O sistema capitalista e o Estado sustentam ou mesmo desenvolvem inúmeras formas de opressão social que não se limitam estritamente à relação de classe. Isso não quer dizer que elas não estejam entrelaçadas com a relação entre classes sociais e suas diversas manifestações concretas, pois nada escapa a isso. O racismo se manifesta de forma muito diferente para um burguês ou um juiz da Suprema Corte negro do que para um operário ou vendedor ambulante negro morador da periferia. Isso não quer dizer também, por outro lado, que o racismo não transgrida barreiras de classe, mas sim que os marxistas não podem, nem por um momento, perder de vista que é sobre a classe trabalhadora e outras classes subalternas que essas opressões costumam se manifestar de forma mais drástica.
No Brasil e em muitos outros países, o racismo contra a população negra segue como um dos resquícios da escravidão de africanos, um resquício que foi apropriado e fortalecido pelo sistema capitalista como ferramenta adicional da exploração. Os negros brasileiros são segregados aos setores mais inferiores da sociedade e se concentram, sobretudo, na classe trabalhadora, inclusive em muitas categorias estratégicas do proletariado e no exército de reserva (a massa de desempregados). O racismo, historicamente, foi o maior obstáculo para a ação política dos setores mais oprimidos da classe. É entre os negros que está a maioria dos milhões de trabalhadores, urbanos e rurais, desempregados e que vivem sem moradia e sem segurança, sem atendimento médico ou saneamento básico. A luta contra a brutalidade racista da vida cotidiana, tanto em seus aspectos materiais quanto culturais, e a luta contra o papel cumprido pela polícia, é central para a revolução socialista no Brasil.
A luta dos trabalhadores está intimamente ligada à luta pelo fim da opressão aos negros, pois se dirigem contra as mesmas estruturas. Tal realidade demanda que os marxistas se envolvam na luta dos setores mais precarizados dos trabalhadores (como os informais e os terceirizados), que são majoritariamente negros, como uma prioridade. Defendemos a efetivação desses trabalhadores com salários e direitos dignos, e de pagamento igual para trabalho igual. A organização de autodefesas coletivas da classe trabalhadora em situações de racismo têm um papel também decisivo, pois demonstra na prática a alternativa à polícia racista. Defendemos que se repitam exemplos passados de autodefesas sindicais contra ataques racistas sofridos por trabalhadores. A polícia é um instrumento de opressão legalizada de uma classe sobre a outra. Quem mais sofre com a polícia são justamente trabalhadores negros, vítimas do genocídio racial operado pelo Estado, defendido e reforçado diariamente pela mídia capitalista e outros aparatos ideológicos. O fim da polícia racista do Estado burguês será um passo indispensável na eliminação do racismo.
A sujeição das mulheres cumpre um papel em todo o mundo de submetê-las a jornadas duplas ou triplas de trabalho, cuidados com o lar, os filhos e os idosos — serviços que deveriam ser de direito universal e responsabilidade pública. Esse trabalho, não pago, isenta os cofres do Estado burguês e os capitalistas de contá-lo nos salários, e por isso a família nuclear se tornou um paradigma envolto em sacralidade e romantização. Às mulheres que são mães, deveria haver muito mais tempo para as relações de afeto com os filhos se não fosse tamanho o desgaste com cada aspecto material da criação, que muitas vezes elas não têm condições em prover. Elas também deveriam ter sua independência como mulheres sem que sua vida se resumisse a cuidados com o lar e os filhos.
A eliminação da opressão da mulher demanda como um de seus pré-requisitos a garantia do pleno emprego. Todas as mulheres devem ter direito ao trabalho e não receber um centavo a menos por trabalhos desempenhados em igualdade aos homens. Ao mesmo tempo, as mulheres que são mães devem ser libertadas da jornada dupla ou tripla de trabalho. Com o pleno emprego feminino, os serviços domésticos devem ser socializados ao máximo: profissionais específicos cumprirão as principais funções de manutenção do lar; serviços de limpeza públicos e restaurantes populares atenderão às demandas de alimentação e limpeza da classe trabalhadora; os filhos dessas mulheres devem ter ao seu dispor creches seguras, que recebam as crianças no horário de trabalho dos pais, e elas devem disponibilizar, no mínimo, três refeições diárias, e prover educação e lazer gratuitos, de qualidade.
Somos pela facilitação do direito do divórcio, a fim de livrar as mulheres do jugo do casamento por necessidade material, e defendemos um auxílio digno para as mulheres divorciadas desprovidas, mães solteiras e viúvas, um auxílio que atenda as reais necessidades básicas da mulher trabalhadora. Uma demanda democrática básica ainda negada em grande parte do mundo é a legalização do aborto de forma segura, como parte de um sistema de saúde público e acessível. Além da exigência básica de igualdade salarial entre homens e mulheres em mesmos cargos, também defendemos como reforma parcial que os salários das mulheres sejam incrementados, havendo um acréscimo por cada filho. Defendemos que os sindicatos criem comissões de ação contra o assédio moral e sexual das mulheres nos locais de trabalho, e incentivem a sua participação na política do movimento dos trabalhadores, da qual muitas vezes são excluídas. Os sindicatos também podem realizar ações de auxílio para trabalhadoras em situações de vulnerabilidade social. O movimento dos trabalhadores deve reforçar as campanhas contra a cultura do estupro e manifestações materiais e culturais de machismo.
Os homossexuais, bissexuais, transexuais e outras minorias em questões de orientação sexual e identidade de gênero sofrem uma opressão baseada na defesa dos valores tradicionais da família nuclear, os mesmos que também cumprem um papel na submissão das mulheres. As estruturas centrais responsáveis por isso são as religiões homofóbicas e as organizações políticas conservadoras, que criam enormes repercussões ideológicas. Efeitos psicológicos, derivados de perseguições e agressões, são recorrentes. O Brasil é um dos países com mais assassinatos e ataques motivados por homofobia e transfobia. A população LGBTQI é frequentemente rejeitada pela família e marginalizada, especialmente os membros da classe trabalhadora, e o mercado de trabalho formal se fecha muito mais a eles. No caso dos transexuais, a prostituição acaba sendo a saída em muitos casos para não cair na miséria.
Alguns setores da burguesia se mostram liberais e receptivos com essa questão, mas os trabalhadores seguem sofrendo com a insegurança e o medo, o abandono e o desemprego causados pela esmagadora homofobia/transfobia reforçada por religiões reacionárias e falso moralismo. Defendemos a expropriação das propriedades (inclusive midiáticas) e das fortunas de grandes Igrejas criminosas e das instituições conservadoras que fomentam tais práticas e ideologias, assim como o fim da isenção de impostos das instituições religiosas em geral. Defendemos a plena igualdade de direitos civis para os homossexuais, assim como de identidade social para os transexuais. Defendemos a realização de programas contra a homofobia/transfobia em todas as escolas públicas, como forma de combater essas ideologias, e programas de auxílio para a comunidade LGBTQI, bem como a garantia do pleno emprego a seus membros.
Outra opressão que é crucial combater para a unidade dos trabalhadores é a sofrida pelos imigrantes, estrangeiros e refugiados. Eles são jogados nos piores trabalhos, vivem o risco de deportação e ataques xenófobos e racistas. O imperialismo provoca guerras e exporta contradições para a periferia do sistema. Na busca do seu interesse de aumentar os lucros, destrói os meios de vida tradicionais de inúmeros povos, levando a ondas desesperadas de imigrantes em busca de uma vida melhor a tentar adentrar as metrópoles ou centros. Lá, são vistos pela burguesia e sua ideologia como escória, denunciados como “ladrões de empregos” (como se o desemprego não fosse uma característica própria ao capitalismo) e como bodes-expiatórios para os problemas da violência urbana. Combatemos essas ideias reacionárias e exigimos o pleno direito de cidadania a todos os imigrantes, refugiados e estrangeiros emigrados em busca de trabalho e vida melhor, assim como seu direito a moradia e trabalho digno. É a revolução socialista, tanto nos países periféricos quando nas metrópoles a única saída para as contradições globais do capitalismo.
Para a classe trabalhadora é uma questão de vida ou morte combater essas opressões. Elas não apenas são usadas para explorar mais pesadamente os setores oprimidos do proletariado, e para reduzir ao máximo os custos do capital por meio de trabalho não pago, como também para dividir os trabalhadores, lançando sobre alguns o papel de culpados pela degeneração e mazelas que tem sua causa real no próprio capitalismo e em seus desdobramentos, livrando assim a cara da burguesia. A estratégia dos marxistas na luta contra as opressões é a centralidade de classe proletária e a unidade na luta. Nos sindicatos e organizações dos trabalhadores em geral, combatemos por um maior envolvimento nessas lutas, contra a indiferença da burocracia sindical. Também não nos contentamos com a solidariedade em palavras, mas queremos ações e apoio ativo.
Dentro dos movimentos de luta contra o machismo, o racismo, a homofobia e transfobia, etc., o partido deve buscar intervir principalmente por meio de alas, ou frações do movimento, lideradas pelos membros do partido que se encontram nos grupos oprimidos, mas apoiadas e compostas também por outros membros. Sua linha deve ser de defender a revolução proletária como o caminho histórico para destruir as estruturas que mantém as opressões e realizar um esforço ativo, principalmente na educação e na cultura da sociedade transitória pós-revolucionária, para erradicar seus resquícios ideológicos. Aqui, como em todos os outros casos, não opomos mecanicamente reformas e revolução: lutamos por todas as melhorias e contra cada pequeno abuso, por vezes em unidade com outras forças políticas. Mas defendemos a centralidade do proletariado, sem ceder ao ilusionismo do liberalismo burguês e outras ideologias que pregam a igualdade e inclusão como algo possível nos limites do sistema capitalista. Não damos nenhum apoio ou fazemos elogio à demagogia de empresas e capitalistas “inclusivos” cujo único interesse é lucrar em cima dessas pautas.
Rejeitamos um discurso assim chamado “identitário”, mas que geralmente não passa de um pensamento reformista ou pró-liberalismo, inócuo ao capitalismo, por vezes com traços de sectarismo contra os setores que não sofram uma opressão em particular. A identidade de grupos oprimidos é comumente suprimida como forma de impedir seu reconhecimento e alteridade. Dar esse passo no reconhecimento da identidade é progressivo, mas não deve parar aí. Tais linhas de pensamento costumam ter uma cultura de resignação sobre a existência da opressão, ou seja, ausência de estratégia para pôr fim à mesma, combatendo apenas suas manifestações individuais e marginais. Costumam também difundir divisionismo no movimento real. Sem pautar uma unidade em torno do proletariado, enxergam em todos os que não sofrem daquela mazela específica são incapazes de lutar contra ela ou são, em alguma medida, automaticamente opressores.
Há também um foco desses setores comumente chamados de “identitários” nas representações culturais que visem combater as ideologias racistas, machistas ou homofóbicas. O combate no plano cultural é uma expressão essencial de luta contra as opressões, porém não é em si o caminho para atingir a eliminação das suas bases estruturais. Não basta difundir a contracultura antirracista, por exemplo, sem fazer a denúncia do capitalismo, da propriedade privada e da exploração, e do Estado burguês, que são o sustentáculo do racismo. O combate às opressões na arena das representações culturais não deve perder de vista a denúncia do sistema capitalista e seu Estado.
Embora haja trabalhadores mais e menos privilegiados na sociedade capitalista, a totalidade das relações sociais mostra que o racismo, o machismo, a xenofobia e a homofobia, etc. são usados como forma de dominação que prejudicam a todos os trabalhadores em última instância, e que deve ser do interesse de toda a classe erradica-los. Os pontos de vista contrários a isso, de que as opressões são vantajosas aos trabalhadores brancos e homens heterossexuais, por exemplo, acabam sendo uma concessão à ideologia burguesa que quer convencê-los do mesmo.
Os comportamentos opressores são programados histórica e socialmente, e não estão na genética e nem nos interesses objetivos do proletariado, podendo ser superados por meio da luta política. Não consideramos os trabalhadores homens em geral como inimigos das mulheres, nem os trabalhadores brancos como inimigos dos negros, etc. Nem tentamos destilar sentimentos de culpa cristã, como se eles fossem grandes beneficiários e devessem flagelar-se por sua existência. Isso de nada serve ao movimento. Ao contrário, reivindicamos que todos sejam participantes ativos da luta dos oprimidos, num movimento amplo conjunto, centrado nos trabalhadores, contra o sistema capitalista e as ideologias reacionárias. Dentro do partido, lutamos contra manifestações de opressão e preconceito, e batalhamos pela igualdade de condições entre os membros.