Por uma liderança revolucionária da classe trabalhadora! Por um verdadeiro governo dos trabalhadores em Hong Kong e na China!
Publicamos a seguir tradução feita pelo Reagrupamento Revolucionário em outubro de 2019 de um texto originalmente escrito em 19 de julho pelo “Grupo Bolchevique” da Coreia do Sul (볼셰비키그룹), organização que reivindica uma tradição programática similar à nossa. A versão original está disponível em http://bolky.jinbo.net/index.php?mid=board_FKwQ53&document_srl=7425, com uma tradução para o inglês disponível em http://bolky.jinbo.net/index.php?mid=board_ArAZ48&document_srl=7467.
Nós do Reagrupamento Revolucionário temos acordo geral com análise e posicionamento aqui apresentados, todavia possuímos uma discordância secundária que fazemos questão de destacar. Nós encaramos que o projeto de lei que desencadeou o movimento de protesto tem potencial reacionário e deve ser combatido. Ele torna mais fácil para o governo de Hong Kong extraditar criminosos para outros países, incluindo a China continental, o que inclui dissidentes politicamente perseguidos pelo governo central chinês. Obviamente estamos interessados em defender os ativistas da classe trabalhadora, e não os contrarrevolucionários que se escondem em Hong Kong. Mas o projeto tem potencial para ser usado contra os revolucionários também. O texto do Grupo Bolchevique não aborda diretamente essa questão, tratando o projeto de lei como algo simplesmente ligado à diplomacia internacional e à necessidade de haver um instrumento para deportar criminosos que estejam fugindo da justiça de seus países de origem, apesar de reconhecer que um dos motivos por detrás dos protestos é “a intensa desconfiança diante das autoridades de Hong Kong e do processo judicial do governo chinês” por parte da população.
Protesto contra a “extradição de criminosos”
Hong Kong teve um mês de junho atipicamente quente. Os tumultos, desencadeados por uma estranha questão de oposição ao projeto de lei de “extradição de criminosos”, atingiu seu auge em 16 de junho, quando dois milhões de pessoas, um quarto da população de Hong Kong, participaram de protestos de rua. Em 18 de junho, a recalcitrante Secretária-Chefe de Administração de Hong Kong (a governante da cidade), Carrie Lam, pediu desculpas novamente e adiou o projeto indefinidamente. Já em 9 de julho, ela acabou por declarar oficialmente a morte de um projeto de lei que já havia perdido sua vida em face da forte resistência do povo de Hong Kong.
Em 1º de julho, quando a lei de extradição já estava condenada, os manifestantes ocuparam pela força o prédio do poder legislativo local. Na manhã seguinte, a ocupação foi abandonada e os manifestantes se dispersaram, mas o protesto em si e o significado do dia, o 22º aniversário da devolução de Hong Kong à China pela Grã-Bretanha, indicaram uma mudança na natureza dos protestos. Alguns manifestantes exaltados quebraram as paredes de vidro do prédio legislativo com tubos de aço, derrubaram a bandeira chinesa e penduraram a bandeira da Hong Kong colonial e a Union Jack, da Grã-Bretanha. Eles ainda picharam slogans separatistas como “Hong Kong não é da China” na parede da câmara principal.
Embora a princípio os protestos tenham sido desencadeados pela oposição ao projeto de lei de extradição, essa ocupação demonstrou a existência de um sentimento e orientação subjacentes, marcados por oposição à fusão com a China, independência de Hong Kong e nostalgia pela era colonial britânica.
O significado geral do projeto de lei de “extradição criminal”
O projeto de lei de “extradição criminal” não tem nada de muito especial. Muitos países, incluindo a Coréia do Sul, têm acordos internacionais de extradição que entregam suspeitos de crimes que fugiram do seu país de origem para evitar punição. O projeto foi apresentado em Hong Kong em fevereiro passado, oficialmente justificado por uma necessidade concreta. Um homem de Hong Kong, chamado Chan Tong-kai, de 20 anos, matou sua namorada grávida em Taiwan e fugiu para Hong Kong. Como o assassinato foi em Taiwan, em Hong Kong Chan Tong-kai foi acusado apenas de roubo e violação da lei anti-lavagem de dinheiro, atos cometidos na cidade. Como resultado, ele foi condenado a apenas 29 meses de prisão. Taiwan pediu a Hong Kong que extraditasse o suspeito de assassinato para ser julgado por tal crime. No entanto, como não havia tratado de extradição entre as duas regiões, não foi fácil atender ao pedido, e o governo de Hong Kong introduziu esse projeto de lei de “extradição criminal”.
O caso do sul-coreano Chung Tae-soo, presidente do Grupo Hanbo, e de seu terceiro filho, Han Jung-geun, capturado recentemente no Equador, também foi um incidente que destacou o significado de leis de extradição. Chung Tae-soo foi condenado à prisão em 1997 por um enorme escândalo de corrupção e foi perdoado em 2002 após cumprir sentença. Ele fugiu da Coreia do Sul enquanto estava sendo julgado por novas acusações e, até agora, evitou a punição se escondendo no vizinho Quirguistão, que não possui acordo de extradição. Enquanto isso, seu terceiro filho, Han Jung-geun, fugiu do país enquanto era investigado por uma enorme acusação de peculato, foi preso 21 anos depois no Equador e finalmente repatriado para a Coreia do Sul em 23 de junho. Não havia tratado de extradição da Coreia do Sul com o Equador, o que envolveu muitas dificuldades.
As cinco causas por detrás dos protestos
Porquê, então, o projeto de extradição criminal de Hong Kong, que por si só parece não ter implicações políticas particulares e deveria ter sido reconhecido por sua considerável necessidade, causou tanta resistência?
Primeiro, por causa da intensa desconfiança diante das autoridades de Hong Kong e do processo judicial do governo chinês. O desaparecimento de cinco funcionários da livraria Tong Luowan em 2015 é um caso típico. Esta livraria era famosa por vender a turistas vindos da China continental livros cuja publicação lá é proibida, por lidarem com lutas pelo poder e escândalos de liderança no PC chinês. Tornou-se um alvo do governo chinês e cinco pessoas envolvidas na livraria desapareceram desde outubro de 2015. Uma delas, Lin Rongji, revelou o fato em 16 de junho de 2016. Segundo o próprio, ele foi preso enquanto viajava de Hong Kong para Shenzhen e foi levado para a China continental para interrogatório. Então ele foi forçado a apresentar uma lista de clientes da livraria e voltou para Hong Kong. Três outros, que também desapareceram, mas voltaram, permaneceram em silêncio, enquanto o quinto, Guiminhai, ainda não voltou. Lin Rongji, que revelou o caso, mudou-se para Taiwan em 25 de abril, depois que as autoridades de Hong Kong pressionaram pela lei de extradição. Temia-se que, se a lei fosse aprovada, ele seria enviado para a China. Mais de 130.000 pessoas participaram do protesto que ocorreu três dias após a ida de Lin Rongji para Taiwan.
Segundo, por causa da vida horrenda dos trabalhadores de Hong Kong, que estão encurralados na beira do precipício. O PIB per capita de Hong Kong ficou em 48.829 dólares em 2018, ocupando o 19º lugar no mundo. Mas 1,3 milhão de pessoas, um quinto da população de Hong Kong, vive abaixo da linha da pobreza. Isto é devido ao fosso extremo entre ricos e pobres. Em particular, os custos de moradia são altíssimos. Uma das razões por trás do aumento dos preços da habitação em Hong Kong foi que o chamado “socialismo de mercado” da burocracia chinesa levou os ricos ao mercado imobiliário de Hong Kong. Os preços das casas em Hong Kong subiram mais de 400% desde 2003, e o preço médio por pyeong (3,3 metros quadrados) de um apartamento supera os 100 milhões de won. Para fins de comparação, o preço médio por apartamento em Gang-nam, Seoul, que subiu nos últimos dois anos, é inferior a 50 milhões de won (dados de 19 de maio de 2019). Por essa comparação pode-se ver o quão assustador é o preço da habitação em Hong Kong. Em meio à brecha entre ricos e pobres e às condições de vida, a juventude trabalhadora de Hong Kong está desesperada. Esse sentimento de desespero está sendo expresso com raiva contra as autoridades de Hong Kong e o governo da China continental, responsáveis por essa realidade, em meio à oposição à “lei de extradição”.
Terceiro, por causa das políticas pró-capitalistas que o governo chinês vem adotando desde a devolução de Hong Kong pela Grã-Bretanha. Em 1997, a Grã-Bretanha devolveu Hong Kong à China. O território original de Hong Kong foi tomado pelos britânicos como parte da feroz “Guerra do Ópio” contra a Dinastia Qing. Em 1898, o território foi expandido para o norte, compondo os “Novos Territórios”, “cedidos” à Grã-Bretanha por 99 anos. Após a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha perdeu força, entregando a maior parte de suas antigas colônias para os EUA, enquanto a China ascendia, devido à revolução de 1949. Apesar da possibilidade de retomar Hong Kong, a diferença da forma de propriedade dos meios de produção entre as duas regiões era um problema. O Partido Comunista da China, que venceu uma guerra civil contra o Kuomintang em 1949, aboliu a propriedade privada e estabeleceu um sistema de propriedade estatal. Hong Kong, por outro lado, era e segue sendo uma região ponta de lança do imperialismo, voltada contra a China continental. Tratava-se de uma zona altamente privatizada, governada pelo imperialismo britânico, um dos líderes da ordem capitalista mundial.
Com a chegada do fim da “concessão”, em nome de amenizar a apreensão dos capitalistas de Hong Kong, a China adotou a política chamada de “um país, dois sistemas”, destinada a manter o sistema capitalista da região por 50 anos após sua devolução. Essa política foi o resultado da burocracia estar mais preocupado em manter uma boa relação com as potências imperialistas e a classe capitalista de Hong Kong do que com a classe trabalhadora da região.
Com essa política, a classe capitalista, a classe dominante em Hong Kong, ficou “temporariamente” aliviada. Mas foi uma jogada muito decepcionante para a classe trabalhadora de Hong Kong, que estava sofrendo com o crescente fosso entre ricos e pobres e com discriminação racial sob o imperialismo britânico. Além disso, a política do “socialismo de mercado” da China faz com que sua política pró-capitalista em Hong Kong pareça uma medida permanente, não apenas uma concessão temporária.
A classe trabalhadora de Hong Kong teve uma consciência de classe e anti-imperialista significativa em vários momentos históricos. Em 1967, o “tumulto esquerdista de Hong Kong”, que ocorreu durante meses sob o lema de derrubar o imperialismo britânico, prova isso. O imperialismo britânico reprimiu violentamente o levante matando centenas de trabalhadores, mas levou oito meses para apagar a chama que foi acesa. Na época da revolta dos trabalhadores de 1967, os trabalhadores de Hong Kong e o governo comunista chinês estavam em sintonia. Os sindicatos, que encabeçaram os protestos, eram liderados por partidários do PC chinês. Os manifestantes, que pediam a derrubada do domínio colonial britânico, tinham tantas expectativas políticas e confiança no governo chinês que foram às ruas com retratos de Mao Zedong.
A própria classe trabalhadora de Hong Kong que participou do levante deve ter sonhado em retornar a região ao sistema nacionalizado da China, libertando-o do imperialismo e acabando com o racismo, a opressão aos trabalhadores, a pobreza e o desemprego. Dessa forma, os rumos anti-URSS e pró-EUA da diplomacia chinesa e sua “abertura de mercado” na década de 1970 devem ter sido vistas com apreensão por esses trabalhadores. Eles também devem ter ficado surpresos com a repressão ao “levante de Tiananmen” em 1989. Agora, a classe trabalhadora de Hong Kong está passando por uma política pró-capitalista, que está muito além da política “um país, dois sistemas” há mais de 20 anos – simbolizada, por exemplo, pela hospitalidade do PC chinês para com o bilionário de Hong Kong, Li Ka-shing. Em 2018, membros de clubes de estudos marxistas de várias universidades chinesas foram presos e reprimidos por seu envolvimento na luta dos trabalhadores. Nesse processo, as expectativas da classe trabalhadora de Hong Kong para o governo chinês, que é comandado por uma burocracia stalinista, diminuíram. O cinismo se tornou o sentimento dominante em relação ao governo chinês.
Quarto, por causa do sentimento anti-chinês entre a classe capitalista. Os capitalistas de Hong Kong ficaram temporariamente aliviados pela política de “um país, dois sistemas”. Mas ela tem um prazo de 50 anos e já se passaram 22. Em 2047, ao final da apólice, a segurança de seus ativos não pode ser garantida. Um ativo cujo futuro é incerto não tem valor. Esta é a principal causa do sentimento anti-chinês. A raiz da aversão global à China (e à Coreia do Norte) está na questão da propriedade.
Hong Kong tem sido tradicionalmente uma área dominada por sentimentos pró-imperialistas e anti-proletários na história moderna e contemporânea. Desde a época da ocupação imperial britânica, a área foi dominada por capatazes pró-britânicos, que cooperaram no estabelecimento do Estado colonial, e por uma burguesia compradora que se beneficiou da relação com o imperialismo. Alguns dos capitalistas que fugiram do continente depois da vitória do PC em 1949 e alguns dos capitalistas que fugiram do Vietnã se estabeleceram em Hong Kong. Essa história de composição demográfica aprofundaram o sentimento de ódio anticomunista, anti-proletário e racista entre os habitantes contra a China continental.
A classe capitalista de Hong Kong, aqueles que nunca cederão sua propriedade privada, tem três opções. A continuação da política “um país, dois sistemas”; a independência capitalista de Hong Kong; e a restauração capitalista em larga escala da China. A primeira escolha não é boa, envolve um constante desequilíbrio e tensão. Eles contam com a segunda ou terceira. Portanto, essa burguesia está fazendo todos os esforços para utilizar os poderosos meios do capital – a mídia, educação e redes sociais – para que os protestos contra a China possam avançar na direção de seus interesses. Tais interesses, neste momento, estão totalmente alinhados com as potências imperialistas centradas em torno da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos.
Quinto, por causa das potências imperialistas do mundo almejarem a contrarrevolução capitalista na China. A revolução de 1949 estabeleceu um sistema de propriedade estatal confiscando os meios de produção dos imperialistas, dos capitalistas compradores e dos proprietários de terras. Isso levou a progressos marcantes, incluindo a libertação das mulheres, a socialização de assistência médica, moradia, educação etc., a erradicação do analfabetismo e o aumento radical da expectativa de vida. Embora consideravelmente danificada por décadas de “abertura de mercado”, a propriedade estatal na China ainda é central, com 80% das 20 principais empresas ainda pertencentes ao Estado, e empresas estatais respondendo por 82% do PIB, de acordo com o Relatório do Instituto de Economia da Energia da Coreia de 2015.
A atitude do campo imperialista em relação à China, representada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Japão, é unida e uniformemente hostil. A causa fundamental é a diferença nos sistemas de propriedade. E a diferença no sistema de propriedade é a essência do antagonismo de classe. O campo imperialista anseia por uma restauração capitalista em larga escala na China, um “Estado operário deformado”. Se esse desejo se concretizar, como mostraram os resultados do colapso do bloco soviético na década de 1990, trará uma bonança ao capital financeiro global, a superexploração na região colonizada irá explodir, e o sistema capitalista mundial, ansioso e estridente, se estabilizará por algum tempo.
É sabido que o alvo da implantação do THAAD na Coreia do Sul é a China, não a Coreia do Norte. Recentemente, os EUA vêm pressionando extremamente a China.
[Ver a declaração do RR de abril de 2017, O imperialismo americano estica suas garras – Defender a Síria, China e Coreia do Norte! Para garantir a paz, lutar pela revolução socialista internacional!, disponível em https://rr4i.milharal.org/2017/04/23/declaracao-internacional-defender-a-siria-china-e-coreia-do-norte/.]
A intervenção secreta ou flagrante do imperialismo
A Grã-Bretanha e os Estados Unidos estão quase descaradamente envolvidos nestes protestos em Hong Kong, que são repletos de sentimentos anti-chineses. Em meados de junho, quando os protestos estavam aumentando, o Senado e a Câmara dos Representantes dos EUA propuseram a “Lei de Democracia e Direitos Humanos de Hong Kong”, que privaria Hong Kong de seu status especial se a “Lei de extradição” fosse aprovada. Após os protestos de 1º de julho, o ministro das Relações Exteriores britânico, Jeremy Hunt, prometeu “apoiar” os cidadãos de Hong Kong que participaram. No mesmo dia, Trump disse: “Eu acho que a maioria deles quer democracia. … Infelizmente, alguns governos não querem democracia”. Quanto à mobilização que foi dissolvida à força pela polícia (em 12 de junho), ele disse: “É uma pena”.
A democracia de que falam os imperialistas é bem diferente da nossa. Os imperialistas britânicos pisotearam brutalmente os protestos legítimos de trabalhadores de Hong Kong em 1967, que exigiram melhores condições de trabalho. Eles destruíram a “democracia” nas neo-colônias. Em nosso país, Coreia do Sul, os EUA estiveram por trás do massacre dos cidadãos de Gwangju em 1980 e do golpe de Estado de 1961. As recentes tentativas, fracassadas ou bem-sucedidas, de derrubar os governos de Honduras, Líbia, Síria, Ucrânia e Egito são outros exemplos. A tentativa de golpe na Venezuela, conduzida pelo fantoche norte-americano Guaido, é o mais novo caso deste ano.
Os EUA já haviam intervido ativamente em protestos em Hong Kong desde 2014. Um artigo da BBC, de 21 de outubro daquele ano, afirma:
“Longe de serem manifestações improvisadas, é um segredo aberto nesta reunião na Noruega que planos foram traçados para as manifestações em Hong Kong há quase dois anos. A ideia era usar a ação não violenta como uma ‘arma de destruição em massa’ para desafiar o governo chinês. Os organizadores prepararam um plano para levar até 10.000 pessoas às ruas, para ocupar estradas no centro de Hong Kong, em janeiro de 2013. Eles acreditavam que as medidas da China para controlar as eleições em Hong Kong proporcionariam um atrito em que a desobediência civil poderia ser eficaz e planejada de acordo. Suas estratégias não eram apenas para planejar o momento e a natureza das manifestações, mas também como elas seriam executadas. A BBC Newsnight foi informada de que alguns dos principais manifestantes receberam conselhos e materiais de ativistas ocidentais para ajudá-los a treinar até 1.000 daqueles que mais tarde se envolveriam nas manifestações.” (Oslo Freedom Forum: Activists gather to share secrets of successful protest)
A National Endowment for Democracy (NED) é a principal ferramenta que o imperialismo dos EUA usa para suas agendas em outros países. É uma organização internacional criada pelo Departamento de Estado dos EUA. Sob a liderança da CIA, os EUA apoiam pessoas e organizações que estão alinhadas aos interesses do imperialismo estadunidense em nome do “apoio democrático”. Não é apenas apoio financeiro. Como o exemplo do “Fórum da Liberdade de Oslo”, é uma atuação muito ativa, incluindo o treinamento de ativistas. Já foi relatado que a NED apoiou vários grupos nos protestos de Hong Kong de 2014, que este ano parecem ter expandido ainda mais sua base de apoio. A entrevista realizada pela revista online dos EUA, Jacobin, “Tudo o que você precisa saber sobre os protestos de Hong Kong” (https://www.jacobinmag.com/2019/06/hong-kong-extradition-bill-protest-movement), com presença de um “Socialista, ativista cívico, e professor universitário”, que participou dos protestos, compartilha o seguinte fato: “Os governos de Pequim e Hong Kong disseram que os protestos são financiados pela NED estadunidense. É verdade que a maioria dos partidos pan-democratas recebeu financiamento da NED.”
O caráter anti-proletário da liderança dos protestos
A participação organizada da classe trabalhadora no protesto é bastante morna. Os empresários e as lojas demonstraram uma atitude ativa em relação ao protesto, organizando uma greve em 12 de junho, quando estava agendada a segunda rodada de deliberações sobre o projeto de extradição. Mas ainda não houve greve dos trabalhadores. A “Frente Civil dos Direitos Humanos”, que organiza os protestos, havia alertado sobre uma greve de trabalhadores em 17 de junho. Mas dois dias antes da greve, foi anunciado que ela havia sido cancelada por razões desconhecidas.
O estado atual dos trabalhadores de Hong Kong é miserável. Portanto, os descontentamentos se acumularam consideravelmente. No entanto, o baixo nível de participação organizada de sindicatos e outros órgãos dos trabalhadores pode ser devido à característica desses protestos no que tange questões trabalhistas. Apesar dos protestos em larga escala envolvendo mais de um milhão de pessoas, há poucas demandas por melhores condições de trabalho / vida, como questões sobre salário e moradia. Tampouco havia questionamento contra o “1%” dos capitais financeiros, embora as “manifestações de guarda-chuvas” de setembro de 2014 tenham tomado o centro financeiro de Hong Kong, imitando o movimento “Occupy Wall Street” dos EUA. Enquanto isso, alguns dizem que os líderes do protesto estão tentando usar uma greve dos trabalhadores apenas como uma ferramenta para mostrar seu próprio poder:
“Muitos estão agora chamando os trabalhadores a entrarem em greve, mas sem sucesso. Eles tratam os trabalhadores como um tipo de macarrão instantâneo, tudo que você precisa fazer é pedir ao garçom e ele vai entregar”, disse o entrevistado pela Jacobin.
Enquanto isso, cresce a influência da extrema-direita racista e anti-trabalhadores, que tem por objetivo final a “secessão capitalista” de Hong Kong. Eles são racistas não apenas contra o governo chinês, mas também contra toda a população chinesa continental e têm pouco interesse em melhorar os direitos trabalhistas e as redes de segurança social para minorias e pessoas carentes em Hong Kong. Eles estão crescendo com o apoio financeiro e pessoal do imperialismo anglo-americano e a proteção da imprensa. Alguns até participam de manifestações com a Union Jack ou a bandeira nacional de Taiwan. Mas eles não são contidos. Alguns deles até apelam a Trump pela libertação de Hong Kong.
“Tal ala usa muita linguagem racista e xenofóbica, não apenas contra o PC, mas contra todo o povo chinês. O programa da Youngspiration exige explicitamente que aqueles que não sabem falar cantonês ou inglês sejam excluídos da cidadania. Isso é especialmente ridículo, pois muitos residentes idosos de Hong Kong não conseguem falar nenhum dos dois idiomas, mas falam dialetos Hakka ou Chaochou. Eles também pretendem impedir os imigrantes chineses vindos do continente de desfrutarem benefícios básicos em Hong Kong. O grupo “Paixão Cívica” é conhecido por incitar a violência contra o povo chinês. Não é por acaso que eles têm pouco interesse em promover direitos trabalhistas e de previdência social para grupos e minorias marginalizados.”, afirma o entrevistado à Jacobin.
Obviamente esses setores de direita não representam todos os participantes dos protestos. No entanto, eles deveriam ser barrados, através da defesa de demandas corretas. Caso contrário, não se pode evitar que tendências reacionárias representem todo o protesto. A coisa já está fluindo nessa direção. A demanda correta para os trabalhadores de Hong Kong só pode ser apresentada pela classe trabalhadora, e isso só é possível quando esta se une na forma de uma vanguarda revolucionária.
Hong Kong e as esquerdas
Como analisado anteriormente, a questão dos protestos de Hong Kong é complexa, na qual vários participantes com diferentes interesses estão intervindo com suas próprias orientações diversas. Assim, como disse o grupo dos Socialistas Internacionais na Coreia do Sul (“Solidariedade dos Trabalhadores”, Nodongja yeondae): “A maioria dos esquerdistas silencia sobre a luta em Hong Kong contra a revisão da Lei de extradição criminal.” Não está claro se o motivo, como pensa a Solidariedade dos Trabalhadores, é porque querem “evitar apoiar essa luta”, mas está claro que partindo de uma perspectiva stalinista de “traduzir e reportar as afirmações da mídia estatal chinesa”, será difícil entender a situação.
Os grupos de esquerda que tomaram uma posição clara sobre o assunto baseiam-se principalmente na teoria do “capitalismo de Estado”, como o “Luta pela Libertação e Solidariedade dos Trabalhadores”, que considera a China como um país capitalista e imperialista. A visão deles é simples: “Como a China é um Estado capitalista e imperialista, os protestos anti-chineses que reivindicam a democracia são totalmente justificados e devem ser apoiados.” Assim, esses grupos tratam a relação entre Hong Kong e a China como se não houvesse um conflito sobre o sistema de propriedade, que está por trás dos protestos em Hong Kong. Dizem apenas que a intervenção do imperialismo britânico e dos EUA é insignificante, pois a China também é vista como imperialismo.
No coração da definição do conflito de classe e do caráter social está a questão da propriedade dos meios de produção. E a melhor forma de socialização da propriedade privada expropriada é a propriedade estatal, até que se alcance a sociedade comunista, sem classes nem Estado. Os defensores da tese do “capitalismo de Estado”, no entanto, simplesmente ignoram isso e dizem que Marx nos ensinou que “a chave é a questão da atitude, se ela é ativa ou passiva em direção à sociedade ideal”.
“Alguns esquerdistas veem a China como uma espécie de sociedade socialista, enquanto afirmam serem marxistas. A principal razão é que uma parte essencial da economia da China ainda é estatizada. Mas essa é uma visão contra a qual Marx se opõe veementemente. Marx criticou o anarquista Proudhon por definir o capitalismo como um sistema de propriedade privada e o socialismo como uma estatização em A Miséria da Filosofia.”
Dessa maneira, eles fazem uma caricatura extrema de Marx. Tiram o foco da questão da propriedade, a fonte de todos os problemas sociais, como guerras, massacres, desemprego, fome, o fosso entre ricos e pobres, desigualdades, acidentes industriais e destruição ambiental. Eles dão sermão sobre sua ideologia sonhadora de “atitude ativa em relação à sociedade ideal” e, depois, conduzem a classe trabalhadora ao “fetichismo da democracia”, no qual as linhas de classe desaparecem, fazendo com que a classe trabalhadora sirva de ajudante da classe capitalista e dos imperialistas em uma contrarrevolução. Dessa forma, eles mantiveram a neutralidade ambígua no conflito entre o imperialismo e os Estados operários, no conflito entre o imperialismo e o colonialismo, ou mesmo estiveram do lado da vitória do imperialismo.
Acima de tudo, a questão da propriedade dos meios de produção é a chave. Já lidamos com essa questão várias vezes através de vários documentos. Aqui, reduzimos nossa discussão ao apontar os ensinamentos de Marx e Engels, no Manifesto Comunista, e os ensinamentos de Lenin:
“O que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. … Neste sentido, os comunistas podem condensar a sua teoria numa única expressão: supressão da propriedade privada.” (Manifesto do Partido Comunista)
“Como se expressa agora a dominação de classe? A propriedade de latifundiários e capitalistas foi abolida. A classe trabalhadora vitoriosa aboliu e destruiu completamente essas posses. Nesse ponto, o domínio da classe trabalhadora é expresso e existente. A questão da propriedade vem em primeiro lugar. Quando a questão da propriedade é decidida no mundo real, o controle de classe é garantido. … Quando a classe dominante foi trocada, também foi trocada a posse.” (Obras de Lenin, Quarta Edição, volume 30, p.426-427).
A crise da China, a classe trabalhadora e a liderança revolucionária
O sistema de propriedade estatizada da China se encontra sob grave perigo. As conquistas do Estado operário foram corroídas pela burocracia representada pelo Partido Comunista Chinês. Com décadas de “abertura de mercado”, a rede capitalista dentro da sociedade expandiu cada vez mais seu poder, e a classe trabalhadora ficou à margem devido ao monopólio político da burocracia. Enquanto isso, enquanto o número de contrarrevolucionários capitalistas que tentam derrubar o sistema estatal aumentou, a disposição da classe trabalhadora em defender o sistema tornou-se cada vez mais confusa devido ao regime burocrático. O resultado dessa confusão, que passou a igualar capitalismo, democracia e bem-estar, foi o que vimos nos anos 1990, quando a União Soviética e o Leste Europeu entraram em colapso.
Uma batalha histórica entre contrarrevolução capitalista versus expansão da revolução socialista determinará o futuro da China. O imperialismo centrado nos EUA e na Grã-Bretanha + o poder capitalista nativo na China + o poder capitalista de Hong Kong versus a classe trabalhadora mundial + a classe trabalhadora da China + os trabalhadores de Hong Kong são os dois campos nesta batalha histórica. A burocracia chinesa representada pelo Partido Comunista da China convulsionará internamente sob pressão de ambos os lados e se dividirá em dois campos no momento crítico, cada um seguindo uma orientação. Nesse processo, aqueles que buscam a contrarrevolução capitalista tentarão usar Hong Kong como uma alavanca presa ao flanco da China. A classe trabalhadora deve defender o fruto da revolução de 1949 e expandir ainda mais a revolução socialista na China e também em Hong Kong.
A classe trabalhadora, sem estar associada a uma vanguarda revolucionária, perde o poder de decisão de seu próprio destino e não pode escapar do estado de escravidão assalariada. A classe trabalhadora só pode concretizar seu poder potencial através de um partido revolucionário dos trabalhadores. Somente através do partido revolucionário ela pode se manter como a classe dominante do futuro e cumprir seus deveres históricos.
Nosso programa
Acreditamos que alternativas revolucionárias devem ser construídas em torno do seguinte programa:
Primeiro, separação da extrema-direita anti-proletária e racista, que trama a independência capitalista de Hong Kong. Segundo, defender o sistema de propriedade estatal chinês da contrarrevolução capitalista imperialista, que deseja impor o sistema capitalista de volta a toda a China.
Terceiro, a política de “um estado, dois sistemas” é meramente o produto de um compromisso entre os capitalistas de Hong Kong e a burocracia chinesa, e não representa os interesses das classes trabalhadoras de Hong Kong ou da China. É necessário estabelecer um governo dos trabalhadores em Hong Kong. O governo dos trabalhadores, operado através de um soviete, uma organização da democracia direta da classe trabalhadora, nacionalizará o porto de Hong Kong, tomará o controle de empresas e indústrias importantes, resolverá várias desigualdades e desemprego e expandirá o bem-estar social, incluindo moradia, assistência médica e educação.
Quarto, através da unidade de trabalhadores da China continental e de Hong Kong, é necessário derrubar a burocracia stalinista que está corroendo o sistema estatizado, inchando seu próprio estômago e impedindo a democracia dos trabalhadores. O novo poder dos trabalhadores que emergirá realizará as seguintes tarefas: estabelecimento da democracia dos trabalhadores, defesa da indústria estatal, renacionalização das principais indústrias privatizadas, expansão do bem-estar dos trabalhadores, apoio à libertação nacional e revolução socialista em outros países.