Seja com um regime democrático, semidemocrático, ou ditatorial, o aparato do Estado burguês continua sendo “nada mais do que o comitê de administração dos negócios comuns da burguesia” (Marx) e a “expressão histórica da unidade da classe dominante” (Gramsci). Seria fatal aos trabalhadores acreditarem que podem mudar sua condição fundamental de classe subalterna ao escolher um ou dois componentes desse aparato por meio de eleições de sufrágio ampliado, nas quais geralmente a classe capitalista garante que permaneçam em suas mãos por meio de restrições eleitorais e campanhas de mentiras.
As eleições são períodos onde a burguesia usa da competição política entre as suas diversas frações por apoio popular, para fortalecer a fachada de representatividade que é a essência da sua democracia. Como o Estado busca, a todo o momento, encobrir o seu caráter de classe, nas democracias burguesas os partidos da classe trabalhadora por vezes podem também concorrer, embora geralmente haja restrições de todo tipo. A visibilidade da disputa eleitoral deve ser usada como uma oportunidade de propaganda marxista: para reforçar as palavras de ordem do proletariado, para divulgar e defender suas lutas, como um instrumento auxiliar para preparar a classe, denunciando o papel do Estado burguês e apontando a necessidade de uma alternativa socialista ao capitalismo. Os marxistas não precisam abdicar de nada em seu programa, nem se comprometer a nada para defender seu programa nas eleições. Tal tática, porém, é de ordem secundária, e não é prioridade para uma organização marxista pequena.
No caso de organizações maiores, a participação independente é o melhor caminho, pois o partido deve buscar uma expressão clara de seu programa e métodos frente às massas, o que não seria possível em blocos com outras organizações. Porém, especialmente para uma pequena tendência sem presença na vida política nacional, tal forma de participação não é possível. Nesse caso, é possível o apoio eleitoral a partidos que não são revolucionários? Voltemos à questão básica que envolve a participação eleitoral: a propaganda. Os dois objetivos centrais da participação dos marxistas nas eleições são a divulgação de seu programa e seus métodos, e por outro lado, desmascarar as tentativas da burguesia de influenciar o proletariado. O apoio a outros partidos da classe trabalhadora pode ser prestado pelos revolucionários de forma crítica, desde que eles estejam concorrendo de forma independente da classe capitalista, com um programa que defenda claramente os interesses dos trabalhadores e CONTRA os patrões e seus partidos (nunca em coalizão ou desejo de coalizão com eles). O apoio crítico se concretiza mediante uma clara e sistemática exposição das discordâncias e limitações de tais candidaturas.
Consideramos que apoio eleitoral a partidos, políticos e blocos eleitorais burgueses é traição da independência de classe. Isso se aplica inclusive ao apoio a projetos eleitorais burgueses liberais disfarçados com ares “progressistas”. Também é o caso de campanhas burguesas que sejam compostas também por partidos de trabalhadores (nas chamadas “frentes populares”). Nesse último caso, a tática de uma tendência marxista é chamar um rompimento dos trabalhadores e suas organizações da coalizão de colaboração com os capitalistas, o que exclui necessariamente o apoio eleitoral de qualquer tipo enquanto durar tal coalizão.
A Assembleia Constituinte não é uma instituição capaz de resolver a contradição fundamental da sociedade, ou dar voz real aos trabalhadores. Alguns autodeclarados socialistas a apresentam como uma forma “democrática radical” ou ainda como um meio pelo qual a experiência da participação popular conduziria à revolução. Isso é um engano. A defesa da Assembleia Constituinte pode prestar um papel como demanda democrática auxiliar em contextos de ditadura burguesa policial ou militar. Mas ela está no mesmo patamar de outras demandas democráticas. A luta de classes não irá avançar por meio da disputa no interior de uma instituição como essa, mas sim no enfrentamento direto com a classe dominante. Por esse motivo, a Assembleia Constituinte não pode figurar como demanda principal para os revolucionários, e nem estes devem espalhar a falsa ideia de que ela poderia resolver as necessidades dos trabalhadores ou contradições da sociedade capitalista.
Isso não significa que não há diferença entre um regime democrático e um regime ditatorial no que diz respeito aos interesses do proletariado. A democracia burguesa difere da ditadura burguesa em três aspectos fundamentais: a liberdade de organização, a liberdade de expressão e a participação (formal) das amplas massas na política, especialmente com a escolha de determinados cargos políticos do Estado. A importância das duas primeiras é evidente. As liberdades de organização e expressão significam que o aparato estatal tolera certo grau de atividade pública das organizações proletárias, em especial a dos sindicatos e partidos.
Os marxistas devem lutar não só para defender direitos democráticos dos trabalhadores, como a sua expansão, para livrar as organizações proletárias de restrições e trazer os trabalhadores cada vez mais à esfera política, para acostumarmo-nos a pensar politicamente e a preparar a nossa revolução. Em países onde vigoram ditaduras burguesas, a luta pela conquista dos direitos democráticos para os trabalhadores é uma tarefa que está especialmente na ordem do dia, mas ela não deve ser uma barreira, etapa ou figurar acima da agitação e das demandas que apontam a necessidade de uma superação do capitalismo. Ao contrário, a defesa dos direitos democráticos é subordinada (e um meio para) a defesa do programa socialista. Os direitos democráticos no capitalismo devem ser vistos como meios preparatórios para a real emancipação do proletariado, não um fim em si.
As democracias burguesas entram constantemente em crise como sintoma das crises do capitalismo. Os países da periferia do sistema sentem com ainda mais força os efeitos da decadência imperialista, estando sujeitos a rupturas em suas democracias frágeis com “golpes brancos”, quarteladas, manipulações nos seus sistemas eleitorais, embargos e intervenções de todo tipo. Dois fenômenos frequentes que abalam os regimes democráticos burgueses são o fascismo e os golpes de Estado.
Um partido ou grupo fascista é uma organização reacionária que busca criar um aparato paramilitar próprio, mobilizando frações do proletariado (normalmente os desempregados) e da pequena-burguesia para atacar os movimentos da classe trabalhadora e outros setores oprimidos, visados como bodes-expiatórios da crise. Essa característica de organizações mobilizadoras de combate é o que as diferencia da polícia e de outras organizações reacionárias. Liberando parcialmente o aparato estatal da sua responsabilidade de órgão repressor, a função dos fascistas para a burguesia é esmagar a resistência do proletariado com suas próprias mãos, para abrir o caminho à liquidação das organizações dos trabalhadores.
Golpes de Estado são deposições de uma ou mais instituições do Estado por outras, para resolver conflitos que não puderam ser sanados pela lei ou pela tramitação prevista constitucionalmente. Tais golpes acontecem quando uma fração da classe dominante vê necessidade de passar por cima de outras para impor medidas ou condições mais duras para a classe trabalhadora, seja na esfera dos direitos sociais e democráticos, nos ritmos de exploração, nas remessas de lucros para os países imperialistas, etc. que levam a formas de protesto e resistência. O nível de violência e profundidade dos golpes de Estado varia muito com o contexto, podendo desmontar a configuração do regime ou simplesmente impor um hiato temporário nas normas da democracia burguesa. O estabelecimento de regimes de exceção é um meio de tentar destruir as organizações do movimento dos trabalhadores, esmagando pela força qualquer resistência à vontade da fração burguesa vitoriosa. Frequentemente, os golpes de Estado incluem fachadas legais para encobrir a sua realização.
Nas ocasiões em que surjam enfrentamentos contra golpes de Estado reacionários ou fascistas, os marxistas e os trabalhadores tem um lado, pois a vitória das forças fascistas ou golpistas significa a imposição de condições mais árduas e severas para a classe trabalhadora. A derrota destes golpes pode, se a classe trabalhadora estiver suficientemente organizada, colocar em xeque a ordem burguesa como um todo. Caso o movimento dos trabalhadores não esteja suficientemente pronto, a derrota do golpe de Estado ou fascista impediria apenas a execução imediata de medidas reacionárias contra o proletariado. Em nenhum desses casos, a posição da classe trabalhadora deve dissolver-se em um campo burguês de oposição, e os marxistas devem manter sua crítica política a todos os campos burgueses.