticos insuficientes (e errados, como explicaremos a seguir), se sobrepõe à defesa coerente do programa marxista, ou de qualquer programa coerente, por sinal.
Um “programa” enganoso
Agora que já explicamos nossas diferenças com o método de construção de partido empregado pela FCT, vamos criticar os pontos de unidade desse agrupamento. Começaremos pelo voto crítico em Dilma Rousseff no 2º turno das eleições presidenciais de 2014. A premissa desse apoio é que a vitória eleitoral do PT/PMDB viria a conter profundos ataques à classe trabalhadora e aos setores oprimidos da população em geral. Será que é isso que verificamos desde então? Em um momento em que presenciamos a mais brutal onda de ataques aos direitos trabalhistas desde o golpe de 1964, acompanhada de profundos cortes nas políticas sociais (educação, saúde, transporte, moradia) nem a própria FCT é capaz de sustentar tal absurdo. Porém, mais uma vez utilizam o argumento do “golpismo” para explicar tal realidade, negando assim o inteiro comprometimento do PT (que tem protagonizado muitos desses ataques) com a agenda burguesa: “o giro à direita no governo Dilma, produto da pressão golpista, já havia sido previsto por nós ainda durante a campanha”. Mesmo que esse argumento de “causa externa” para os ataques do PT aos trabalhadores fosse válido, a reeleição de Dilma alterou alguma coisa, seja em termos dos ataques em si ou do fortalecimento dos direitistas? Valeu a pena orientar o proletariado a escolher essa candidatura? É impossível que se dê resposta afirmativa a essas perguntas.
Os imperialistas podem hipoteticamente preferir a direita no poder, mas não tem tido nenhum atrito significativo com o governo petista nos últimos 12 anos, e este tem cumprido bem os planos da burguesia. O que a FCT nunca explica é como o seu voto em Dilma impediu o fortalecimento dos direitistas. Desde sua eleição, tudo que o governo fez lançar ataques reacionários contra a classe trabalhadora e levar adiante um “ajuste” draconiano. Nada faz para evitar o crescimento desses setores, ao contrário: se aliou a boa parte deles (a começar pelo PMDB) para garantir a sua “governabilidade”. É senso comum achar que o “voto no PT” é derrotar a direita, mas os marxistas, que veem o conteúdo de classe de ambos os projetos sabem que isso nada mais é que um mito.
Para tentar justificar essa capitulação induzida pelo medo do crescimento da direita, a FCT faz um falso uso da literatura marxista. Cita Lenin quando ele lembrava aos “esquerdistas” alemães que os bolcheviques já haviam feito alguns blocos de colaboração prática com partidos camponeses, partidos oportunistas da classe trabalhadora e mesmo apoiado o partido da burguesia liberal (Cadetes) contra o czarismo no segundo turno eleitoral (em 1905!).
Esquecem que nesse período os bolcheviques e a maioria dos socialdemocratas de esquerda não tinham clareza sobre o caráter da revolução russa e previam uma revolução democrático-burguesa. Lembramos também que o marxismo apoiou condicionalmente a burguesia nas revoluções democráticas contra a reação monárquica ou feudalno século XIX. Essa é precisamente a diferença. Onde, no Brasil de 2014 (!), estava a reação feudal ou monárquica? Ambos o bloco PT/PMDB e a oposição PSDB/DEM eram burgueses. A Quarta Internacional foi construída em cima da clareza de que não há mais revoluções democrático-burguesas na época imperialista e que as tarefas históricas “não resolvidas” (ou resolvidas de forma incompleta) tem de ser solucionadas pela revolução proletária. Por isso mesmo, Trotsky sempre denunciou o “apoio tático” a frentes populares ou quaisquer blocos burgueses como uma forma de encobrir capitulações [7]. Tudo isso é esquecido pela FCT.
Intimamente relacionada com essa posição está a estimativa de que se aproxima um golpe de Estado contra o governo do PT. É inegável que a oposição de direita tem se fortalecido há mais de um ano. A sordidez das suas táticas e sua infiltração no Poder Judiciário e no Parlamento (ajudadas pelos “aliados” direitistas do PT) tornam possível uma tática de impeachment. Nesse momento, porém, a oposição está dividida entre pressionar o governo pelas medidas de “ajuste” que a burguesia brasileira precisa, e o “plano B” de forçar a saída da presidente. É evidente que essa seria uma jogada reacionária para o caso de o PT não conseguir cumprir bem o papel que a burguesia lhe confiou.
Porém, um impeachment é diferente de um golpe militar armado. Para este não existe conjuntura, uma vez que as cúpulas militares permanecem inativas e majoritariamente indiferentes a essa disputa [8]. A própria FCT muda a todo tempo sua caracterização: falava de “golpe de Estado” na época das eleições para depois falar de “golpe parlamentar” ou simplesmente de impeachment.Evidentemente, não fez um balanço público, que seria a atitude honesta. Isso demonstra que o essencial para a FCT não é uma análise acertada da conjuntura, mas sim justificar a sua política de frente com o PT em todos os casos. Inclusive nas eleições (que não são nem golpe, nem impeachment), o voto em Dilma “segue a nossa política geral de combate ao golpismo pró-imperialista” (como?). Nessa mesma linha, a FCT propõe uma “frente única anti-imperialista” mundial:
A presença de um núcleo burguês em contrapeso aos EUA [China e Rússia] potencializa lacunas em todo o sistema mundial, e objetivamente cria contradições que podem ser vantajosamente exploradas para a causa do proletariado internacional e todos os povos oprimidos sem por isso deixarmos de fazer a defesa intransigente da independência de classe e não depositarmos expectativas que qualquer fração da burguesia mundial possa realizar as tarefas históricas progressivas a serviço do progresso da humanidade. A FCT luta por uma frente única anti-imperialista unindo os BRICS, os bolivarianos, Estados operários remanescentes, o nacionalismo islâmico, o Irã, africanos e terceiro mundistas sempre que estiverem sob o ataque ou em contradição com o imperialismo.
— Frente Comunista dos Trabalhadores: quem somos e pelo que lutamos, 16 de agosto de 2015
http://coletivolenin.blogspot.com.br/2015/08/frente-comunista-dos-trabalhadores-quem.html
Essa “frente única” (as aspas não são acidentais) é uma falácia. Primeiro porque a FCT é um pequeno grupo com alguns militantes. Não acontecerá nenhum acordo para fins práticos (frente única) entre qualquer dessas forças mundiais e a FCT. Isso não é impedimento, é claro, para tomar a defesa das nações oprimidas sob intervenção imperialista, por exemplo, ou combater um golpe de Estado na mesma fileira que forças burguesas que eventualmente também se oponham (e delas se delimitando politicamente).
Mas a proposta de “frente única” da FCT não aponta nenhum objetivo concreto, nem uma situação específica. Ela seria uma frente sem data, sem local, sem objetivo imediato, para “lutar contra o imperialismo” em geral, “unindo” uma série de governos burgueses. Apesar de dizer que não deposita expectativas, essa proposta ampla implica que a FCT espera que essas forças burguesas (BRICS, bolivarianos, nacionalismo islâmico, Irã, terceiro-mundistas etc. etc.) podem conduzir lutas “anti-imperialistas”. O blog Espaço Marxista chega a afirmar explicitamente que governos como o de Assad, na Síria, são “anti-imperialistas” [9]. A FCT como um todo espera se apoiar no “bloco capitalista Eurásico”, o qual imagina que irá se confrontar com o imperialismo americano, como uma oportunidade para avançar “a causa do proletariado e dos povos oprimidos”.
Qual postura a FCT indicaria para os revolucionários no Irã, na Síria, na Venezuela, na Rússia? Aparentemente que busquem formar frentes com as lideranças burguesas “sempre que estiverem sob o ataque ou em contradição com o imperialismo”. Mas e durante a maior parte do tempo (de fato 99% do tempo, ou talvez todo) em que essas forças estiverem conduzindo a política imperialista (e não resistindo a aspectos secundários da mesma)? O principal na declaração não é construir o partido, consolidar as forças proletárias, temperá-las na independência contra qualquer setor da burguesia. O elemento principal é formar a suposta “frente única anti-imperialista” unindo governos capitalistas. E para qual tarefa específica (além da suposição de que esses governos vão se enfrentar com o imperialismo)? Nunca somos informados de forma concreta. Porém, no caso brasileiro, já vimos como tal “frente única” se expressou em, por exemplo, dar apoio eleitoral ao PT.
A proposta da FCT transforma posições táticas circunstanciais, como a de eventualmente tomar o mesmo lado militar que essas forças para defender uma nação atacada pelo imperialismo ou lutar contra um golpe antidemocrático, em uma orientação estratégica de fazer bloco com setores burgueses. Algumas vezes, FCT revela sua capitulação na forma mais crua, como quando o seu Comitê de Ligação pela Quarta Internacional (CLQI) embelezou o exército pró-Rússia dos separatistas do leste da Ucrânia:
A grande base trabalhadora dos exércitos de Donbass deseja o socialismo e as relações de propriedade nacionalizada que existiam nos dias da URSS, quando as condições de vida dos trabalhadores eram muito melhores e os oligarcas capitalistas não haviam tomado toda a riqueza coletiva do país, com o apoio de Yeltsin e dos EUA.
Ucrânia: O império contra-ataca, 21 de março de 2015.
http://lcligacomunista.blogspot.com.br/2015/03/ucrania-o-acordo-de-minsk-e-queda-de.html
Não temos informações diretas do fronte para fazer uma avaliação tão precisa do que a base do exército deseja (e duvidamos que a FCT tenha). Porém, sabemos que há uma poderosa influência pró-Rússia, assim como um enorme saudosismo nacionalista/stalinista nesse exército. Defendemos o direito da população de fala russa do leste da Ucrânia se separar, especialmente diante da poderosa russofobia desencadeada com a chegada de setores protofascistas ao poder depois do “EuroMaidan”. Esse é um direito democrático básico. Porém, não temos nenhuma ilusão em algum caráter “socialista” dos exércitos dessas Repúblicas, que estão politicamente alinhadas com o governo russo.
No quadro geral, todo o conteúdo político do “programa” da FCT é chamar uma “frente única” (recorrente e sem objetivos concretos) com setores da burguesia nacional e internacional (neles gerando expectativas). Seu objetivo político utópico é a consolidação de um bloco burguês “alternativo” a nível mundial.
A nova encarnação de um cadáver político
Todos que acompanham nossas publicações sabem da nossa origem. O Reagrupamento Revolucionário no Brasil surgiu de um racha do Coletivo Lenin em 2011. Vale a pena recontar essa história, especialmente quando fica claro o quanto nossos grupos se distanciaram desde então. O Coletivo Lenin surgiu em 2009 e adotou um programa baseado na tradição da Tendência Bolchevique Internacional (TBI), que ele considerava a melhor atualização do programa trotskista. Após uma longa e frustrante discussão com a TBI, que culminou com essa se revelando uma seita desonesta [10], o CL passou por um processo de disputa interna. A ala majoritária defendeu o abandono do programa original da organização e rejeitava elementos fundamentais do trotskismo. Uma tendência minoritária foi contra tal mudança.
Essa minoria acabou rompendo com o Coletivo Lenin e fundindo com o RR estadunidense no mesmo ano, com o qual o CL havia antes estabelecido relações fraternais com base no seu programa. Assim teve origem nosso grupo no Brasil: somos aqueles que, reconhecendo a degeneração da TBI, continuamos a defender suas contribuições para o marxismo e seu programa revolucionário original, apesar do apodrecimento moral e político de sua liderança, que se tornou inútil para a construção de um partido revolucionário.[11]
O líder da então maioria do Coletivo Lenin entendeu a falência da TBI como a falência do trotskismo. Abriu mão de princípios que iam desde o combate consistente à colaboração de classes até a oposição ao revisionismo que destruiu a Quarta Internacional [12]. Tudo isso foi chamado de “cascas de banana sectárias do programa da TBI”. O grupo acabou adotando uma perspectiva segundo a qual existem diversas “estratégias revolucionárias” diferentes, sendo todas igualmente válidas. Concluíram que são várias as tradições e organizações “revolucionárias”, ainda que inteiramente dispares umas das outras. Por conta disso, o CL se tornou uma organização amorfa disposta a se aproximar, em busca de unidade política, de grupos supostamente “revolucionários” com o qual tinha ele próprio muitas diferenças (como tentou durante meses com o Espaço Socialista após nosso racha, discussões essas que foram silenciosamente abandonadas) [13].
A FCT nada mais é do que a última tentativa esdrúxula de “fusão” baseada nessa falsa perspectiva. A dura verdade é que o CL abandonou a construção de um partido revolucionário conforme o compreendiam Lenin e Trotsky. O medo do isolamento, de ser chamado de “sectário”, falou mais alto do que a consistência programática. Esse mesmo impulso que antes gritou contra nós e nos acusava de “dogmáticos” durante nossa luta fracional por clareza e coerência política, acabou levando o CL a se afundar na lama de um bloco oportunista da FCT.
Nem todos os membros do CL estão satisfeitos com a absorção do grupo pela FCT e percebem os efeitos liquidacionistas dessa ação, assim como criticam os pontos programáticos oportunistas dessa “Frente” [14]. Porém, esses companheiros seguem sustentando a presença do grupo na FCT como uma perspectiva válida. É necessário compreender a relação entre os rumos da organização após nosso racha em 2011 e a decisão do CL de adentrar a FCT. Essa entrada assinalou (mais uma vez) que o Coletivo Lenin já tinha esquecido o que é centralismo democrático, o que é frente única, o que é um partido de vanguarda… isto é, o que é leninismo!
Aos militantes honestos que existem no CL, não existe outra saída além daquela que nós do Reagrupamento Revolucionário já tomamos em 2011, que é sair desse barco afundando. Pode ser que o atual CL se dissolva na FCT, ou talvez essa unidade fajuta venha a ruir e cada organização vá para seu canto. Mas de um forma ou de outra, o Coletivo Lenin que foi fundado por militantes que romperam com o morenismo por ousar lutar pela construção de um partido revolucionário baseado no programa trotskista atualizado para nossos dias, este já deixou de existir há muito tempo.
NOTAS
[*] Apesar de estar escrito na página principal do site do Coletivo Socialistas Livres que este grupo é membro da FCT e o seu documento de adesão ao “Comitê Paritário” ter sido reproduzido pelos demais membros da Frente, o CSL não tem aparecido nas declarações públicas mais recentes, o que nos leva a questionar se ele ainda é membro. Porém, como o CSL já havia sido descrito na versão original deste artigo e não pudemos encontrar nenhuma declaração de qualquer dos lados informando ao público sua suposta retirada, preferimos manter a afirmação de que ele faz parte da Frente. Caso estejamos errados nessa suposição, a responsabilidade cabe à FCT de informar se o CSL não é mais membro e porquê.
[1] Para ler nossa carta de ruptura com o Coletivo Lenin: “Morre um embrião para a reconstrução da Quarta Internacional”.
http://rr4i.milharal.org/2011/07/16/carta-de-ruptura-com-o-coletivo-lenin/
[2] Nós recomendamos aos companheiros especialmente os artigos polêmicos de Trotsky contra a brevíssima “Internacional de Londres”. Eis um exemplo das suas contradições:
O “partido de unificação marxista” [espanhol] pertence à famosa associação de Londres dos “partidos socialistas revolucionários” (ex-IAG). A direção desta última encontra-se atualmente nas mãos de Fenner Brockway, secretário do Independent Labour Party [inglês]. Já dissemos que pese aos antiquados e previsivelmente incuráveis preconceitos pacifistas de Maxton e de outros, o ILP assumiu na questão da Sociedade das Nações e das sanções uma posição revolucionária honesta, e todos nós lemos com satisfação uma série de excelentes artigos a este respeito no New Leader. Nas últimas eleições parlamentares o Independent Labour Party recusou-se até mesmo a apoiar no plano eleitoral os trabalhistas justamente porque estes últimos sustentavam a Sociedade das Nações. Em si, esta recusa constituía um erro tático: ali onde o Independent Labour Party não tinha condições de apresentar seus próprios candidatos devia apoiar os trabalhistas contra os conservadores. Mas isto é, apesar de tudo, um pormenor. Em todo caso, não havia nenhuma possibilidade de um “programa comum” com os trabalhistas. Os internacionalistas deviam ligar o apoio eleitoral (aos trabalhistas) com a denúncia do modo como os social-patriotas britânicos rastejavam diante da Sociedade das Nações e das suas “sanções”. Nós nos permitimos formular a seguinte pergunta a Fenner Brockway: o que admite como correto a “internacional” da qual é secretário? A seção inglesa desta “Internacional” se recusa a dar um simples apoio eleitoral a candidatos operários, se eles são partidários da Sociedade das Nações. A seção espanhola conclui um bloco com partidos burgueses sobre um programa comum de apoio à Sociedade das Nações. Será possível ir mais longe no domínio das contradições, da confusão, da degeneração? Ainda não há guerra e as seções da “Internacional” de Londres tendem desde agora em direções diametralmente opostas. Até onde irão quando ocorrerem os acontecimentos decisivos?
A traição do “Partido Operário de Unificação Marxista”, 22 de janeiro de 1936.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/01/22.htm
[3] Na declaração inicial de adesão do Coletivo Socialistas Livres ao então “Comitê Paritário”, publicado novamente pelo site da Liga Comunista, aparece uma nota de rodapé afirmando que “A RPR [nome anterior da TR] não chamou voto crítico em Dilma no segundo turno das eleições presidenciais de 2014”. Não há mais nenhuma indicação de como essa importante divergência seria resolvida. Ver também a declaração da TR “Agora é voto nulo!”
http://tendenciarevolucionaria.blogspot.com.br/2014/10/agora-e-voto-nulo.html
[4] Na mesma declaração do Coletivo Socialistas Livres, está escrito que “A principal diferença entre o CP e o CSL, reside na questão do centralismo, o qual o CSL se opõe. Uma vez que o atual estágio de construção do CP se caracteriza por ser um Comitê não centralizado, esta diferença situa-se no campo teórico, ao qual buscaremos superar a partir da experiência comum e da confiança mútua.”
[5] Esse comentário sutil foi feito numa introdução (sem quaisquer críticas) à republicação de um texto da “Rede em defesa da humanidade”, que “Reafirma a solidariedade ao governo legitimamente eleito, o de Nicolas Maduro, bem como exorta a oposição a respeitar a constituição do país.”
http://espacomarxista.blogspot.com.br/2015/02/intelectuais-e-artistas-contra.html
[6] Num texto de 2014, o CSL afirma: “Na segurança pública, o PSDB de Aécio Neves e Anastasia desconsiderou as reivindicações dos policiais civis e militares, impondo apenas metas e metas de mais produtividade, sem a contrapartida salarial aos que trabalham (…)”
https://socialistalivre.wordpress.com/2014/10/28/psdb-foi-derrotado-em-minas-gerais-e-nao-entendeu-o-porque-entao-eu-re-explico/
[7] Aqui estão alguns comentários de Trotsky sobre o “apoio tático” a blocos de colaboração de classes e também sobre a orientação eleitoral diante de uma “concorrência” entre partidos burgueses tradicionais e a “Frente Popular”:
A questão das questões atualmente é a Frente Popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como tática ou mesmo como uma manobra técnica, a fim de poder vender as suas mercadorias na sombra da Frente Popular. Na realidade, a Frente Popular é a questão principal da estratégia da classe operária nesta época. Também confere o melhor critério para diferenciar o menchevismo do bolchevismo.
— A seção holandesa e a Internacional, julho de 1936.
Como não se concebe a democracia parlamentar na França sem os radicais, façamos com que os socialistas os sustenham, ordenemos aos comunistas que não incomodem o bloco Blum-Herriot se possível, façamos com que entrem, eles mesmos, no bloco. Nem distúrbios nem ameaças! Esta é a orientação do Kremlin (…) Se o partido de Herriot-Daladier tem raízes nas massas pequeno-burguesas e, em certa medida, até nos meios operários, é unicamente com o objetivo de enganá-los em benefício do regime capitalista. Os radicais são o partido democrático do imperialismo francês: qualquer outra definição é uma mentira (…). As próximas eleições parlamentares, qualquer que seja o resultado, não trarão, por si mesmas, mudanças sérias na situação: definitivamente, os eleitores estão obrigados a escolher entre um árbitro do tipo de Laval e um árbitro do tipo de Herriot-Daladier Mas como Herriot colaborou tranquilamente com Laval e Daladier apoiou ambos, a diferença que os separa, se medida com a escala dos problemas históricos colocados, é insignificante.
A França na Encruzilhada, março de 1936.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/03/28.htm
[8] Nós escrevemos uma polêmica direcionada ao PCO sobre a sua perspectiva alarmista de um golpe como forma de capitular ao PT. Ver “As capitulações do PCO ao governismo”.
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2014/07/as-capitulacoes-do-pco-ao-governismo.html
[9] “O que o imperialismo pretende é derrubar o regime anti-sionista e anti-imperialista de Assad, e para isso tem fomentado o mesmo ISIS que finge combater.”
http://espacomarxista.blogspot.com.br/2015/05/otan-treina-rebeldes-sirios.html
[10] Ver “Coletivo Lenin rompe relações com a Tendência Bolchevique Internacional”
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/07/cl-rompe-relacoes-com-ibt-dezembro-de.html
[11] Ver “A Tendência Bolchevique Internacional ‘explica’ sua falência”
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2012/07/a-tendencia-bolchevique-internacional.html
[12] Além da nossa carta de ruptura, na nota número 1, ver também “Revisando a história do trotskismo”.
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/10/polemica-com-o-coletivo-lenin-sobre.html
[13] Ver “Balanço das discussões do Coletivo Lenin com o Espaço Socialista”
http://coletivolenin.blogspot.com.br/2012/04/balanco-das-discussoes-do-coletivo.html
[14] Ver especialmente a “Declaração da maioria do Coletivo Lenin ao Congresso da FCT”
http://coletivolenin.blogspot.com.br/2015/09/declaracao-da-maioria-do-cl-ao.html