Os revolucionários devem romper para não ser parte da “ala esquerda do partido do capital”
Marcio T., maio de 2022.
A longa trajetória de adaptação do PSOL à burguesia e seu Estado
O PSOL foi fundado em 2005 como uma ruptura à esquerda com o PT, que havia encabeçado uma reforma da previdência logo após chegar ao poder (aprovada, hoje sabemos, com ajuda do “mensalão”). Além de parlamentares expulsos do PT por terem se recusado a votar a favor do ataque à previdência, participaram vários militantes e grupos que já haviam rompido com o PT há mais tempo. Cabe lembrar que, à altura da eleição de 2002, o PT já havia se convertido plenamente a uma “ala esquerda do partido do capital”, isto é, um partido com programa burguês (melhorar o capitalismo, ao invés de superá-lo) e com laços orgânicos com a burguesia (presença de empresários em seu interior, financiamento empresarial e alianças com partidos burgueses “puro sangue”). Portanto, o PSOL já nasceu como algo muito heterogêneo, que combinava grupos mais à esquerda com gente que atuou com entusiasmo na campanha de 2002, que tinha como vice o maior empresário do ramo têxtil no país, José de Alencar (para nos limitarmos a um único, mas muito simbólico, dos traços burgueses da candidatura de 2002) e que apoiou o governo petista, mesmo se tratando de um governo subordinado à classe burguesa.
Assim, desde a sua fundação, o PSOL vive uma constante tensão entre repetir os rumos do PT ou ser uma alternativa a ele. Isto é, entre ser parte da “ala esquerda do partido do capital” ou ser um partido de fato socialista, defensor dos interesses de classe dos trabalhadores.
Não é difícil perceber que a primeira via sempre teve mais força. Rapidamente, o partido teve parlamentares atuando de forma completamente autônoma das instâncias partidárias e obtendo grande peso na determinação dos rumos políticos do PSOL, graças ao aparato material e financeiro vinculado a seus mandatos. Também rapidamente, as correntes mais à direita, sem nenhum referencial anticapitalista na sua atuação cotidiana, cresceram muito mais do que as outras, as que se reivindicam socialistas (ainda que reformistas em sua maioria), graças ao oportunismo eleitoral.
A esquerda do partido há muito tempo denuncia fraudes nos congressos e manobras antidemocráticas do setor majoritário. Tudo muito parecido com a vida interna do PT desde fins dos anos 1980. Porém, com uma enorme diferença: o PSOL reproduziu os graves defeitos do PT, sem nunca ter alcançado seu mérito: uma massiva presença e mesmo liderança nos principais movimentos sociais do país, em particular nos setores industriais e estratégicos.
Esse predomínio de forças não-socialistas na direção de fato do PSOL, forças cuja programa é de meramente melhorar o capitalismo (ou seja, um programa social-liberal), já gerou muitas traições. É o caso das candidaturas à presidência de Heloísa Helena em 2006, que foi contra a legalização do aborto, de Luciana Genro em 2010, que recebeu dinheiro de grandes empresas, como Gerdau e Taurus, e da candidatura de Boulos em 2018, que atuou abertamente como linha auxiliar do PT. Nenhuma dessas candidaturas tinha um referencia anticapitalista. O mesmo se deu em várias eleições a nível local. Em 2020, a candidatura de Boulos à prefeitura de São Paulo contou com um amplo leque de alianças com partidos empresariais, inimigos da classe trabalhadora (Rede, PSB, PDT). No RJ, as candidaturas de Marcelo Freixo sempre tentaram fazer alianças desse tipo e também obter financiamento empresarial. O “saldo” positivo que Freixo declarou enxergar na sua candidatura de 2020 foi ter “aberto diálogo” com o empresariado carioca! Nas cidades de interior, essas traições de classe sempre foram mais presentes, com coligações com partidos empresariais e financiamento empresarial sendo uma constante em vários locais.
Além disso, nos locais onde o PSOL chegou ao poder executivo, não demorou muito a bater de frente com mobilizações dos trabalhadores, adotando o lado dos patrões, como em Itaocara (RJ), Macapá (AP) e Belém (PR).
Se isso já não bastasse, desde a reforma eleitoral de Eduardo Cunha, a enorme pressão eleitoreira que impunha rumos bastante oportunistas ao PSOL assumiu ares escandalosos, agravados ainda mais pelo giro à direita que o país tem vivido desde a derrota das Jornadas de Junho de 2013. Para sobreviver às cláusulas de barreira, os principais parlamentares do PSOL (os “puxadores de voto”) começaram a rebaixar ainda mais seu programa, que já não tinha nada de socialista. Muitos acabaram até deixando o partido, como Helena, Randolfe Rodrigues e Freixo, com vistas a garantir vitórias eleitorais.
Ao mesmo tempo, diante do giro à direita na conjuntura, alianças com partidos burgueses começaram a ser realizadas sob diversas formas: alianças que já há muito tempo eram desejadas por setores expressivos do partido, sobretudo seus parlamentares mais destacados. Uma série de manifestos foram assinados em conjunto com legendas de aluguel (sequer podemos caracteriza-los seriamente como partidos, no sentido de terem um programa político definido) que tem longa ficha corrida de apoio a ataques aos direitos dos trabalhadores no parlamento e também, no caso das de maior tamanho, também à frente de executivos estaduais e municipais. Nos referimos ao PDT, PV, Rede, PSB. Nenhum desses “partidos” pode ser considerado de esquerda ou mesmo progressista. São financiados por grandes empresários, a quem servem de forma muito direta e tem em suas fileiras figuras abertamente reacionárias. Ainda assim, o PSOL tem cultivado uma relação de proximidade com eles nos últimos anos. Isso deu um salto qualitativo no segundo turno da última eleição para a prefeitura de São Paulo, quando algumas dessas legendas de aluguel / partidos burgueses integraram a campanha de Boulos. Não tem absolutamente nada de progressista em uma campanha organicamente vinculada a partidos da burguesia. Mesmo assim, tal campanha recebeu apoio entusiasmado mesmo de grupos de fora do PSOL, como PCR/UP e PCB.
É necessário também falarmos da crescente subordinação do PSOL ao PT, uma consequência lógica do maior peso que a via “repetir o PT” sempre teve sobre a via “ser alternativa ao PT” dentro do PSOL, diante da falta de bases de massas do partido. A entrada de Boulos no PSOL marcou um salto nessa subordinação, levando alguns setores da esquerda do partido até mesmo a “fazerem corpo mole” em sua candidatura à presidência em 2018.
Dizemos tudo isso para deixar claro que a federação com a Rede recentemente aprovada pela Direção Executiva e pelo Diretório Nacional do PSOL, não é nenhum raio em céu azul. Ao invés disso, é a culminação lógica da política que os setores majoritários do partido vêm seguindo desde sua fundação. Outra culminação lógica será a participação em um futuro governo Lula, tema que ainda será votado internamente, mas que já tem o apoio aberto da direção majoritária, que inclusive já tem feito negociações nesse sentido por cima das instâncias internas do partido.
Todos os socialistas e revolucionários devem romper com o PSOL! Superar o centrismo da ‘ala esquerda’!
Cabe agora perguntarmos: e os socialistas do PSOL, como ficam diante disso tudo? Em primeiro lugar, é necessário dizer que eles vem há anos cumprindo um papel de legitimação dos rumos social-liberais e de conciliação de classes da direção majoritária, pois, apesar de internamente se enfrentarem contra esses rumos, externamente sempre acataram as decisões partidárias, mesmo quando denunciavam a ocorrência de fraudes nas votações congressuais. Uma rara exceção foi o boicote (não declarado) de alguns grupos internos à candidatura de Boulos em 2018, que levou a que não fizessem campanha ativa para ele. Porém, mesmo assim, chamaram voto em Boulos. Fora essa exceção, contudo, a minoritária ala socialista do PSOL sempre recua de suas posições em nome da unidade e da disciplina partidária. Com isso, acaba atuando como correia de transmissão da linha social-liberal da direção majoritária no seio dos movimentos sociais em que atua. Na prática, mesmo discordando da direção majoritária, a ala socialista ajuda a sustentá-la, ao fazer campanha para as candidaturas social-liberais, mesmo quando tem relações orgânicas com partidos empresariais e quando recebem financiamento de empresas, e também quando, no dia a dia, ajudam a ganhar filiados e simpatizantes para o partido. Essas correntes já deveriam ter rompido há tempos com o PSOL, para não ficarem subordinadas a um programa que nada tem de socialista. O medo do isolamento, contudo, os fez permanecer e se sujar cada vez mais na lama do social-liberalismo e da colaboração de classes. Isso vai continuar até quando?
A federação com a Rede é o último prego no caixão. Essa federação significa que, pelos próximos 4 anos, o PSOL e a Rede deverão atuar como um só partido no legislativo e devem ter uma direção, programa e estatuto em comum. A Rede é um partido burguês, fundado pelo grupo de Marina Silva após sua saída do PV, ao qual se juntaram dissidentes da ala direita do PSOL, como Helena e Rodrigues. Esse partido contou com o financiamento de elementos como Rodrigo Leal, um dos donos da Natura e vice de Marina Silva em 2010, e Neca Setúbal, uma das herdeiras do Banco Itaú e controladoras da holding Itaú SA. Trata-se, portanto, de uma “semifusão” com um partido burguês, com longa ficha corrida de ataques aos trabalhadores.
É a hora da verdade para os socialistas do PSOL que realmente levam o socialismo a sério. O MES, que nunca se importou com a independência de classe (nunca criticou o financiamento empresarial às candidaturas de Luciana Genro, apoiou a operação Lava Jato etc.) e que é movido por um moralismo de classe média “contra a corrupção” e contra o PT, achou na Rede um aliado natural. Assim, vergonhosamente apoiou essa “semifusão”. Entre os que votaram contra, a Resistência é um grupo reformsita, que fala em socialismo apenas de forma muito abstrata e nos “dias de festa”, atuando como ponta de lança na subordinação do PSOL ao PT junto à direção majoritária (Primavera Socialista e Revolução Solidária).
Já com grupos como a CST, Comuna, Esquerda Marxista, Revolução Brasileira, Centralidade do Trabalho, dentre outros, a situação é diferente. Ainda que tenhamos muitas diferenças com elas, é inegável que são correntes que levantam a necessidade de uma revolução socialista e que atuam no dia a dia da sua militância nos movimentos sociais com uma perspectiva contra o sistema. Nós defendemos que nenhum revolucionário coerente tem lugar num PSOL organicamente ligado à Rede, um PSOL consolidado enquanto uma “ala esquerda” das forças políticas defensoras do capitalismo, o “partido do capital” em sentido amplo. Essas correntes da esquerda devem sair do PSOL. Caso contrário, estarão traindo os ideias pelos quais dizem lutar. É verdade que vivemos tempos de grande desmobilização e que o isolamento não é desejado por ninguém. Mas se essas correntes chamarem por uma reorganização da esquerda socialista, por fora do PSOL, certamente muitos outros grupos se juntarão para debater um programa revolucionário e para construir ações práticas em comum em prol dos interesses da classe trabalhadora. Disso pode sair um partido independente dos trabalhadores, que sirva de plataforma para unificar as lutas, ao ser um fórum ao mesmo tempo de debates e de ações práticas conjuntas, baseado nos sindicatos e movimentos sociais, sem o viés eleitoreiro que o PSOL sempre teve, e com clara independência de classe em relação a partidos burgueses e a financiamento empresarial.
Para isso, é necessário superar o centrismo, a posição ambígua que as correntes da ala esquerda têm demonstrado em toda a sua trajetória. Chamamos os militantes de base do PSOL, especialmente os independentes e membros das correntes da ala esquerda, a pressionarem por um rompimento com esse partido agora integrado por completo à ordem do Estado burguês. Somente traição e cumplicidade com a burguesia, contra a classe trabalhadora, podem vir a partir de agora.