Escândalo Americanas

Os trabalhadores não devem pagar pela crise gerada pelos patrões!

Pablo, fevereiro de 2023

Em 10 de junho de 2021 as Lojas Americanas, detentora da marca no varejo físico, da rede de Hortifruti Natural da Terra, do Grupo Uni.Co (controlador das franquias Imaginarium, Puket, MinD e LoveBrands), da Americanas Delivery e da Vem Conveniência (joint venture com a Vibra Energia, distribuidora da Petrobras, que juntos detinham lojas Americanas Local e BR Mania) anunciaram sua fusão com a B2W (empresa que tinha como principal acionista as LOJAS AMERICANAS S.A), detentora da americanas (varejo online e marketplace), Shoptime e Submarino. [2]

Para isso as Lojas Americanas abriram mão do papel de controlador da nova empresa, atuando apenas como acionista de referência. [3] O anúncio da notícia gerou manchetes otimistas como: “4 motivos para ficar esperançoso com a reorganização da Americanas”, incluindo o rumor da possível aquisição das Lojas Marisa pela nova gigante do varejo [4], ou ainda: “Ação da Americanas pode subir 50%, diz BTG”, citando a expectativa pela valorização dos papéis da empresa que viria a lançar uma batalha judicial com um de seus principais credores [5].

O executivo performático e a bancarrota

Em agosto de 2022 a empresa anunciou a substituição do então presidente, Miguel Gutierrez, que ocupou o cargo por duas décadas, pelo economista Sergio Rial, nome bem quisto pelo mercado, mas sem experiência no varejo. [6]

Rial já atuou em instituições financeiras e indústria alimentícia, durante passagem pelo Santander Brasil caiu nas graças do mercado e foi ‘showmen’ da empresa, nadando com tubarões em um aquário patrocinado pelo banco e descendo de rapel em um estádio de futebol ao som de Missão Impossível.[7] Rial assume a empresa afirmando “prateleiras vazias e geladeiras quebradas são sinal de algo errado”[8], mas os problemas na empresa vão muito além.

Dez dias após assumir o posto de presidente da varejista Americanas, o badalado executivo Sergio Rial anunciou sua demissão, junto a um fato relevante onde a empresa afirmava ter encontrado “inconsistências contábeis” da ordem de R$20 bilhões. [1]

A notícia caiu como uma bomba no mercado, causando a queda de ações, risco de calotes a fornecedores e locatários, troca de farpas entre a empresa e bancos credores e, principalmente, a ameaça de demissões.

O primeiro fato relevante dá conta de R$20 bilhões que teriam passado despercebido inclusive pela auditora PWC, uma das big four, principais empresas do setor. Somado à dívida total da empresa, a americanas s.a tem um rombo acumulado de R$43 bilhões, devendo 16,3 mil credores [9], e mais de R$1,5 bilhão em ações trabalhistas de mais de 17 mil funcionários [10].

A mídia hipocritamente tentou relacionar o rombo provocado pela gestão fraudulenta na empresa a casos de corrupção envolvendo políticos e empresas públicas – onde a corrupção imperaria, ao contrário do setor privado, que seria inerentemente idôneo -, comparando a dívida da americanas com o equivalente a 200 mensalões e 3,2 petrolões. [11]

Imediatamente após o anúncio do rombo, as principais instituições financeiras do país iniciaram uma batalha jurídica – ainda que separadamente – contra a empresa. O mais veemente em seus ataques à gestão foi o BTGPactual, que afirmou em petição à Justiça que os três acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira eram protegidos por serem: ”  (…) os homens mais ricos do Brasil (…) semideuses do capitalismo mundial (…) pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio”. [12]

O trio 3G afirma que não tinha conhecimento sobre o rombo na empresa e nega a existência de fraude [13], mas não explica por que venderam grande parte das ações da empresa, inclusive as ordinárias, logo após o anúncio de Rial como novo presidente, aproveitando a alta das ações com a notícia. O trio deixou o Conselho de Administração da empresa ainda em 2021, manteve o pagamento de altos dividendos aos acionistas e prêmios aos executivos muito acima da média das outras empresas do setor. [14]

Com Rial estando diretamente ligado a empresas com negócios com a Americanas, entre elas o Santander, um dos principais credores e onde Rial era integrante do Conselho, e da Vibra Energia, onde ocupa o posto de chairman, tudo indica que o executivo não quis comprometer-se com o escândalo vindouro. Depois de cinco meses entre seu anúncio e a posse do cargo, em 2 de janeiro de 2023, a única ‘tarefa’ do presidente foi anunciar o rombo em 11 de janeiro, em videoconferência para o BMG anunciou que deixaria o comando da empresa, dias depois a Vibra Energia encerra a joint venture com a americanas s.a [16] e Rial deixa o posto no Santander.[17]

Horas antes da divulgação do fato relevante, a americanas s.a tentou resgatar nada menos que R$800 milhões em investimentos no BTGPactual, seguida de uma corrida para evitar a cobrança de dívidas por credores, conseguindo até mesmo recuperar R$1,2 bilhão que haviam sido recuperados pelo BTG. Para proteger-se a empresa apelou ao judiciário fluminense, com larga influência da família Zveiter, onde atua o advogado Sérgio Zveiter, representante da americanas s.a. [15]

O trio já esteve envolvido em outros escândalos devido às suas práticas comerciais. Quase levou à falência o Banco Garantia, vendeu a ALL (América Latina Logística) à Cosan com a malha viária destruída e a contabilidade sob suspeita de fraudes [18], ainda na empresa, foram condenados a pagar R$15 milhões por danos morais coletivos, acusados de trabalho escravo [19]. Em setembro de 2021 foram condenados pela equivalente ao CVM (Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA a pagar US$ 62 milhões em acordo para encerrar investigações sobre fraude contábil na KraftHeinz.[20]

O grupo ainda foi colocado sob suspeita sobre a aquisição das estatais Telemar e mais recentemente a Eletrobras, privatizada pala bagatela de R$33 bilhões – podendo ser quitada com o que a americanas deixou de pagar -, pela atuação do governo FHC e do CADE autorizando a criação do monopólio Ambev, com a fusão de Brahma e Antarctica, a imposição de que funcionários das americanas trabalhassem durante a pandemia, de maneira velada, e o uso  de mão de obra escrava em terceirizadas que produzem para as marcas peóprias da empresa. [21]

A cultura corporativa disseminada pelo trio 3G, e personificada na figura de Jorge Paulo Lemman tornou-se modelo entre empresas e disseminada como doutrina pelo guru do capitalismo brasileiro. Recompensar executivos com altos prêmios, promover acompetição entre departamentos da empresa, impor metas irrealizáveis aos subordinados, manter empregados sob ameaça constante de demissão, salários irrisórios, constantes cortes de custos,[22] asfixia de fornecedores pelo estabelecimento de critérios que atendam aos seus interesses e atrasos no pagamento de contratos,[23] manipulação da contabilidade da empresa, escondendo dívidas e mantendo o pagamento de dividendos criando um verdadeiro esquema de pirâmide sob os auspícios da CVM.

O impacto sobre os trabalhadores

Hoje a americanas é uma das 5 maiores varejistas do país, liderando o setor de departamentos e franquias [24]. A empresa emprega diretamente 44 mil pessoas, mas estima-se que mais de 100 mil trabalhadores podem ser atingidos indiretamente por um possível fechamento da empresa.[25]O varejo é hoje um dos setores que mais emprega, sendo destaque quando considerado a porcentagem de trabalhadores que ainda contam com os direitos oriundos da CLT [26].

Com a crise envolvendo a empresa os trabalhadores são o principal alvo na busca de solvência pela empresa. No primeiro dia de fevereiro a empresa encerrou as operações do seu canal de televendas [27], fornecedores começaram a demitir e alegam ser ‘inevitável’ demissão em massa para garantir a recuperação [28], a empresa já dispensou os serviços de terceirizadas e prepara um plano de reestruturação que envolve cortes de gastos, fechamento de lojas menos rentáveis, fim de contratos com empresas de logística e terceirizadores, alegando a necessidade de cortar gastos de maneira “rápida e eficiente”[29], ou seja, a empresa jogará nas costas dos trabalhadores os custos gerados pelas consequências das decisões de seus administradores.

O escândalo envolvendo a americanas s.a não é uma exceção à regra no mercado, nem deve ser visto como apenas uma falha moral de seus executivos[30], para além da implosão das ações após o anúncio do rombo e o pedido de recuperação judicial, a americanas foi testemunha da lógica que seus executivos sempre pregaram e tornou-se visão hegemônica no mercado, a de rebaixamento dos salários a níveis escorchantes, a exploração extrema da força de trabalho, a manutenção de altas taxas de desemprego e, com isso, o rebaixamento do nível de consumo de seus próprios clientes [31]. Muito mais importante do que manter abertas as quase 4 mil lojas da companhia, o que o trio 3G quer é evitar que o escândalo atinja as ações de seus outros investimentos, e o risco de uma ação coletiva com custos elevados e o risco de uma possível prisão. [32]

É comum o Estado socorrer grandes empresas, ao perdoar dívidas e fornecer empréstimos a juros baixos. Algo assim já está em curso no caso das Americanas e serão os trabalhadores que pagarão a conta se não houver um forte movimento em prol de um programa de garantia dos empregos e salários, pois nesses casos os patrões se salvam cortando os custos de mão de obra e afanando o dinheiro público. A entidade sindical que representa a categoria dos funcionários das Americanas a nível nacional, a Fecomerciários, age como cúmplice desses ataques patronais, ao se limitar a realizar uma rodada de protestos simbólicos (sem paralisação do trabalho) e exigir, através de PL apresentado à Câmara dos Deputados por seu presidente, o deputado Luiz Carlos Motta (PL), que o sindicato seja incluído como mediador das demissões. Ao invés dessa postura do sindicato, de pau-mandados dos patrões, os funcionários precisam organizar assembleias por locais de trabalho e fortes atos unificados com outros movimentos sociais em prol de um programa que incluía:

  • Nenhuma demissão e nenhum corte salarial!
  • Confisco dos bens e lucros dos grandes acionistas para pagar os trabalhadores!
  • Estatização e controle dos trabalhadores sobre as empresas que estiverem em falência!

Notas

[1] https://www.metropoles.com/negocios/sergio-rial-deixa-a-presidencia-da-americanas-apos-identificar-rombo

[2] https://mercadoeconsumo.com.br/10/06/2021/destaque-do-dia/fusao-de-lojas-americanas-e-b2w-e-aprovada-pelas-duas-companhias/

[3] https://www.moneytimes.com.br/americanas-s-a-prepara-incorporacao-da-lojas-americanas-para-simplificar-estrutura/

[4] https://www.moneytimes.com.br/4-motivos-para-ficar-esperancoso-com-a-reorganizacao-da-americanas-amer3/

[5] https://www.moneytimes.com.br/acao-da-americanas-pode-subir-50-diz-btg/

[6] https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/amer3-perspectivas-novo-ceo/

[7] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/01/12/quem-e-sergio-rial-ceo-americanas.htm

[8] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/12/06/prateleira-vazia-ou-geladeira-sem-funcionar-sao-sinal-de-algo-errado-diz-rial-sobre-americanas.ghtml?utm_source=headtopics&utm_medium=news&utm_campaign=2022-12-07

[9] https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/20/de-r-20-bilhoes-para-r-43-bilhoes-entenda-a-divida-da-americanas.ghtml

[10] https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/26/americanas-as-duvidas-dos-44-mil-funcionarios-sobre-seu-futuro-em-meio-a-recuperacao-judicial.ghtml

[11] https://www.moneytimes.com.br/rombo-da-amer3-e-200x-maior-que-mensalao-3x-maior-que-impacto-do-petrolao-na-petrobras/amp/

[12] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/01/16/semideuses-ma-fe-fraude-o-que-diz-o-btg-em-acao-contra-americanas.htm

[13] https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2023/01/24/lemann-telles-e-sicupira-quem-sao-os-maiores-acionistas-das-americanas-que-negam-que-sabiam-de-rombo-bilionario.htm

[14] https://jornalggn.com.br/coluna-economica/a-3g-de-jorge-paulo-lemann-tenta-explicar-o-golpe/

[15] https://jornalggn.com.br/xadrez-2/xadrez-das-evidencias-do-golpe-das-americanas-por-luis-nassif/

[16] https://www.poder360.com.br/economia/vibra-energia-encerra-parceria-com-a-americanas-no-varejo/

[17] https://www.poder360.com.br/economia/sergio-rial-deixa-a-presidencia-do-santander-brasil/

[18] https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2023/01/23/semideuses-do-capitalismo-lemann-e-socios-ja-sao-tidos-como-fraudadores.htm

[19] https://www.prt2.mpt.mp.br/268-all-america-latina-logistica-e-condenada-em-15-milhoes-por-trabalho-escravo

[20] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/09/03/kraft-heinz-faz-acordo-de-us-62-mi-para-encerrar-investigacao-de-fraude-contabil.ghtml

[21] https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2013/02/22/justica-investiga-responsabilidade-das-lojas-americanas-em-esquema-de-trabalho-escravo.htm

[22] https://exame.com/exame-in/caso-americanas-phd-em-governanca-faz-autopsia-do-modelo-3g-e-de-suas-obsessoes/amp/

[23] https://jornalggn.com.br/noticia/americanas-deu-calote-de-r-7-milhoes-em-transportadora/

[24] https://forbes.com.br/forbes-money/2022/08/carrefour-lidera-ranking-de-maiores-varejistas-do-brasil/

[25] https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2023/01/17/o-que-pode-acontecer-com-os-44-mil-trabalhadores-da-americanas.htm

[26] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62391283

[27] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/02/01/americanas-cancelam-servico-televendas.htm

[28] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/02/01/americanas-cancelam-servico-televendas.htm

[29] https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/02/americanas-interrompe-contratos-de-terceirizados-e-contrata-advogados-de-lula.ghtml

[30] https://aterraeredonda.com.br/o-calote-das-americanas/?utm_term=2023-01-29

[31] https://aterraeredonda.com.br/as-americanas-vem-abaixo/?utm_term=2023-01-22

[32] https://www.brasil247.com/economia/investidor-que-ja-foi-preso-nos-eua-diz-que-lemann-vai-salvar-americanas-para-nao-terminar-na-cadeia