Depois do 8 de janeiro

Colocar de pé uma campanha para varrer os militares golpistas e os fascistas!
Trazer a classe trabalhadora para a cena política!
Nenhuma expectativa e confiança no STF ou no governo Lula!

Janeiro de 2022

Na tarde de 8 de janeiro, alguns milhares de bolsonaristas entraram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. A ação vinha sendo preparada ao longo das semanas anteriores, com centenas de ônibus de todo o país se deslocando para a concentração no acampamento bolsonarista em frente ao Quartel General do Exército. Impressionante foi a facilidade com que a aglomeração do que a imprensa rotulou de “bolsonaristas radicais” adentrou a Praça dos Três Poderes. A marcha foi escoltada simpaticamente pela Polícia Militar do Distrito Federal. Policiais posavam para fotos com os invasores ou davam orientações. Somente com o envio de novos destacamentos policiais de outros batalhões e determinações judiciais de Alexandre de Moraes, que ameaçavam o afastamento de autoridades do DF, é que começou a prisão dos contingentes que vandalizavam os prédios. Desde então, uma reação judiciária, policial e midiática parece ter colocado pé no freio dos movimentos desse tipo, colocando-se fim aos “acampamentos patrióticos” que se mantinham com a mais ampla anuência dos chefes do Exército e encerrando à força os últimos bloqueios de rodovias. Lula decretou uma intervenção na área de segurança do DF e o governador eleito (Ibâneis Rocha) foi afastado por Moraes por 90 dias.

A fraqueza da articulação golpista

Chama atenção que os grupos fascistas mais organizados não estiveram em peso na linha de frente da ação em Brasília em 8 de janeiro, o que é uma das diferenças na comparação inevitável com o Capitólio – neste caso, não só houve grupos armados na linha de frente e colunas de pessoas visivelmente treinadas e coordenadas, como houve ataque a um Congresso que estava em sessão, e não vazio, como aqui. Talvez os grupos nominalmente fascistas brasileiros o tenham feito por um instinto de autopreservação, pois relatos sobre o recrutamento nos ônibus que levaram aquela massa humana desprezível mostram desespero e uma notável falta de ponderação, além do aproveitamento do “tudo pago”, traços típicos do bolsonarismo. Os invasores foram claramente orientados pelos organizadores a “quebrar tudo”, coisa que seria muito secundária ou mesmo desnecessária em um golpe de Estado bem articulado.

Ainda assim, o movimento teve claramente financiadores endinheirados. Ao que tudo indica, setores de uma burguesia ligada a atividades do agronegócio, comércio de armas, mineração e extração de madeira ilegal. É provável que alguns desses financiadores também estivessem por trás da tentativa de atentado terrorista planejado em Brasília com um caminhão-bomba, que ainda não está esclarecido. Tudo aponta para uma ala desesperada da burguesia que tem muito a perder com a saída de Bolsonaro, pois não será organicamente tão benquista, favorecida e prestigiada no terceiro governo de Lula, que seguirá a política “progressista” (aos moldes de Biden) dos grandes bancos, das alas mais internacionalizadas e associadas ao capital estrangeiro, e dele dependentes.

Em que medida isso pode ser descrito como uma tentativa efetiva de golpe? Apesar de tudo que a alta cúpula militar ganhou em cargos e vantagens durante o governo Bolsonaro (e que teme perder), nenhuma das três forças entrou de cabeça. No máximo, deram certa cobertura aos acampamentos. As polícias (PF, PRF, PM-DF) tiveram clara simpatia com a comitiva fascistoide durante todo o tempo, mas não agiram pela derrubada do governo. É evidente a penetração dos bolsonaristas no aparato. A ida de Anderson Torres, então secretário de segurança do DF e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, para os EUA e seu provável encontro com o ex-presidente logo depois de desarticular o sistema de segurança de Brasília, demitindo chefias de polícia, indica que houve algum nível de organização e articulação. A derrubada (ou tentativa de derrubada) de torres de transmissão de energia em Rondônia, São Paulo e Paraná, na noite das invasões, não constituiu uma ação “espontânea”, pois mostra que havia, nas sombras, ainda que com imensa debilidade, um plano golpista em nível nacional.

Tal plano, no entanto, nunca esteve perto de qualquer chance de sucesso dada a conjuntura nacional e internacional, que impele os chefes dos Poderes e das Forças Armadas à “responsabilidade democrática” perante os EUA e à grande burguesia a eles associada (logo veremos o que isso quer dizer). Contudo, a própria manifestação dessa articulação mostra o quão entrincheirado está o bolsonarismo no Estado brasileiro. Num texto anterior do Reagrupamento Revolucionário, nós apontávamos:

“Acreditamos que, embora não esteja na ordem do dia a possibilidade de uma tentativa de golpe por parte de Bolsonaro e de setores que o apoiam como forma de se manterem no poder, e que a correlação de forças atual entre as variadas frações da classe burguesa faça com que uma tentativa dessas quase certamente fracasse, por não ter apoio suficiente entre a burguesia nativa e as potências imperialistas, não está descartado que Bolsonaro e cia. possam tentar algo assim no futuro.” (Setembro de 2021)

O objetivo dos fracos golpistas que integravam as alas da burguesia do agronegócio, da mineração, comércio de armas e da extração ilegal de madeira era fazer pressão sobre as Polícias e as Forças Armadas por um retorno de Bolsonaro ao poder. A parcela massiva de aventureiros e fascistoides bancados que atacou Brasília não passou de um artifício. Esses setores da burguesia temem perder seus privilégios e lucros astronômicos diante de outra conjuntura política com o novo governo, perdendo espaço para outros setores do capital. Ainda assim, o quão longe foi permitido que fossem mostra que o movimento bolsonarista ainda tem força e penetração. Por ora, tal movimento deu um passo atrás diante da reação judicial, conforme o fracasso dos novos atos convocados em 11 de janeiro o demonstra. Mas o bolsonarismo não irá embora tão facilmente.

As Forças Armadas

A mídia liberal se espanta hipocritamente com o quanto as FFAA foram colaboracionistas com os eventos do dia 8. As Forças Armadas nunca foram “neutras” em termos de política, nem muito menos se baseiam na “defesa da constituição”, como supõem falas de todos os legalistas, com Lula incluído. Suas lideranças são subordinadas a alas da burguesia internacional e nacional, e sua ação está relacionada às divisões na classe burguesa e às necessidades do capital. Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, houve forte cooptação de figuras de liderança entre os militares para cargos de Estado, que são contados aos milhares. Eles receberam bonanças, privilégios e uma posição mais ativa no Estado brasileiro, o que satisfez os desejosos a essa ambição, muitos dentre os quais estão aqueles que lideraram a missão militar brasileira no Haiti nos primeiros governos Lula, e que, praticamente em sua totalidade, voltaram-se ao bolsonarismo. Posição essa que não é exceção, visto que hoje o comando militar está dividido entre bolsonaristas (por ora) legalistas e bolsonaristas abertamente favoráveis a um golpe.

Os militares brasileiros possuem um vínculo umbilical com o Departamento de Estado dos EUA, sem o apoio do qual não embarcariam em uma aventura golpista. Por outro lado, temem nesse momento que muitos dos seus crimes durante o governo Bolsonaro sejam revelados (a começar pelo seu envolvimento na política antivacina e genocida durante a pandemia de COVID-19). Eles responderam com preocupação à intenção do novo governo de revelar os documentos sob “sigilo de cem anos” do antigo governo. É isso que explica a proteção que deram aos acampamentos de bolsonaristas desde dezembro. Usaram essa massa como bucha para fortalecer sua posição diante do governo Lula e se blindar de possíveis prisões e represálias. Temem pagar pelos crimes nos quais estiveram envolvidos, ainda que a punição seja muito parcial. Porém, não irão muito mais longe que deixar a porta aberta aos aventureiros, ao menos por ora.

As punições a militares até o momento foram absolutamente pontuais e simbólicas. Um coronel bolsonarista da reserva que participou dos atos do dia 8, xingando abertamente a Força, foi exonerado. Nos últimos dias, Lula exonerou do comando do Exército o general Júlio Cezar Arruda, que vinha proibindo a PM-DF de realizar prisões no acampamento em frente ao QG do Exército e se indispondo com o ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, e o interventor indicado para a segurança pública do DF por 30 dias, Ricardo Cappelli. Outro ponto era a recusa em exonerar do cargo de chefia da Unidade de Operações Especiais de GO um braço-direito de Bolsonaro, o coronel Mauro Cid.

A expectativa desses setores do Exército era, sem dúvida, que, com o caos instalado em Brasília, Lula recorresse às Forças Armadas, talvez via um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocasse os militares numa posição de maior força. Frustrados, emergem com mais força os “legalistas”, representados por Miguel Tomás Paiva, que, malgrado sua simpatia certa por Bolsonaro, aceitam a realidade do momento e rejeitam a linha dos bolsonaristas “radicais”. Ao contrário do que falou repetidamente Flávio Dino, de que os militares “agiram de forma notável” e “resistiram ao canto da sereia golpista”, trata-se de um posicionamento pragmático, momentâneo, na defesa dos seus próprios interesses. O golpismo é parte do DNA das Forças Armadas e é preciso colocar de pé, o quanto antes, uma campanha de denúncia do papel das FFAA nos crimes dos quatro anos do governo Bolsonaro, nas benesses e privilégios do alto comando e nas aspirações de um setor significativo de se tornar um tipo de “Poder Moderador”, isto é, um poder que se sobrepõe e  controla outros poderes. Também as polícias Federal, Rodoviária Federal e as PMs pelos estados seguem cheias de bolsonaristas. O governo Lula, porém, preferirá colocar panos-quentes nessa questão em todos os momentos decisivos, pois se pauta não pela mobilização popular, mas pela “paz social”: não pode mobilizar suas bases nem para se proteger, pois isso assustaria o grande capital, em nome de quem governa (vide a passividade diante do golpe de 2016 e da prisão de Lula, por exemplo).

A posição da grande burguesia imperialista

Enquanto uma ala da classe dominante financiou os atos de 8 de janeiro, o arco da grande burguesia do Brasil, os bancos, as alas mais internacionalizadas dos capitalistas e  os seus mestres dos grandes centros imperialistas, de Biden a Macron, todos correram para repudiar os atos e prestar apoio ao governo Lula. Iniciada a reação policial-judiciária e prisões dos articuladores de um golpe, mesmo figuras antes abertamente próximas a Bolsonaro foram rápidas em se desassociarem da massa que depredou as sedes dos Três Poderes.

Se os trabalhadores têm um interesse em impedir as articulações golpistas de militares, bolsonaristas e fascistas, é também muito importante manter todo o alerta com relação a certos “amigos da democracia” que são inimigos dos direitos do povo trabalhador. Dentre estes, estão desde alguns que acabam de desembarcar do governo Bolsonaro e já conseguiram cargos no governo Lula; grandes nomes do empresariado do país que apoiaram todas as “reformas” que arrancaram direitos sociais do proletariado; parlamentares e juízes que auxiliaram o golpe que removeu Dilma do poder em 2016; e, como foi dito, os chefes do sistema imperialista global.

Biden e o Partido Democrata fazem uma pressão golpista na Venezuela há duas décadas, apoiaram o golpe de Estado na Bolívia em 2019, realizam incursões armadas em países como a Líbia e a Síria, promovem insurreições para desarticular governos democraticamente eleitos e aprovam verdadeiros massacres realizados por aliados como a Arábia Saudita e Israel. São também eles que provocaram a guerra na Ucrânia com a expansão da OTAN. Macron não está atrás, com as incursões francesas na África, e na repressão às greves e perseguição aos imigrantes. Em nada se pode considerar esses tipos como “democráticos”.

O motivo de sua postura no atual contexto brasileiro se dá pela conjuntura específica de enfrentamento a adversários similares em seus próprios países (Trump e Marine LePen). Essa corrente, geralmente chamada de “extrema-direita”, busca uma reconfiguração dos regimes capitalistas no Ocidente em busca de uma maior estabilidade reacionária que os regimes democrático-burgueses tradicionais não oferecem no atual cenário de crise. Veem em Bolsonaro um aliado natural no retrocesso e na oposição aos direitos dos oprimidos.

Mas a continuidade do poder dos autodeclarados “democratas” significa a continuação da agonia capitalista, permeada por autoritarismos, guerras, privações e fome enquanto esses centros brigam para se manter no poder. Bastaria uma virada de conjuntura, o medo de uma vitória revolucionária dos trabalhadores, para que todos eles se encontrassem ao lado da mais sangrenta reação, promovendo golpes de Estado e torturas, assim como os imperialistas americanos fizeram em 1964, num contexto de avanço das lutas e influência da Revolução Cubana. A luta contra o bolsonarismo travada por nós, trabalhadores, deve se diferenciar amplamente desses falsos “democratas”.

Os limites da política de conciliação do governo Lula, a “lua de mel” com o STF e o perigo da escalada judiciária

Na cerimônia de posse em 1º de janeiro, Lula, ao mesmo tempo denunciou os crimes do genocida Bolsonaro, mandou uma mensagem na qual afirmava que “esses tempos ficaram para trás” e que também defendia uma “reunificação nacional”, enquanto a multidão que ouvia seu discurso preferiu agitar o coro de “Sem anistia!”. A reação do novo governo Lula aos eventos de 8 de janeiro foi, até este momento em que escrevemos, bastante limitada. Ainda assim, foi muito mais longe do que pretendia originalmente ao caçar algumas figuras do bolsonarismo: a intervenção federal na segurança do DF tem duração de apenas 30 dias e a demissão do então comandante do Exército só ocorreu por completa falta de colaboração da parte dele. A medida mais significativa foi a substituição das chefias da PF e PRF nos estados, mas não há garantia de que os supostos “legalistas” nomeados nas Polícias e no Exército agirão para impedir realmente novas ações reacionárias, dada a ampla penetração do bolsonarismo e o caráter dessas instituições.

Enquanto isso, Lula manteve e confirmou seu ministro da Defesa, José Mucio, praticamente um indicado de confiança dos círculos militares, e que se recusara a enfrentar os acampamentos, sendo simpático o suficiente para dizer que tinha ali amigos e parentes. Flávio Dino, como mencionamos, rendeu homenagem aos generais que “resistiram ao golpismo” . Claramente, há uma preocupação de não ir longe demais a ponto de provocar uma crise com as FFAA, que Lula vem agraciando desde a campanha. Não é possível esquecer que foi em seu governo a criminosa ação no Haiti, que satisfez a ala mais ativa da caserna. Lula revela todos os limites de um governo que depende do apoio de vários setores da burguesia. Mesmo os passos que deu, só o fez impelido pela extrema necessidade do momento. Em nenhum momento a sua política foi de mobilização do povo para enfrentar a reação, muito pelo contrário, e segue demonstrando confiança nessas instituições.

Mais ainda, é o Supremo Tribunal Federal que tem realizado o grosso das ações repressivas. Foi a ação do “homem-forte” de Temer, Alexandre de Moraes, que removeu o então governador do DF, de forma sumária, e deu ordem de prisão ao então secretário de segurança, Anderson Torres. O STF tem conduzido uma onda de repressão aos participantes da farra de 8 de janeiro e outros movimentos bolsonaristas; decretou o congelamento de contas dos financiadores já descobertos; manteve as prisões dos participantes nos presídios da Papuda e Colmeia; ordenou o fechamento de contas de perfis que defendiam a ação em redes sociais (tal qual tinha feito com aqueles que atacavam o STF na véspera das eleições, não apenas as de direita) e busca impedir a posse de congressistas ligados ao bolsonarismo extremista. Por esse “serviço”, o STF tem sido aplaudido pela grande mídia liberal, pelo próprio governo do PT e por setores expressivos da esquerda.

Essa “lua de mel” contra os bolsonaristas tende a não durar. Nesse momento em que há um inimigo em comum, por assim dizer, parece haver uma união dos “democráticos” contra os golpistas. Porém, não devemos esquecer o que é o STF: trata-se do órgão que sancionou todos os ataques contra o povo trabalhador (inclusive quando a Câmara votou contra, como no caso da generalização da terceirização), que chancelou o golpe de 2016, a fraude das eleições de 2018 (com a prisão de Lula) e cuja intenção é a de tutelar os outros Poderes.

Durante o governo Bolsonaro, o Congresso buscou se aproveitar da situação e ganhou muito peso ao chantagear o genocida para não julgar seus crimes. Mas a frágil legitimidade do Legislativo tornou-o presa fácil do Judiciário, que emerge como verdadeiro “dono do jogo” cada vez mais. É uma questão de tempo até que o STF se sinta forte o suficiente para controlar o próprio governo do PT e se volte contra a esquerda, assim que houver alguma disputa mais séria.

Em outros termos, há hoje dois fortes candidatos a “Poder Moderador”, no qual as liberdades democráticas serão restringidas para garantir os lucros dos patrões: as FFAA e o STF. Com os eventos do dia 8 e a participação (ou omissão) das FFAA em outros casos, como a conivência e colaboração com narcogarimpeiros na Terra Indígena Ianomami – que agora (não por caso) vem à tona –, além de toda a lama que recaiu sobre os militares por conta da participação direta no governo Bolsonaro, estes encontram-se momentaneamente acuados – mas de forma alguma derrotados. No outro lado, o STF conta com o apoio entusiasmado de parte da burguesia liberal, desejosa de uma ação de “limpeza” das instituições contra o bolsonarismo e, ao mesmo tempo, ciente de que Lula não é um agente orgânico do grande capital, por mais que se esforce para ser um aliado comportado. Assim, um cenário de crise aparece no horizonte, pois não há condições econômicas para que o terceiro governo de Lula consiga repetir as medidas de inclusão social e redistribuição de renda que, em seus primeiros governos, asseguraram a paz social. Com isso, a burguesia faz uma dupla aposta: o retorno de Lula ao poder, para frear os movimentos sociais através de concessões e cooptações, e o uso de alguma força repressora para assegurar a ordem. Hoje, o STF é o melhor candidato a ser essa força, pois está revestido de uma aura “democrática” e “progressista” ao combater o bolsonarismo, e já vem prestando grandes serviços à burguesia desde a crise de hegemonia aberta em 2013.

É preciso denunciar o papel tutelador que o Judiciário assumiu nos últimos anos. Praticamente nenhum grupo da esquerda comentou o pedido da Advocacia Geral da União feito ao STF após o dia 8, que pedia a “suspensão temporária do direito de manifestação” em geral. O despacho de aceitação de Moraes em relação a esse pedido é  confuso, dando a entender que a decisão seria válida apenas para as manifestações bolsonaristas programadas para 11 de janeiro, porém não deixa isso claro. Não à toa, houve ao menos uma manifestação “pró-democracia” impedida de ocorrer com base nessa decisão do STF, na cidade de Botucatu (SP), no dia 14 de janeiro, sem que o STF ou Moraes repreendessem a “interpretação errada” feita pelas autoridades locais (Prefeitura e PM). Se o clima da luta de classes subir, não há dúvidas de que o STF irá chancelar em larga escala ações como essa contra os movimentos sociais e partidos de esquerda.

Por isso, é uma vergonha que o PT, o PSOL, e os demais partidos que apoiam Lula semeiem confiança ou entusiasmo com as ações do STF, que tem usado de forma bastante livre o vocábulo “terrorismo”. Se não faz sentido estarmos contra a prisão de bolsonaristas específicos, e num sentido prático, estamos contra um golpe militar-bolsonarista, não podemos fechar os olhos para o crescimento do autoritarismo judiciário, quase inquestionado.

Para piorar, o senador e líder da bancada do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede Sustentatibildiade, que está em uma semi-fusão parlamentar com o PSOL), tem falado em preparar um projeto de lei para ampliar a tipificação de “terroristas” para qualquer protesto ou movimento violento ou onde haja enfrentamento com a polícia ou destruição de patrimônio (sendo que, via de regra, é a própria polícia que parte para o confronto) . A classe trabalhadora deve estar terminantemente contra a ampliação dos poderes de punição do Estado burguês, do Judiciário, das Polícias e das Forças Armadas, pois é uma certeza absoluta que essas se voltarão contra nós. A autodefesa das lutas dos oprimidos e do povo trabalhador nada tem a ver com o vandalismo bolsonarista e as ações fascistas. Abaixo a confiança nas forças de repressão do Estado burguês!

Qual deve ser nossa tarefa? Chega de ilusões com o Estado burguês!

Passados vários dias desses eventos, fica provado cabalmente que a confiança nas instituições do Estado se mostrou fatal. O PSOL, representante da “ala esquerda” do governo Lula, pede ação do Ministério Público, uma CPI no Congresso de ladrões e a prisão de Bolsonaro como passo para “desbolsonarizar o país”. Quer que o governo Lula “dê certo” e combate quem o “critica nas redes de forma não parcimoniosa”.

Ora, o que vai impelir essas instituições a agirem, já que permitiram Bolsonaro cometer um genocídio que matou 700 mil pessoas, deixar agonizando os povos indígenas, retroceder direitos dos negros e mulheres, trazer o Brasil à penúria da fome e desemprego, regredir as políticas ambientais e cometer todos os crimes possíveis por um presidente? Essas são ilusões para adormecer a ira que os trabalhadores sentem contra aquele desgoverno assassino, que tendem a deixar morrer a palavra de ordem “Sem anistia” em favor de “deixar o passado para trás”. O STF age para proteger a própria pele e se indigna muito mais com as bravatas de Bolsonaro contra a Corte e os atos de vandalismo do que a condenação de milhões de brasileiros à pobreza e precariedade, da qual costuma ser cúmplice.

A posteriori, Lula se declarou convencido da conivência da Polícia e do Exército com a turba bolsonarista. Mas algo mudou desde as eleições, nas quais ele dizia orgulhoso que “foi o que mais investiu e cuidou das Forças Armadas”? Ou então de lá para cá, quando novamente fez declarações de apoio às FA, “desde que não se metam na política”, dizendo que elas irão “cumprir seu papel constitucional”.  Enquanto isso, não há o mínimo sinal de chamar os trabalhadores e o povo à luta e às ruas para varrer o bolsonarismo do cenário político. Lula se sustenta com base num frágil equilíbrio e disposição entre vários setores das instituições da burguesia. Não pode fazer nada que assuste seus aliados (reais ou imaginários). Assim, é uma questão de tempo até haver novas tentativas reacionárias, com a diferença de que pode ser que no futuro sejam apoiadas por muitos dos falsos “democratas” de hoje, caso a conjuntura mude.

Em vez disso, e ao contrário do que deseja o apaziguador Lula, as organizações da classe trabalhadora, os sindicatos, partidos e movimentos populares devem colocar de pé uma forte campanha de manifestações, paralisações, panfletagens e ações de massa que busque trazer a nossa classe de vez para o cenário político como força independente. Para isso, os alvos principais dessa campanha devem ser os políticos e empresários bolsonaristas, os militares reacionários e os grupelhos fascistas (muitos dos quais estão disfarçados de clubes de tiro). Eles devem ser expostos, desmoralizados e retirados da cena política. Não vão conseguir usar Bolsonaro como único culpado, pois ele é apenas o primeiro na fila de criminosos com quem os trabalhadores vão acertar as contas.

Devemos reivindicar uma série de medidas políticas e sociais que persigam esses objetivos, dentre as quais:

  • Expropriação, no interesse da população, das riquezas e propriedades dos financiadores do golpismo no agronegócio, indústria e comércio;
  • Abaixo todas as benesses e privilégios da casta militar; fim dos salários exorbitantes dos generais; abertura das contas, documentos e devassa de toda a alta cúpula militar e policial que foi conivente com Bolsonaro;
  • Abaixo a escalada autoritária do STF para ser um “poder moderador”;
  • Abaixo as leis “antiterrorismo”, que poderão ser usadas contra os trabalhadores; desmontar os grupelhos fascistas e bolsonaristas pela força do movimento popular;
  • Varrer o golpismo bolsonarista sempre que ele aparecer: povo ativo, nas ruas, é a única esperança; nenhuma expectativa e confiança nas instituições do Estado, no STF ou no governo apaziguador de Lula; pelo direito à autodefesa dos movimentos sociais.