Enquanto reúnem milhares ou milhões de trabalhadores sob uma mesma organização designada formalmente a defender seus interesses econômicos, os sindicatos têm um valor organizacional inegável. Mas na nossa época, eles não têm independência política e material, e estão submetidos por diferentes mecanismos ao Estado burguês. Os dirigentes dos sindicatos e seus funcionários – a burocracia sindical – são uma camada social que usa seus cargos como fonte de renda, prestígio e estabilidade, e costumam estar desconectados dos interesses e realidade das bases que afirmam representar. As lideranças burocráticas funcionam fundamentalmente como correias de pressão da conciliação com os patrões no interior do movimento, e muitas vezes trabalham para limitar e desorganizar as lutas dos trabalhadores em um nível aceitável ao capital.
No Brasil, o movimento sindical ressurgiu a partir das lutas operárias do ABC paulista no final da década de 1970, que naquele momento se enfrentavam com o autoritarismo da ditadura militar. O chamado “novo sindicalismo” criou-se no contexto de lutas operárias maciças, da realização de piquetes e de diversas táticas para paralisar a produção. As fortes greves que aconteceram em 1977-1980 enfrentaram o arrocho salarial, reivindicaram melhores condições de trabalho e direito de organizar livremente seus sindicados. Culminaram na construção do Partido dos Trabalhadores (PT) e na formação da Central única dos trabalhadores (CUT). Mesmo nesse início, diversas traições ocorreram devido às lideranças conciliadoras, como o próprio Lula, que já se pautavam pelo reformismo e pelo respeito à institucionalidade burguesa, e criaram métodos para deslocar a luta direta para as vias jurídicas e conciliação com os patrões.
Os governos do PT (2003-2015) foram o último prego no caixão de adaptação da CUT e de muitos de seus sindicatos ao Estado burguês. Esses 13 anos formaram decisivamente os dirigentes sindicais na arte de postergar e sabotar lutas, para não contrariar o governo petista e para tratar os trabalhadores como mera base eleitoral, e que mostra agora seu efeito na enorme perda de capacidade de mobilização diante dos maiores ataques aos trabalhadores em muitas décadas. Atualmente, o movimento sindical encontra-se majoritariamente dirigido pelas burocracias da CUT/PT, da CTB/PCdoB, além de setores nas mãos da Força Sindical e da UGT, controladas por máfias eleitorais. Cada uma atrela-se aos interesses eleitorais de seus partidos respectivos e não têm organizado qualquer expressão de revolta ou resistência séria dos trabalhadores.
A burocracia se caracteriza não só pelos privilégios materiais que ela tira do seu controle sobre o aparato sindical, mas também da sua incapacidade de apresentar um projeto político oposto ao da burguesia. Sem um projeto oposto, ela busca sempre submeter os trabalhadores à “realidade” da sociedade atual, servindo como base de apoio para algum governo, partido ou político capitalista, não raro prestando o papel de cabo eleitoral ou assistente, sem questionar a estrutura da exploração capitalista e do Estado burguês. Essa pressão política eventualmente atinge até os mais honestos militantes sindicalistas se estes não tiverem uma perspectiva revolucionária. Um movimento sindical que realmente defenda os interesses dos trabalhadores contra o capitalismo só pode existir sob uma liderança marxista, e uma liderança marxista só pode existir nos sindicatos apoiada na atividade militante dos membros da classe.
A greve é o mais importante meio de luta do proletariado, pois nela a nossa classe expressa sua capacidade de parar a produção até suas demandas serem atendidas, sendo um dos principais fatores que dá à classe trabalhadora poder social. Além disso, a greve tem um importante caráter pedagógico, pois mostra aos trabalhadores que eles são o elemento insubstituível da produção, que faz cada engrenagem da economia girar, e não o capital. O fracasso na organização de greves efetivas, bem preparadas, que não permitam fura-greves, que sejam mais do que greves simbólicas de um dia, e que unifiquem diferentes categorias dos trabalhadores de pelo menos alguns ramos estratégicos da indústria, comércio, transporte ou distribuição tem sido o traço mais distintivo do atual movimento sindical.
A burocracia reflete a passividade das massas em um determinado período e rapidamente se transforma, ela própria, em um poderoso entrave à organização das lutas quando o descontentamento explode. Sem a capacidade de parar a produção, revoltas populares têm força limitada. Nos últimos anos, grandes rebeliões de massa contra as “reformas” e “medidas de austeridade” em muitos países encontraram silêncio proposital dos sindicatos, apesar do clamor por ação entre muitos trabalhadores. Quando muito, foram realizadas “greves gerais” de um dia, mas que, com a antecipação e preparação dos patrões, pouco efeito tem sobre os seus lucros, que é onde eles sentem o impacto. Os sindicatos se alienam assim das questões candentes que atingem os trabalhadores.
É preciso ter em mente que o movimento sindical, especialmente no momento atual, não inclui uma enorme gama de trabalhadores precarizados e informalizados pela exploração capitalista e as novas formas que ela assume. Os trabalhadores terceirizados, via de regra, não são incluídos na luta pelos sindicatos por não serem “parte da categoria” mesmo quando trabalham lado a lado com os demais. Outras categorias novas de trabalhadores, como aqueles empregados por aplicativos (os chamados “uberizados”), sem uma relação direta com os seus patrões e outros trabalhadores, não possuem sindicatos ou existem apenas sindicatos fantasmas, ligados às empresas. Não há também uma cultura entre os sindicatos para representar os trabalhadores desempregados, mesmo aqueles que estiveram em um determinado ramo por muitos anos.
Nós queremos ser parte de uma insurgência dos trabalhadores contra essa realidade de fragmentação, apatia e controle burocrático no interior dos sindicatos. Defendemos sindicatos unificados e amplos, que tenham a gana de organizar todos os trabalhadores em um determinado setor ou indústria, incluindo os efetivos, contratados, informais e terceirizados; que realize ações de solidariedade, mas também de politização, junto aos desempregados, pressionando as empresas por contratações para reduzir as jornadas de trabalho sem redução de salário; que lute pela efetivação dos trabalhadores terceirizados com igualdade de direitos, contra a prática patronal de terceirizar demissões, cortes de direitos e salários dos setores mais precários dos trabalhadores.
O enorme exército de reserva – a massa de desempregados – é um dos trunfos na mão dos capitalistas para incutir medo e apatia na nossa classe. Sem lutar contra o desemprego, sem unificar os terceirizados e todos os informais de um determinado ramo, é impossível travar uma luta em pé de igualdade contra os patrões. Os marxistas irão pressionar para que os sindicatos assumam essas pautas concretamente e realizarão ações exemplares nesse sentido enquanto os sindicatos não o fizerem, para apontar o caminho. Defendemos também a organização de comitês por locais de trabalho como base dessas ações. A criação de novos sindicatos para as categorias surgidas da reformulação produtiva do capitalismo, como os trabalhadores de aplicativos, cumprirá também um papel significativo na organização do proletariado e no qual os marxistas devem buscar participar. Queremos que os sindicatos estejam na linha de frente das revoltas e rebeliões dos trabalhadores e do povo, para ganhar confiança de todas massas não-proletárias.
A regeneração do movimento sindical só pode se dar desde as entranhas do atual, a partir de saltos de consciência nas experiências de luta e, também, a partir do afluxo de uma geração nova de trabalhadores, que sejam formados com uma nova cultura militante. Os marxistas devem construir frações com sua própria bandeira (seja abertamente ou de forma clandestina, conforme a situação ditar) junto com os elementos mais militantes da base das organizações sindicais, apesar ou mesmo contra a burocracia. Essa fração sindical marxista incluirá os militantes da organização e também aqueles militantes que concordem com o seu programa naquela arena, sem que seja necessária, de imediato, sua adesão total ao programa político geral.
Defendemos que haja rotatividade dos dirigentes sindicais para frear as tendências de burocratização, ampla liberdade de participação para as diversas tendências políticas dos trabalhadores, contra o cerceamento de debates e práticas de gangsterismo/exclusão. Somos contra o imposto sindical controlado pelo Estado: defendemos que os sindicatos sejam autofinanciados diretamente com a contribuição de seus filiados. Somos também contra qualquer interferência da Justiça burguesa no interior dos sindicatos, arma frequentemente usada pela burocracia, mas que muitos na esquerda naturalizaram.
O foco dos marxistas não é o controle do aparato sindical, embora esse possa representar em alguns casos um auxílio à tarefa de organização dos trabalhadores, mas sim o enraizamento da consciência socialista entre o proletariado. Por esse motivo, especialmente nos primeiros passos da organização marxista, eleições sindicais não deverão ser o foco, embora postos de representantes por local de trabalho possam rapidamente ser ocupados. Defendemos que os sindicatos realizem ações de formação política para os membros, para auxiliar no processo de conscientização dos trabalhadores, não apenas sobre questões econômicas imediatas, mas para os interesses históricos da nossa classe de luta pelo socialismo.
Em alguns casos específicos, a divisão para a formação de um sindicato novo e mais militante contra um antigo será necessário. Quando existirem as pré-condições para separar as massas de trabalhadores da burocracia sindical, a formação de um sindicato competidor mais combativo pode ser progressiva, ainda que este seja inicialmente minoritário. Mas a criação de “sindicatos” que sejam cascas vazias leva apenas à exclusão dos marxistas dos sindicatos reais e significa um verdadeiro “tiro no pé” da luta pela sua inserção no movimento dos trabalhadores.