Ameaça contrarrevolucionária à China no Mar da China Meridional

Imperialistas australianos se preparam para a guerra

R. Beiterin. Texto escrito originalmente pelos nossos camaradas australianos do grupo Bolshevik-Leninist, em julho de 2020. http://bolshevik-leninist.org/australian-imperialists-war-drive/

O governo australiano escreveu recentemente uma carta para as Nações Unidas reclamando que as pretensões da China ao Mar da China Meridional são “ilegais”. Esse posicionamento diplomático ocorreu poucos dias depois que, em uma mostra clara de agressão e tentativa de intimidação, navios de guerra australianos se acercaram das fronteiras marítimas chinesas com intenções de minar a presença militar da China no Mar da China Meridional. Isso para não mencionar meses durante os quais navios de guerra australianos e americanos atravessaram de fato as fronteiras das águas chinesas. Essas ameaças recentes à China vêm num momento em que o Primeiro-ministro do Partido Liberal, Scott Morrison, anuncia seu plano de gastar 270 bilhões de dólares no fortalecimento das forças armadas australianas. As razões dele são simples: um Indo-Pacífico “livre da coerção e hegemonia (…) gerido por regras e normas internacionais” – isto é, “livre” do espectro da “influência chinesa” no Indo-Pacífico, especialmente nas próprias águas chinesas no Mar da China Meridional, que os capitalistas de todo o mundo reivindicam como “internacionais” (leia-se, controladas pelos imperialistas). Os objetivos deles não são sutis. Querem “recuperar a China” para o saque imperialista, o que ela era antes de a revolução chinesa os expulsar, estabelecendo um Estado operário, apesar de burocraticamente deformado. Como trotskistas, nós mantemos uma defesa incondicional de todos os Estados operários, não importa quão burocraticamente deformados, o que inclui a defesa das fortificações chinesas no Mar da China Meridional como uma medida-chave em garantir sua segurança, tanto de suas rotas de navegação quanto o acesso às reservas de recursos naturais lá existentes.

O que é um Indo-Pacífico “influenciado pela Austrália” e “livre de coerção e hegemonia”?

Para entender as ações da Austrália, deve-se primeiro observar os verdadeiros objetivos do Estado australiano, por trás das razões declaradas. Ou seja, é preciso olhar para a história de terror imperialista da Austrália no Pacífico em seu esforço para manter o domínio imperialista dos EUA e o seu próprio na região. Isso pôde ser visto facilmente no golpe em Fiji em 1987, quando uma operação militar conjunta dos EUA e da Austrália derrubou o governo que havia banido a permissão de passagem de navios de guerra americanos – uma decisão que foi vista como ameaça ao domínio imperialista na região, que na época estava dedicada à ofensiva antissoviética. É óbvio que a Austrália nunca se preocupou em “defender as águas” de pequenas nações do Indo-Pacífico, muito pelo contrário: são uma força para mantê-las sob controle imperialista, e farão de tudo para garantir que permaneçam assim. Usando a mesma linguagem que fervorosos anticomunistas, o Wall Street Journal comentou nessa época que “Austrália e Nova Zelândia, considerando que prefeririam não se ver cercadas por postos avançados do Império soviético, deverão assumir as maiores responsabilidades pela paz na região” – e que “paz” foi essa!

Enquanto afirmam ser representantes da “lei internacional”, os imperialistas australianos consistentemente desrespeitam tais leis quando é do seu interesse. Em 2002 a Austrália rescindiu seu reconhecimento da decisão do Tribunal Internacional sobre as fronteiras marítimas entre ela e o Timor Leste para poder extrair mais lucros dessa nação subalterna devastada pela pobreza. E tiveram sucesso. Em 2004 a Austrália realizou ações claramente criminosas ao usar o Serviço Secreto de Inteligência australiano para espionar o governo timorense. Isso foi feito para cercear ainda mais esse país nas negociações sobre o acesso da Austrália aos campos de petróleo de Greater Sunrise. O resultado foi um acordo que garantiu um boom para os imperialistas americanos e australianos à custa do Timor Leste, que perdeu dezenas de bilhões de dólares em dividendos. Desde que esse fato foi revelado, o Estado australiano embarcou em uma cruzada legal para perseguir e prender as pessoas que revelaram e publicaram sobre tal espionagem, algo que eles estão fazendo por meio de julgamentos secretos escondidos do público. Hoje o Timor Leste permanece como uma das nações mais pobres da Ásia, enquanto a Austrália tomou bilhões de dólares de petróleo e gás numa região que deveria ser jurisdição de Timor Leste, décadas depois de uma “resolução” e de um acordo terrível, segundo o qual a Austrália continuará a encher os bolsos de uma parte rechonchuda dos lucros extraídos do mar em plena costa de Timor Leste. Fica evidente que a lei internacional é apenas uma arma para os imperialistas. A ser usada para atacar seus inimigos, e ignorada quando estiver sendo inconveniente para eles. De forma simples, os imperialistas australianos não querem um “Indo-Pacífico livre de coerção e hegemonia”, eles querem um Indo-Pacífico livre para a coerção e hegemonia imperialista dos EUA e da Austrália.

O que está em jogo no Mar da China Meridional?

O Mar da China Meridional entre os estreitos de Málaga permite o acesso por mar a todo o Oceano Índico, o que é uma localização-chave para o comércio marítimo. Estima-se que um terço dos navios comerciais do mundo passa pelo Mar da China Meridional [1]. Em 2016, 1,46 trilhão de dólares em transações comerciais passou pelo mar, 39,5% do comércio total da China nesse ano em mercadorias. [2] Isso deixa a China extremamente vulnerável por ser economicamente dependente do Mar da China Meridional. Por anos essa têm sido uma grande preocupação para o Partido Comunista da China (PCCh). O jornal controlado pela seção de juventude do partido afirmou já em 2004 que “Não é exagero dizer que quem controlar o Estreito de Málaga também terá em suas mãos as rotas que abastecem a China”. Com aproximadamente 80% das importações de petróleo da China passando pelo Estreito, tal declaração realmente não é um exagero. Os EUA e a Austrália querem o controle dessa rota comercial vital para, dentre outras coisas, poderem, quando quiserem, como no caso de uma guerra, cortar o acesso da China ao Mar Meridional, quebra-la economicamente.

Se as recentes posturas de guerra se tornarem concretas, é provável que os EUA e a Austrália, com a ajuda de seus lacaios em Taiwan, Malásia, etc. busquem especialmente tal bloqueio naval para estrangular a resistência chinesa. Para impedir uma situação como essa, a China têm construído uma presença no Mar da China Meridional por meio de controle militar de ilhas e corais. Os capitalistas não ignoram esse processo. Diante da propagação do coronavírus, eles começaram a invocar sentimentos antichineses para preparar provocações contra a China. O novo orçamento militar de Morrison é a mais recente dessas ações. As incursões dos EUA e da Austrália no Mar da China Meridional têm a intenção de afirmar dominância nessas águas e expulsar a China, “libertando” a área, ou seja, deixando-a livre para a dominação e exploração pelas potências imperialistas. A Austrália cumpre o papel de sócio imperialista júnior dos EUA e recentemente começou a cumprir um papel mais proativo na luta contra a China. Dois exemplos disso são o aumento do orçamento militar e a enorme campanha contra a China relacionada ao coronavírus. Essas ações devem ser detidas. Os marxistas devem ser pela defesa militar da China, e de suas bases no Mar da China Meridional como uma medida efetiva para defender seus interesses contra possibilidades de estrangulamento imperialista.

Disputas territoriais pelas águas e ilhas do Mar da China Meridional

O bicho-papão da “influência chinesa” propaga a histeria do perigo amarelo

O imperialismo americano há muito tem dominado o Indo-Pacífico, e mesmo os investimentos relativamente pequenos da China na região os lançou num frenesi antichinês. Na realidade, os investimentos chineses não impõem “coerção e hegemonia” na região, e são nanicos se comparados com a sangrenta trajetória do imperialismo australiano no Indo-Pacífico por tanto tempo. O medo de “invasão no quintal” é parte de um mito racista mais amplo de que a China estaria lentamente cercando a Austrália com governos fantoches, e que estaria gradualmente “invadindo” o país. Primeiro, a China “invade” e toma controle da cidade de Hong Kong (no seu próprio país) e depois ela vai “invadir” o resto do Indo-Pacífico antes de finalmente transformar a Austrália em um governo fantoche. E isso não é apenas um delírio dos direitistas mais beligerantes, mas também um sentimento comum entre os partidos que afirmam ser contra o racismo, como o Partido Verde e o Partido Trabalhista Australiano (ALP). O livro de Clive Hamilton, “A invasão silenciosa” simboliza perfeitamente esse sentimento – a capa do livro é uma bandeira chinesa hasteada no alto do parlamento em Camberra em substituição à bandeira australiana. Escrito por um membro do Partido Verde, ele é emblemático de como a postura falsamente antirracista dos capitalistas é jogada pela janela no momento em que é exigido por seus interesses nacionalistas de uma “Austrália autônoma”. O texto espalha a ficção de que a China está “invadindo” a Austrália por meio de suas universidades, instituições governamentais e preparando-se para pôr fim à soberania australiana. Tal invasão seria feita por meio de imigrantes chineses que agem como a “quinta coluna da China na Austrália”, vendo em cada pessoa de etnia Han chinesa um espião em potencial ou inimigo da “democracia australiana”. E a mera tolerância com os australianos de origens chinesas – a noção de que “nem todos são ruins” – estaria ajudando na construção da “hegemonia chinesa” na Austrália. Esses verdadeiros “Protocolos dos Sábios do Comitê Central da China” se tornou um texto de apoio para muitos chauvinistas antichineses, em torno do qual se reúnem. E ele representa as ideias-chave das quais bebe grande parte da classe dominante australiana.

A aliança traiçoeira do Vietnã com o imperialismo dos EUA e da Austrália

No discurso de Morrison anunciando sua cruzada contrarrevolucionária contra a China, ele afirma que o imperialismo australiano “aprofundou a cooperação para defesa e segurança com novos e velhos parceiros, incluindo os Estados Unidos, Japão, Indonésia, Cingapura e Vietnã”. [3] Não é acidental que ele tenha estendido as honras ao Estado operário burocraticamente deformado vietnamita, listado junto com seus aliados imperialistas e regimes lacaios. Décadas após a revolução social que expulsou os capitalistas e proprietários de terra, assim como seus chefes imperialistas, o Vietnã tem, em anos recentes, andado de mãos dadas com o imperialismo dos EUA, e começou a agir como sua pata de apoio. Isso incluiu permitir aos navios de guerra dos EUA e Austrália visitarem os portos vietnamitas e aceitar financiamento dos EUA para sua guarda costeira.

Essas ações lembram a vez em que a China agiu como pata de apoio dos Estados Unidos, ajudando a cruzada antissoviética que culminou com a contrarrevolução, criando a atual ordem mundial na qual a China, por sua vez, é que se tornou o alvo principal dos imperialistas. Em 1979, a China invadiu o Vietnã segundo os interesses americanos, e felizmente foi derrotada. Isso é um reflexo do fato de que as burocracias governantes tanto da China quanto do Vietnã defendem o dogma nacionalista de “socialismo em um só país”. Essas ações não têm nada a ver com os interesses do proletariado mundial, mas sim com os interesses nacionalistas estreitos das castas que se encastelaram no controle dos Estados operários. A solução para isso é a revolução política proletária para varrer as burocracias de ambos os Estados operários deformados. Estados operários saudáveis poderiam resolver esse tipo de disputa territorial facilmente. Com a cooperação entre os dois países para defesa mútua e compartilhamento de recursos, eles poderiam trabalhar conjuntamente para os interesses da revolução mundial e recusar qualquer aliança traiçoeira com os imperialistas.

Por democracia proletária no Estado operário chinês

As recentes provocações dos imperialistas americanos e australianos não são nada novo, mas a mais recente em uma longa série de agressões contra a China. Está claro que nada vai saciá-los além da contrarrevolução. Apesar disso, os PCCh ainda escolhe tentar reconciliar-se com eles. Isso vai de acordo com a sua linha e o dogma stalinista de “socialismo em um só país”, segundo o qual é possível evitar conflitos com o capitalismo mundial e apenas construir o socialismo nacionalmente. Os trotskistas opõem a isso o socialismo internacional, e lutamos pela derrubada política da casta stalinista parasita que ameaça a própria existência dos Estados operários sobre os quais governam, e defendemos a criação de uma liderança marxista genuína. Apesar da liderança burocrática do PCCh, defendemos a China e sua presença no Mar da China Meridional como medidas defensivas contra a penetração e cerco imperialista. Isso não significa que coloquemos qualquer esperança no PCCh, que age apenas na defesa dos seus interesses burocráticos próprios, defendendo o Estado do qual extraem seus privilégios, mas de um forma que, em longo prazo, só poderá levar à contrarrevolução.

Derrotar a cruzada contrarrevolucionária dos imperialistas!
Fora presença militar dos EUA e Austrália do Mar da China Meridional e de todo o Indo-Pacífico!

                                                                                   Notas        

[1] https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/rmt2018_en.pdf
[2] https://chinapower.csis.org/much-trade-transits-south-china-sea/
[3] https://www.pm.gov.au/media/address-launch-2020-defence-strategic-update