Sobre o fim das relações fraternas com o Bolshevik-Leninist (Austrália)

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Publicamos abaixo nossa resposta (23 de fevereiro de 2024, ligeiramente editada) ao Bolshevik-Leninist (Austrália), em resposta a uma carta que o BL nos escreveu (datada de 1º de fevereiro). A leitura desse documento explica o fim de nossas relações fraternas com os companheiros do BL, enquanto eles se preparam para uma conferência de fusão com a Spartacist League Australia, seção da ICL, em março de 2024.

Carta do Reagrupamento Revolucionário para o Bolshevik-Leninist, diante da Conferência de fusão com a Spartacist League Australia

23 de fevereiro de 2024

Caros camaradas. Lemos com atenção sua carta dirigida a nós e ao ABRI [Angkatan Bolshevik Revolusioner Internasionalis – Indonesia] de 1º de fevereiro. Buscaremos aqui sintetizar as nossas visões sobre os temas levantados. Como explicado, não nos é possível comparecer presencialmente à sua conferência por questões de logística e de custos. Buscamos responder a carta do BL [Bolshevik-Leninst] australiano endereçada a nós e aproveitamos para nos dirigir aos participantes da sua conferência conjunta com a SL-A [Spartacist League Austrália] no início de março.

Vocês começam a carta descrevendo a reorientação do BL no último período, a mudança das posições que nós tínhamos em comum e a aproximação com a SL-A, e questionando nossa caracterização da ICL. Temos algo a dizer sobre isso.

Sobre a ICL, nossa caracterização de que eram adversários políticos degenerados em termos de programa e regime foi criticada. Curiosamente, a atual ICL concorda com vários elementos dessa caracterização sobre seu próprio passado, muito embora eles estejam fazendo uma revisão muito mais ampla da tradição da qual se originaram, que não segue necessariamente as mesmas linhas das críticas que temos. Eles também dizem estar investigando aspectos de seu próprio passado burocrático, mas já renunciaram a elementos como a expulsão e rompimento de relações de forma covarde com aqueles que hoje constituem a liderança do IG [Grupo Internacionalista] e da LQB [Liga Quarta-Internacionalista do Brasil].

Vamos aqui repetir alguns pontos do que percebemos sobre essa “nova transformação”. A ICL parou por ora de tratar outros grupos na esquerda que se reivindica revolucionária como inimigos mortais, “traidores”, de encontrar formas de ataca-los para tentar destruir. Não estamos falando aqui do evidente direito de criticar politicamente (mesmo duramente), mas das calúnias e constante hostilidade que tenta destruir em vez de atrair os setores dinâmicos e revolucionários [das organizações centristas]. Isso é algo que o IG mantém, apesar do seu programa mais acertado no papel. A SL aumentou significativamente sua intervenção e atividade pública, inclusive se abrindo a frentes únicas e debates, o que também é um desenvolvimento positivo. Nem todas as revisões de posição foram erradas em Spartacist #68, conforme nós já falamos em algumas ocasiões.

Porém, a atual ICL acredita que estão “descobrindo a roda” ao propor uma intervenção tática mais ativa, ao dizer aos trabalhadores e à vanguarda “o que precisa ser feito” em vez de meras proclamações e sectarismo contra outros grupos. Se essa for a intenção deles, eles se beneficiariam muito de estudar o Espartaquismo dos anos 1960 e 1970, quando a SL interviu inteligentemente nas lutas sindicais, pelos direitos civis, na defesa dos Estados operários degenerados e a favor das nações oprimidas contra o imperialismo, e com uma posição política muito mais clara e consistente do que a atual ICL. Especialmente a análise das suas intervenções sindicais (que foram drasticamente diminuídas nos meados dos anos 1980 pelo fechamento das suas colaterais sindicais) nos chamaram grande atenção positivamente para nos ganhar à tradição do Espartaquismo, assim como a oposição deles à degeneração revisionista dos ramos principais do trotskismo.

Mesmo no seu melhor período, o Espartaquismo nunca foi desprovido de erros e posições problemáticas em questões secundárias, geralmente derivadas de excessos para se demarcar contra o oportunismo “trotskista” com o qual se enfrentavam. Porém, a atual narrativa alardeada pela ICL sobre seu próprio passado exagera – e muito – o significado desses desvios, como forma de apresentar uma mudança “inovadora” e justificar cada uma de suas novas posições em torno de um necessário “rompimento com o passado”. A ICL passou por um período de longa degeneração na forma de engessamento burocrático e sectário, que teve sua maior característica na “mentalidade de bunker” e nos ataques rasteiros e caluniosos a grupos na esquerda. Isso foi combinado com um constante aparecimento de posições e impulsos oportunistas que o regime engessado não deixava corrigir, o que a dotava de certo caráter aparentemente “aleatório”, marcado de inconsistência e estranheza.

A iSt/ICL passou por vários momentos em sua evolução de décadas, com nuances e contradições. Do ponto de vista político, de forma sucinta, passou de (1) um grupo com intenções e programa revolucionário com desejo e alguma capacidade de intervir na realidade; (2) uma seita estéril, isolada e cheia de hostilidade à esquerda adversária que se reivindica revolucionária; (3) a atual versão, que acredita ter descoberto um novo “segredo perdido” do marxismo em ter uma intervenção prática mais concreta, e que tira conclusões políticas que se afastam de forma aberta do “Espartaquismo histórico” (não apenas o “tipo 2”, mas também o “tipo 1”). Essa transformação não foi mecânica, mais gradual e com ziguezagues, ainda com pontos de inflexão significativos que marcavam a mudança. Não há espaço aqui para desenvolver sobre isso melhor, algo que poderemos fazer em um documento público futuro.

Não nos recusamos a debater com a nova ICL e também participaríamos de frentes únicas conjuntas com eles (bem como com outros grupos) em questões de interesse comum da classe trabalhadora. Porém, não é um grupo que nos inspira interesse de aproximação para uma fusão ou reagrupamento, algo que desenvolveremos melhor no decorrer deste documento. Também achamos que mudanças como a que é prometida não se realizam no curso de pouco tempo, especialmente quando quadros que construíram o grupo de “tipo 2” durante décadas seguem não apenas na organização, mas em postos de liderança. Seguiremos atentos e, se houver oportunidade, interviremos sobre esse processo de transformação da ICL.

O BL fez uma transformação parecida dentro do curso de 1 ano

Há pouco mais de um ano atrás, o BL parecia compartilhar conosco a perspectiva de consolidação de um pequeno grupo com a intenção de intervir com um programa revolucionário nas lutas de classe e construir um núcleo revolucionário proletário internacional. Ainda dentro dessa perspectiva, vocês evoluíram de uma “coleção de indivíduos” dispersos, a ter um pequeno núcleo em Melbourne. Nós estávamos inclusive ajudando vocês na educação de um contato nessa perspectiva, buscando ajudar vocês a produzir documentos, etc. Colaboramos bastante na produção de um programa internacional comum, um documento do qual nos orgulhamos, e buscamos aprofundar nossa colaboração, tal qual com os companheiros do ABRI.

Sempre tivemos as dificuldades por sermos organizações muito pequenas e afastadas geograficamente, o que dificultou muito tal perspectiva. Também tínhamos, tanto nós quanto vocês, momentos de maiores dificuldades e menor coesão interna para intervir de forma bem sucedida nas lutas de classe com uma tática inteligente e potente (“afiada”) contra as atuais lideranças da classe trabalhadora. Quando foi o caso, isso nunca foi uma situação “aceita”, mas algo que sempre buscamos superar.

O BL parece entender incorretamente que as dificuldades de um grupo pequeno (que inevitavelmente não consegue colocar em prática a maior parte das posições que defende) com uma falta de interesse em produzir uma tática eficiente ou em lutar para desbancar as lideranças atuais (pro-burguesas) da classe trabalhadora, um ponto que vocês repetem ad infinito no documento de vocês na forma da acusação de que nós só produzimos “meras palavras abstratas, ainda que corretas”, “denúncias vazias”, etc., atribuindo isso ao RR, ao “antigo BL” e ao “Espartaquismo histórico”. Percebemos que o BL parece sempre ter sido menos capaz de táticas e intervenções mais concretas e “ousadas”, algo que agora vocês projetam sobre nós, alegando que o RR “não apresenta nenhum caminho para as massas romperem com o PT” (no Brasil), além de “declarações abstratas”.

Não é assim que vemos a questão. Ao longo de nossa trajetória, chamamos repetidamente setores da esquerda a frentes únicas, participamos em algumas delas para construção de ações e eventos que promovessem a luta de classe (ao mesmo tempo em que pontuávamos nossas críticas e defendíamos nossas posições de forma clara); intervimos nas eleições burguesas participando de campanhas que mantinham uma mínima independência de classe (como do PSTU ou PCB em diferentes ocasiões); chamamos em vários momentos a um rompimento de setores autoproclamados trotskistas e revolucionários com o PSOL conforme esse partido girava à direita e se aliava com setores da burguesia, como forma de pressionar suas bases contra as direções; construímos eventos em que fomos reconhecidos como um grupo sério por outros setores da esquerda; intervimos em greves da classe trabalhadora quando tivemos oportunidade, pressionando por um rompimento com as direções sindicais burocráticas do PT, especialmente entre os trabalhadores da educação, em que estamos mais concentrados; buscamos também reagrupamentos e aproximações com grupos nacional e internacionalmente quando vimos oportunidade.

Tudo isso pode ser constatado em nossos documentos no nosso site, e vocês podem saber pelas nossas conversas ao longo dos nossos anos de relações fraternas. Também sempre buscamos sugerir táticas a vocês e aos nossos companheiros do ABRI apesar de nosso conhecimento menor da situação concreta. Todo grupo pequeno tem, é claro, altos e baixos, e isso reflete na dificuldade de apresentar uma perspectiva concreta à classe trabalhadora em alguns momentos.

Antes da sua própria atual encarnação, na qual parece que o BL “descobriu a roda”, porém, o grupo de vocês também passou por um momento como grupo sectário de “tipo 2” (conforme nossa análise da evolução da ICL). Lembremos que vocês nos atacaram como oportunistas enraizados, conectaram erros menores em nossa trajetória sem o menor critério, e disseram que “traímos a classe trabalhadora”, “cruzamos a linha de classe”, “capitulamos ao imperialismo”, etc. porque votamos criticamente no PSTU (um grupo “trotskista” morenista, centrista do Brasil) nas eleições de 2022, devido a certas posições deles. (Nosso próprio balanço crítico sobre essa questão envolve uma percepção muito mais tática sobre a utilidade e limitações de tal “voto crítico” quando não temos tantas oportunidades de falar com a base do partido votado, assim como da insuficiência da nossa declaração eleitoral desse ano).

As críticas sectárias produzidas por vocês, vocês acabaram por renunciar completamente. Lembremos que seguido à nossa reunião estressante e ridícula com Negrete, do IG, no qual achávamos que podíamos ter um diálogo de aproximação e ele disse que nós do RR éramos “uma perda de tempo” e que “tinha provas das nossas traições” que consistiam em uma série de calúnias e ataques vitriólicos sem sentido contra nós, para tentar ganhar vocês com base nisso, vocês, logo depois, adotaram uma linha similar à deles sobre essa questão das eleições burguesas no Brasil, algo que nos fez imaginar (erradamente) que vocês estavam se aproximando do IG. Algum tempo depois, vocês romperam conosco de forma unilateral por conta de tais críticas (hoje descartadas), e depois de alguns dias voltaram atrás.

Nós lembramos de ter comentado internamente numa reunião, quando vocês anunciaram que iam construir uma frente única com a SL-Austrália sobre a questão do AUKUS, que isso era um desenvolvimento positivo, pois significava que estariam fazendo algo no mundo real em vez de se dedicarem a ficar escrevendo páginas e mais páginas intermináveis contra nós, de forma desproporcional e vitriólica, cheias de acusações grandiloquentes sobre cada pequeno erro que havíamos cometido em nossa história. Muito rapidamente, entretanto, percebemos que vocês estavam sendo acríticos em relação à SL-A, ao perguntarmos se vocês iam levantar a crítica sobre a posição da Ucrânia da ICL no fórum do “Chuck AUKUS Hawks” em Melbourne e vocês disseram que “não tinham mais certeza da posição” e, portanto, não fariam essa crítica, nem sobre a questão da pandemia, e nem qualquer outra. Isso depois ficou patente na “Saudação” acrítica de vocês no congresso da ICL, algo que nós criticamos como o mais completo impressionismo.

[AUKUS é o nome do recente acordo de cooperação militar imperialista anti-China entre a Austrália, Reino Unido e Estados Unidos]

Na carta de vocês, vocês se orgulham de sua intervenção na campanha do “Sim” na questão do referendo do “The voice” da Austrália, a “campanha pelo sim anti-Albanese”. Mas nós próprios sugerimos a vocês que votar pelo “Sim” fazendo críticas era a melhor ideia, ou então uma abstenção na qual vocês explicassem a posição à vanguarda e à classe trabalhadora. Mais de um documento foi escrito pelo BL criticando essa perspectiva como uma capitulação ao sentimento liberal, e defendendo que a posição correta era votar “Não”, para se demarcar do Labour Party e dos “progressistas”. Até mesmo a abstenção era inaceitável, pois seria uma capitulação a tal “pressão burguesa”. Qual não foi nossa surpresa quando, passado algum tempo, ao conversar novamente com vocês, vocês falaram sua nova posição, que era um giro completo de 180 graus da posição anterior, no período de algumas semanas, logo depois de nos criticarem duramente.

Esse período vocês descrevem na recente carta de vocês como “rigidez estéril” e dizem que não mais reivindicam esses documentos escritos. Ao mesmo tempo, porém, vocês também renunciam a TODOS os documentos produzidos pelo BL, inclusive aqueles com nossa colaboração, e incluído, ao que parece, o documento fundacional do BL, “Por um núcleo marxista na Austrália” (https://bolshevik-leninist.org/for-a-marxist-nucleus-in-australia/). Ou seja, tal qual a ICL, vocês não querem corrigir apenas os desvios sectários, superar a ocasional falta de uma tática “mais afiada”, mas sim “romper com a política centrista da história do BL como tendência”, incluindo todas as nossas posições compartilhadas ao longo dos anos, que para vocês refletem o “fracasso do RR” e do “antigo BL”, na questão da liderança revolucionária.

Em meio à carta de vocês na qual todas essas questões são desenvolvidas, vocês falam da intenção de “manter relações fraternais” mesmo após a fusão que vocês pretendem realizar com a SL-A. Nós perguntamos: como, camaradas? Vocês agora estarão numa organização comum com a SL-Austrália e compartilharão das posições deles. Nós não temos relações fraternais com a SL-A ou com a ICL. Estamos acompanhando a evolução deles, mas grande parte do que estamos vendo, nós não temos acordo e não desejamos nos aproximar deles para fins de fusão ou reagrupamento.

Diante disso, e não tomamos essa decisão de forma leve, fica claro que diante dessa fusão, as relações fraternas com o BL devem ser encerradas oficialmente. Não passaremos a considerar vocês “inimigos mortais” ou “traidores da classe trabalhadora” como o Espartaquismo “tipo 2” certamente faria. Não queremos repetir a degeneração do Espartaquismo. Estamos abertos a colaborações políticas diversas e frentes únicas, etc. Mas simplesmente não é mais possível mantermos relações fraternais quando vocês abertamente abandonaram toda a trajetória comum que construímos. Não temos interesse de seguir o “novo rumo” ao qual vocês nos convidam. Agora, finalmente, acreditamos que os documentos de discussão principais produzidos ao longo desse último período devem ser tornados públicos, para que a vanguarda da classe trabalhadora internacional entenda nossas posições (retirando-se, é claro, as partes que envolvam nomes ou questões particulares ou sensíveis).

As novas posições do BL sintonizadas às da ICL

Nós já escrevemos anteriormente sobre a maior parte das posições específicas desenvolvidas no documento de vocês em nossa carta de 20 de setembro de 2023. Acreditamos que é um importante documento a ser revisitado para compreender nossas posições. Vamos elaborar um pouco mais sobre os argumentos que vocês levantam em sua carta de 1º de fevereiro.

a) A questão do Labour Party na Austrália (e também na Grã-Bretanha)

Vocês descrevem a atual política de vocês em torno da campanha do “Chuck AUKUS Hawks out of Labour” [Coloquem os falcões do AUKUS para fora do Partido Trabalhista]. Como explicamos anteriormente, não temos nada em princípio contra essa demanda, que chama setores de base ou de esquerda do ALP a fazer uma “experiência” de tentar expulsar os políticos abertamente pró-imperialistas do partido, o que incluiria a maior parte dos seus parlamentares e inclusive o atual Primeiro-ministro da Austrália (ou seja, algo que evidentemente não vai acontecer).

Por isso, alertamos que é uma tática que não tem sentido em ser de longa duração, pois em algum momento é necessário dizer a qualquer base de esquerda do ALP: “Estão vendo? O ALP não tem remédio, ele vai prosseguir com o AUKUS. São vocês que precisam romper com o partido, ele vai continuar sendo uma ferramenta pró-imperialista”. Até agora não escutamos nada do BL sobre isso. Ao contrário, como vocês estão se preparando para fundir com a SL-A, parece que vocês vão entrar no ALP, já que defendem essa postura deles. Vocês deveriam estar militando nos sindicatos e nos eventos políticos, próximos a qualquer base mais radicalizada ou à esquerda do ALP, mas chamando ela a romper, em vez de entrarem vocês nesse partido pro-imperialista.

No seu documento, vocês defendem a entrada do BL no ALP como uma tática que aprofunda a demanda do “Chuck them out”, e falam que o fato de sermos contra a entrada no Labour Party nesse momento é “uma rejeição ao 2º Congresso da Comintern, quando Lenin argumentou a favor de os comunistas não só entrarem, mas se afiliarem ao BLP”. Nós reconhecemos o entrismo como uma tática. Nós tivemos acordo com o trabalho dos camaradas do ABRI em uma organização de juventude socialista centrista na Indonésia, por exemplo. Nós próprios sempre dissemos que os trotskistas deveriam ter feito entrismo no PT do Brasil nos anos logo após a sua fundação nos anos 1980. Nós reivindicamos a tática histórica de entrismo do movimento trotskista em alguns partidos socialdemocratas na década de 1930, num momento em que esses partidos deram um nítido giro à esquerda e recrutaram uma grande camada de jovens e trabalhadores insatisfeitos com o stalinismo. Não somos sectários sobre essa questão. Houve outras discussões sobre a situação no Brasil, por exemplo, na qual falamos de situações nas quais essa tática seria aplicável hipoteticamente.

Mas a aplicação dela na Austrália com relação ao Labour Party nesse momento não nos parece fazer sentido (pelo menos não num sentido revolucionário). Vocês fazem um grande estardalhaço sobre a questão de termos dito que o ALP está no governo no atual momento, e que esse não poderia ser o critério dos comunistas. Concordam que esse é um dos governos trabalhistas mais direitistas e pró-imperialistas da história, mas dizem que “Nós não vamos esperar que o programa deles fique mais palatável antes de lutar para romper os trabalhadores da sua má liderança”. Com base nesse argumento, poder-se-ia defender entrar em praticamente qualquer partido, não apenas socialdemocrata, mas capitalista em geral, que contasse com apoio de setores amplos da classe trabalhadora por meios burocráticos.

O que quisemos dizer é que o ALP, ao estar no governo e conduzir o AUKUS e outras posições claramente de direita, certamente não está atraindo nenhuma camada de juventude e trabalhadores radicalizados para seu interior (situação na qual a tática de entrismo seria admissível). O British Labour Party em 1920 tinha em sua campanha eleitoral demandas pelo socialismo, nacionalização da indústria e controle operário e se colocava como oposição. É claro que ele trairia essas reivindicações, como fez no pós-guerra. Mas era completamente compreensível que os trabalhadores com impulsos revolucionários entrassem nesse partido, justificando a tática proposta por Lenin aos comunistas britânicos. Não se trata de querer um “programa mais palatável” e sim de ir onde efetivamente os setores mais dinâmicos da classe trabalhadora estão se dirigindo. O ALP não se coloca nem como oposição à austeridade neoliberal, nem ao militarismo imperialista, nem à classe dominante. Ao contrário, serve abertamente a eles.

Nesse sentido, como nosso objetivo estratégico é ROMPER o apoio e a base operária do Labour Party, e não “lutar para transformá-lo” ou empurrá-lo para a esquerda, ou melhorá-lo tirando os políticos mais direitistas (que é a perspectiva revisionista /pablista do “entrismo sui generis”), não faz nenhum sentido entrar no Partido Trabalhista da Austrália nesse momento sob alguma justificativa tática. É preciso converter a posição do “Chuck them out” em uma de “Rompam já com o Labour Party do imperialismo”, muito em breve, algo que vocês não parecem estar se preparando para fazer. Vocês deveriam conectar qualquer possível impulso da base em “testar” o seu partido (como um referendo interno para se posicionar contra o AUKUS) em uma campanha para que esses elementos abandonassem o partido diante de seu inevitável fracasso em reformá-lo.

O mesmo pode se dizer do BLP, que deu um giro significativo recente para a direita. Recentemente a ICL defendeu num panfleto a linha de “Não saiam, lutem!”, diante do fato de políticos mais à esquerda e seus apoiadores rompendo com o giro à direita e a política pro-sionista do BLP. Os revolucionários deveriam estar fazendo justamente o contrário. Parece que faz muito mais sentido fazer uma campanha de pressão sobre os setores mais de esquerda do BLP, inclusive os que se reivindicam revolucionários, para romperem e se engajarem em frentes únicas operárias e na construção de um partido revolucionário, como tática para afastar a base da direção desses setores “de esquerda”, presos umbilicalmente ao Trabalhismo britânico. Essa tática empregada pela ICL na Grã-Bretanha e na Austrália parece ter sido mecanicamente copiada de sua aplicação original proposta na Alemanha com relação ao Die Linke, onde talvez ela faça mais sentido.

b) A pandemia e a linha da ICL de “abaixo os lockdowns” e “lockdowns são reacionários”

Como explicamos anteriormente “Lockdowns”, no sentido de fechamentos de estabelecimentos não essenciais, escolas, etc. são uma medida sanitária contra pandemia e podiam ser usados de forma reacionária ou progressiva dependendo de quem a controlava. Fomos sempre contra o uso do “lockdown” para reprimir ou coibir os protestos e a organização da classe trabalhadora, como já afirmado anteriormente, e defendido pelo próprio BL em uma época anterior.

O BL “erra o alvo” quando tenta usar esse tipo de argumento e acusação de “liberalismo” contra nós. Não se trata de “um chamado para eles [os lockdowns] serem implementados mais humanamente, com esquemas de welfare adicionais”. Trata-se de um contraponto proletário à política do Estado burguês, mas que não rejeita que locais poderiam ser temporariamente fechados e isolamento social defendido para combater a pandemia. Simplesmente isso.

Não temos nenhum preconceito liberal, nem nos somamos a uma “unidade nacional contra a pandemia” que aceitasse o poder capitalista. Seguimos não só totalmente críticos à condução burguesa da pandemia em todo o mundo, como também atuamos durante a pandemia em ações de luta dos trabalhadores (enquanto a ICL entrava em colapso). Quando protestos contra o racismo ocorreram no Brasil em plena a pandemia, citamos como um exemplo de que as lutas não deveriam parar por conta das medidas sanitárias, pois se tratava dos trabalhadores defendendo suas vidas. Buscamos participar de lutas dos trabalhadores contra as demissões e ataques [da burguesia] durante a pandemia.

Até agora, vocês não nos responderam: os trabalhadores, no comando de alguma região, ou no poder por meio de um Estado operário, defenderiam a possibilidade de fechamento de lugares, e defesa de medidas de isolamento temporárias? Se sim, então a linha de “Abaixo os lockdowns” e “Lockdowns são reacionários” só cria confusão. Seria melhor dizer que os “lockdowns” da burguesia priorizavam os lucros e tentaram fazer os trabalhadores engolirem sua situação de penúria e precariedade. E era necessário lutar contra isso. A luta de classes está acima das medidas sanitárias que representam a “solução burguesa” da crise pandêmica. Os trabalhadores deveriam agir na defesa de suas vidas e necessidades. Isso não significa que medidas sanitárias de isolamento deveriam todas cair.

Apesar da inexistência de lockdowns no Brasil e na América Latina, acreditamos que medidas de fechamentos devidamente implementadas poderiam ter reduzido significativamente as mortes por COVID, que afetaram desproporcionalmente a classe trabalhadora e os pobres. A posição da ICL (que agora o BL defende) é confusa. “Lockdowns” podem ser entendidos de diferentes formas em diferentes contextos, como vocês próprios já reconheceram. Medidas de fechamento e de segurança sob controle dos trabalhadores, se bem geridas, poderiam ter sido eficazes contra a COVID e favorecer nossa classe. Nesse sentido, seriam sim uma ferramenta a mais, tal como vacinas, distribuição de máscaras, transformação de equipamentos para combater a pandemia, expropriação dos lucros para combate à COVID, etc.

Como já dissemos, para confrontar a resposta da burguesia à crise da pandemia, era necessário desafiar a sua gestão global dela, e não medidas de saúde específicas como vacinas ou fechamentos de estabelecimentos. Sob o controle da classe trabalhadora, medidas de fechamento e isolamento teriam sido diferentes, mas continuariam a ser utilizadas. O apelo da ICL para que sejam os sindicatos, e não o Estado, a determinar as condições de trabalho seguras alinha-se com a ideia do controle dos trabalhadores sobre as medidas de saúde. Esta abordagem é mais clara do que afirmações genéricas como “Abaixo os lockdowns”, que só podem criar confusão.

c) A guerra da OTAN contra a Rússia

Na seção sobre a guerra da Ucrânia, vocês produzem infelizmente alguns dos argumentos mais absurdos e contraditórios. Nós havíamos apontado as contradições no discurso da ICL, ao dizer que a vitória da Rússia seria um “golpe humilhante nos EUA” e “colocaria em questão a existência da OTAN”, ao mesmo tempo em que a ICL se recusa em defender a vitória militar da Rússia, que é a defesa desse país contra a investida de longa data da OTAN para o Leste, e que tem a China como alvo final.

A ICL encobre o absurdo dessa posição com frases vazias e completamente falsas mesmo para um observador atento, ao dizer que a guerra é um “conflito regional pelo controle da Ucrânia” – um “conflito regional” que tem todos as grandes potências imperialistas do mundo enviando centenas de bilhões de dólares em financiamento e armamento! E que “a Ucrânia é de pouco valor estratégico para os EUA” (bom, eles não parecem concordar!). No fim, a ICL é capaz de dizer que a vitória russa, apesar dos efeitos descritos, “não seria nenhum golpe significativo no imperialismo”. Camaradas, essa é uma posição inconsequente que (isso sim!) capitula à pressão liberal. Os leninistas defendem as nações cercadas pelo imperialismo e por ele atacadas, mesmo as nações subjugadas “fortes” como a Rússia (ou o Brasil), sem nenhum apoio aos seus governantes burgueses (e na verdade cavando a sua futura queda por meio de uma intervenção política).

No nosso documento de 20 de setembro, nós tentamos dar respostas aos questionamentos sobre táticas que vocês fizeram, coisa que também fizemos no nosso documento sobre a guerra, no qual buscamos (dentro dos limites da distância e do pouco conhecimento prático) mostrar uma perspectiva aos trabalhadores russos e ucranianos que combinasse o enfrentamento ao imperialismo com a oposição proletária aos governantes burgueses dos dois lados. [https://rr4i.noblogs.org/2022/12/23/o-prolongado-conflito-na-ucrania-guerra-maquiada-da-otan-contra-a-russia-2/] Na parte do documento de vocês sobre a Revolução Permanente, vocês afirmam que o BL e a nova ICL desejam combinar a luta “pela libertação nacional” (que deve ser a luta anti-imperialista) com a luta pelo socialismo. Mas vocês fracassam miseravelmente no caso mais evidente colocado pela realidade e pela “decadência da hegemonia imperialista estadunidense” nesse momento histórico decisivo.

Na sua carta de 1º de fevereiro vocês dizem que “a vitória de um seria um golpe no outro, e golpes no imperialismo são uma coisa boa. Mas todo ato que é um golpe contra o imperialismo não necessariamente avança os interesses da classe trabalhadora, e todos os leninistas entendem que o único caminho de dar um golpe final no imperialismo é em última instância a revolução proletária”. (Carta do BL de 1º de fevereiro). Isso sim são palavras abstratas. Se a derrota da OTAN nesse conflito seria um golpe contra o imperialismo e isso é “uma coisa boa”, como isso não é nem minimamente progressivo? O papel do Estado russo torna essa vitória contra a OTAN algo contraditório, é claro, e não consistentemente anti-imperialista, o que aponta para os limites do nacionalismo russo, dos interesses predatórios do Kremlin, e a necessidade de uma perspectiva proletária internacionalista no lugar disso.

Mas vocês nos dizem que “Nenhum dos resultados [nem a vitória do Kremlin nem a da Casa Branca] é minimamente progressivo, e qualquer lado vencendo não daria um golpe progressivo contra o imperialismo”. A vitória russa iria supostamente reforçar os outros aliados da OTAN na Europa e “Os únicos beneficiários seriam os imperialistas”. Essa é uma posição politicamente derrotista e covarde. Significa que diante da dominação imperialista, uma nação que resistisse “nada teria a ganhar”, pois isso iria reforçar o imperialismo em outros territórios em reposta (enquanto não houver a vitória final revolucionária). Aparentemente, tanto a derrota militar do imperialismo quanto sua vitória militar seriam igualmente benéficos para seus interesses. Isso lembra muito os argumentos da “velha ICL” (supostamente superada) sobre o Afeganistão em 2001, quando não chamaram pela derrota da invasão dos EUA, considerando-a impossível e delegaram a solução do problema para uma futura revolução nos centros imperialistas, especialmente nos EUA. O BL chega ao absurdo de dizer que:

“Mesmo se a conclusão dessa guerra fosse a quebra da OTAN, isso não necessariamente seria um ganho para a classe trabalhadora. Se ela fosse esmagada pela revolução proletária, então seria absolutamente um ganho. Mas pela vitória russa? … Uma quebra da OTAN nessa situação provavelmente ocorreria na forma da Alemanha rompendo com a OTAN e entrando num bloco com a Rússia, Isso não seria no interesse da classe trabalhadora, de fato seria o começo de uma nova guerra mundial. Isso não é um ‘mal menor’.” (Documento do BL de 1º de fevereiro).

Camaradas, a seção da ICL na Alemanha luta pela saída do país da OTAN? Os revolucionários devem defender a saída de seus países da OTAN e o fim dessa aliança imperialista reacionária e inimiga dos povos oprimidos do mundo? Se a resposta a essas perguntas for sim, então não se trata de a quebra e o fim da OTAN só serem algo progressivo se ela for “esmagada pela revolução”. Esse é o fim ideal, mas é inteiramente possível que isso ocorra previamente às vitórias revolucionárias, como pressão do movimento da classe trabalhadora ou pelas derrotas militares sofridas em suas investidas. O BL seria contra isso porque esses meios poderiam levar a uma III Guerra Mundial via novos alinhamentos imperialistas? Então isso significa que o BL só defende o fim da OTAN se isso for feito pela revolução e não defende seu fim por nenhum outro caminho (pressão do movimento operário, derrotas militares da OTAN)?

Essa posição seria totalmente incoerente com o leninismo. A derrota dos interesses imperialistas nos campos de batalha faz tão parte da perspectiva anti-imperialista do marxismo quanto a pressão dos trabalhadores e, em última instância, sua luta revolucionária aberta. Os revolucionários não podem recusar a defesa do fim da OTAN, da saída dos países aliados onde quer que estejam e a defesa da sua derrota em suas investidas militares reacionárias. Os trabalhadores não são culpados de um hipotético realinhamento imperialista ou de uma III Guerra Mundial que poderiam decorrer das derrotas merecidas da coalizão imperialista dominada pelos EUA. A OTAN deve ser derrotada. Só os trabalhadores podem tornar essa derrota consequente e definitiva.

d) a Revolução Permanente, o Espartaquismo e as perspectivas concretas

Na longa seção da sua carta que é dedicada à questão da Revolução Permanente, vocês fazem uma descrição que é, em geral, formalmente correta da teoria da Revolução Permanente, das “burguesias nacionais” como uma agência intermediária do imperialismo no controle do Estado das nações periféricas, que é intrinsecamente incapaz de enfrentar o imperialismo e romper as amarras que prendem a nação oprimida às formas de dominação internacional do capital; da necessidade de os revolucionários promoverem uma ruptura da classe trabalhadora com tais políticos enganosos das burguesias nacionais, inclusive os que se proclamam anti-imperialistas (embora incluam Lula nessa categoria, algo que só seria apropriado nas décadas de 1980-90, e não hoje em dia). Ao mesmo tempo, vocês consideram o “velho programa da ICL”, o Espartaquismo histórico, bem como o RR, “um obstáculo para qualquer luta séria nesses países e condena as massas a permanecerem inteiramente fundidas à burguesia nacional”. Vamos dizer o que pensamos sobre isso.

Em primeiro lugar, o “Espartaquismo histórico”, ao menos em sua melhor época, reconhecia a necessidade de um programa que combinasse a luta contra o imperialismo com as reivindicações mais sentidas da classe trabalhadora em um programa transitório nos países periféricos do sistema capitalista (semicoloniais), incluídas aí demandas parciais e democráticas. Basta ler a Declaração de Princípios de 1966 da Spartacist League, seus demais documentos fundadores e muitos dos artigos que nós traduzimos dos primeiros números de Spartacist e de Workers’ Vanguard para se dar conta disso. De fato, a consistente defesa das nações oprimidas contra as investidas imperialistas (que a “atual ICL” fracassa em fazer no atual caso da Rússia), constitui um dos elementos essenciais que ganharam vários dos membros fundadores do RR para longe da tradição morenista, que capitula a forças subordinadas ao imperialismo em várias ocasiões. O Espartaquismo também foi bem mais consistente que os seus oponentes mandelistas, lambertistas e pablistas em geral dessa época.

É fato que o “Espartaquismo histórico” caiu em desvios e erros em posições específicas, algumas das quais nunca tivemos certeza e já debatemos internamente de forma crítica, inclusive compartilhamos informalmente com o BL essas questões, como devem se lembrar. Isso inclui a Guerra das Malvinas, já num período em que o engessamento burocrático sectário da ICL estava avançando (1982). Os argumentos defendidos pela ICL à época para defender sua posição de “duplo derrotismo” são inadmissíveis. Usaram textos de Shachtman (em seu período centrista) para tentar questionar o caráter de país oprimido da Argentina (em números Workers Vanguard de 1982).

Mesmo na década de 1970, os documentos da SL sobre a “questão nacional” e os povos interpenetrados continham excesso de zelo pela preocupação com os direitos nacionais dos povos opressores em situações de entrelaçamento territorial geográfico (como no caso de Israel/Palestina e dos unionistas “protestantes” na Irlanda do Norte). Esses são problemas que deveriam ser corrigidos e que nunca buscamos repetir ou enfatizar na tradição do Espartaquismo que reivindicamos. Apesar disso, esses documentos possuem uma análise marxista correta em vários pontos, e uma importante diferenciação de independência de classe em oposição a grande parte da esquerda do período, que se dissolvia no campo da nação oprimida sem questionar as lideranças burguesas.

Achamos curioso que a atual ICL tenha revisado (de uma forma que nos parece progressiva) a posição sobre a guerra das Malvinas, mas não tenha dedicado uma linha sequer à questão da sua reação liberal pro-imperialista (da então iSt) à destruição da base militar estadunidense no Líbano em 1983, na qual focaram em condenar o ataque como uma “atrocidade” e em pedir pelo salvamento das vidas dos fuzileiros americanos, acusando aqueles que pediam por uma posição mais firme de denúncia ao militarismo imperialista de serem “defensores de uma carnificina”. (Essa posição já foi levantada e discutida ad infinito pela BT/IBT, como vocês bem sabem). O que a atual ICL tem a dizer sobre isso?

Esperamos que essa postura de “abertura dos arquivos” tenha um efeito positivo sobre aqueles que reivindicam a tradição do Espartaquismo para revisar posições passadas efetivamente problemáticas ou insuficientes, sem o constante “medo” de que ao fazer isso recebam-se acusações e ataques enfadonhos dos outros grupos dessa tradição, algo que sempre nos chamou atenção nas dinâmicas sectárias grotescas envolvendo a SL-IG-IBT. É preciso salvar o melhor do Espartaquismo como tradição do trotskismo que resistiu à destruição revisionista da Quarta Internacional em determinada época, não repetir os seus erros ou a sua degeneração.

Outra pergunta: Vocês dedicam uma parte considerável dessa seção à crítica da própria trajetória do “Espartaquismo histórico” como inútil para romper as massas trabalhadoras com os líderes burgueses que se projetam como anti-imperialistas (e aproveitam para atribuir isso ao RR). O que vocês mudariam ou criticariam nas posições e na intervenção do Espartaquismo na questão do governo Allende e do golpe de Pinochet no Chile, entre 1970-1973. Essa é uma pergunta sincera, pois os materiais da iSt dessa época estão, na nossa opinião, entre as melhores contribuições do trotskismo sobre a questão das frentes populares e da necessidade urgente da independência de classe para realmente alcançar a ruptura com o imperialismo  (algo do qual Allende discordava). Como resultado da sua intervenção, os espartaquistas ganharam militantes e construíram uma seção chilena, que entretanto parece ter sido efêmera. Essa questão também marca uma posição firme de oposição às frentes populares, algo que a maior parte do movimento trotskista (revisionista) simplesmente abandonou ou relativizou.

Ainda outra pergunta: o que a ICL tem a dizer sobre um dos seus últimos escritos sobre o Brasil, no qual vocês defendem uma posição de que “Os trabalhadores não têm lado no impeachment do Brasil” (2016) [https://old.iclfi.org/portugues/oldsite/impeachment.html]. Vocês seguem defendendo essa posição abstencionista vergonhosa? O atual discurso da ICL sobre o Brasil indicaria que não, mas nem uma palavra foi dita a esse respeito, apesar de a ICL ter nos proposto discussões.

O RR posicionou-se contra esse golpe judiciário-policial que removeu a presidente eleita do PT, continuou com a prisão de Lula para removê-lo das eleições de 2018, e a perseguição a líderes petistas com alegações de corrupção. Mas fizemos isso sem capitular às pressões e ao projeto de governo do PT. Ao contrário, defendíamos que um rompimento com o institucionalismo (esperanças na Justiça burguesa) e eleitoralismo (esperança de que o PT poderia ganhar as eleições seguintes) eram essenciais para a derrota do golpe. Isso pelo menos apresentava um caminho de aprofundamento da luta de classes e eventual ruptura das massas que acreditavam no PT. Chamava a um confronto com a classe dominante e o imperialismo (que a essa altura estavam inteiramente a favor do golpe). Isso pode ser comprovado ao ver os materiais, panfletos e nossa presença nas manifestações e lutas anti-golpistas, assim como nossa campanha de pressão para que as centrais sindicais do PT e de seus satélites lançassem greves de massas (algo que não ocorreu).

Enquanto isso, a ICL defendia que “os trabalhadores não têm lado” e que mesmo se colocar contra o golpe judicial-policial era automaticamente capitular ao PT (algo que vocês desenvolvem em uma crítica muito errada ao IG). Respondam, camaradas: quem era inútil para tentar romper as ilusões das massas com o PT? A “velha ICL” e o RR eram a mesma coisa (em termos de programa)? Alguém seriamente poderia colocar a “antiga ICL” e o RR no mesmo saco nessa questão candente? O “Espartaquismo histórico” da fase revolucionária se colocava contra golpes de Estado e perseguições judiciais-policiais aos setores frente-populistas quando tais ataques partiam dos reacionários. Há muitos exemplos disso. E a “atual ICL”, o que tem a dizer? Só um sectário ou um cego poderia igualar a posição da “antiga ICL” (2016) e do RR sobre essa questão.

Vocês nos acusam de contrapor a “libertação nacional” ao socialismo, dizendo que o RR “rejeitou completamente” essa tarefa (“outright rejected”). Se a libertação nacional for entendida como a luta contra o imperialismo, então isso simplesmente não é verdade. Citemos de um documento recente disponível em nosso site, que era uma crítica à posição do grupo Transição Socialista:

“Mediante as contribuições sobre a fase imperialista do capital, escritas pelo camarada Lenin e a concepção da Revolução Permanente, elaborada pelo camarada Trotsky, não negamos que países dependentes como o Brasil e o conjunto da América Latina tenham tarefas democráticas elementares a serem realizadas. Afinal, diferentemente de outros países, a burguesia logrou se consolidar nessa região sem precisar realizar uma destruição profunda das relações pré-capitalistas da escravidão, servidão indígena e eliminação da antiga classe proprietária. O capitalismo tomou, na periferia do sistema, aspectos contraditórios muito mais fortes. Elementos como a distribuição da terra e de fim da espoliação imperialista permanecem absolutamente atuais, e só podem se resolver mediante a expropriação dos capitalistas (tanto nacionais quanto estrangeiros).” (dezembro de 2021)

https://rr4i.noblogs.org/2021/12/15/resposta-ao-convite-da-organizacao-transicao-socialista-para-formacao-de-um-comite-de-enlace-2/

Algo muito similar está descrito no nosso programa político, que os camaradas do BL conhecem muito bem, pois ajudaram a escrever, na seção intitulada “Revolução Permanente”. Essa acusação é típica do sectarismo da “antiga ICL” e não tem nada de concreta.

É nessa parte do documento que o BL mais nos acusa de realizar “denúncias vazias à burguesia nacional”, que nos tornariam tão imprestáveis quanto “os oportunistas que a seguem”. Vocês parecem muito incomodados com tais denúncias. Dizem também repetidamente que são “palavras que soam corretas, mas que são abstratas”. No entanto, não há no documento de vocês nenhuma proposição tática concreta além disso. Tudo que o BL nos diz é que devemos ser “os campeões da luta pela libertação nacional” para provar a consistência dos marxistas em oposição à incapacidade da burguesia nacional.

Isso é bastante abstrato, camaradas. Devemos ser também os campeões da luta pela terra, por moradia e pelas condições de vida dos trabalhadores, da luta contra as pressões e mediações dos imperialistas, bem como das lutas contra demissões (ligadas umbilicalmente à austeridade imposta pelo imperialismo), da luta contra as opressões (especialmente o racismo policial e sistemático do Brasil, que necessita de uma solução revolucionária), da luta contra a retirada de direitos democráticos e os movimentos de “extrema direita” (como o Bolsonarismo) e do fascismo. Em todas essas arenas, a burguesia nacional, os partidos conciliadores e oportunistas são inúteis para oferecer uma saída aos trabalhadores que não seja o aprofundamento da exploração e da barbárie (apresentando no máximo uma “aparência de mudança”). De fato, uma das coisas que destaca um partido revolucionário é a capacidade de mostrar à nossa classe a conexão dessas questões e a necessidade de um rompimento com as direções conciliadoras e com o Estado burguês para resolvê-las.

Os limites que nos são impostos são os de uma pequena organização revolucionária num país imenso com um enorme proletariado. Evidentemente, somos menos ativos e atuantes do que gostaríamos, temos menos forças e recursos do que o necessário para essa tarefa histórica. Mas vocês encontrarão na nossa trajetória uma série de táticas e intervenções que buscam consistentemente demonstrar a incapacidade das atuais lideranças, e defesa de políticas pelo aprofundamento das lutas, exigindo a formação de frentes únicas, pressionando os grupos centristas a romperem com os partidos conciliadores quando estes giravam claramente à direita, etc. Num dos nossos recentes escritos sobre o Brasil, defendemos a formação de frentes únicas para defesa das condições de vida (chegamos a nos engajar na construção de uma dessas iniciativas em São Paulo, com outras organizações, mas que teve curta duração). Também fizemos esse desafio à base que apoia o PT:

Muitos dos apoiadores do PT e do governo afirmam que Lula está de mãos atadas devido ao caráter conservador do Congresso. Mas, em primeiro lugar, temos que ter clareza de que o próprio PT está na linha de frente de realizar e manter algumas dessas medidas que atacam os interesses da classe trabalhadora. Ademais, em nenhum momento o PT lança um enfrentamento contra esses setores reacionários do Congresso, Igrejas, Forças Armadas, etc. Ao invés disso, tem muita fé numa colaboração de longo prazo com eles.

Se o PT tivesse realmente comprometido com a classe trabalhadora, Lula poderia fazer decretos e começar a passar medidas de claro interesse popular: distribuição de terras e moradias, aumentos do salário-mínimo, estatização de fábricas (muitas estrangeiras) que estão fechando etc. e chamar o povo para comprar a briga com o Congresso e o STF quando eles se colocarem contra. Foi exatamente isso que fez Bolsonaro em alguns momentos para aprovar medidas reacionárias e também conseguir benesses para seus aliados parasitas, testando até onde podia “esticar a corda”. Porém, Lula e o PT seguem o caminho da conciliação com essa corja da elite financeira e o imperialismo, não de enfrentamento. Essa é uma exigência que levantamos a esse governo, mas sem a menor ilusão de que possam seguir esse caminho, e precisamente para que isso fique claro aos seus apoiadores. (outubro de 2023).

https://rr4i.noblogs.org/2023/10/10/um-balanco-dos-primeiros-meses-do-governo-lula-e-as-tarefas-da-esquerda-revolucionaria/

Temos intervindo com esse questionamento aos apoiadores “de esquerda” do governo do PT em algumas ocasiões, obtendo as respostas mais confusas e legalistas. Como isso é “abstrato” em comparação ao que é defendido pelo BL, sobre “sermos os campeões da luta pela liberação nacional”? A tentativa do BL de nos enquadrar numa espécie de sectarismo que não entende a teoria da Revolução Permanente, rejeita as tarefas anti-imperialistas na periferia do sistema, e não luta para enfrentar as atuais lideranças burguesas ou conciliadoras (para além de “palavras abstratas que soam corretas”) é absurda. O que deveríamos estar fazendo de diferente para não reproduzir essa suposta postura “abstrata”? Uma última pergunta honesta: vocês consideram que no Brasil os revolucionários deviam entrar no PT, tal qual vocês estão defendendo que é a tática correta em formações similares (embora mais à direita), como na Grã-Bretanha e na Austrália?

Encerramos essa carta a vocês esperando que ela tenha ajudado a clarificar as nossas posições. Estamos obviamente abertos a sugestões de táticas (não abstratas e não oportunistas), à formação de frentes únicas no interesse da classe trabalhadora e acompanharemos o desenvolvimento do BL enquanto vocês pretenderem se fundir com a SL-A. Da nossa parte, seguimos com a convicção de que, apesar dos seus limites, desvios e erros pontuais, ainda temos muito mais a aprender sobre política revolucionária e táticas coerentes com o “Espartaquismo histórico” dás décadas de 1960-1970 do que com a degeneração sectária engessada de “tipo 2” que ele acabou produzindo (e que ainda possui representantes entre nós) e do que com a atual “nova ICL” e “novo BL”.

Saudações revolucionárias,
Ícaro Kaleb
Pelo Reagrupamento Revolucionário